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28 de fevereiro de 2010

ÓDIO DO MOTORISTA E DO MEU EGO


DUPLO - Num dia, irritada com o motrista de ônibus, em 2003, escrevi essa crônica, que reflete um pouco dos nossos olhares sobre as pessoas, como as tratamos e a grande ilusão que é ser um profissional sem qualificação se sentindo o contrário. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Descrever, com minúcias, aqueles maus tratos aos passageiros vai me fazer sentir vingada. Não pude cair com as duas mãos nos cabelos dele. (Cabelos com luzes, ridículo!) Eu e o caminho para o centro da cidade sabemos como aquele motorista era estúpido e despreparado ao conduzir um ônibus coletivo com dezenas de pessoas. Senti ódio do motorista. Mas tudo era conduzido ao seu grande Ego, que estava inflado naquela manhã quente e confusa.

Sinti raiva porque perdi uma manhã linda, infantil, até, de sorrir pra o nada, por causa dessa criatura sem profissionalismo algum, como todo empregado de pequena empresa: verdadeiro desastre das relações humanas. Perdi uma manhã morna, solene, daquelas inspirativas. Preciso disso pra trabalhar, sabia? Algo que me desconecte da realidade por minutos pra me instigar às tarefas diárias e à busca incessante pela sobrevivência. Mas o motorista não quer saber disso. Isso é frescura pra ele.

Na parada do ônibus, os passageiros da periferia vão chegando com cara de sono, todos aborrecidos, pensando no estresse que será andar com aquele motorista. Todos queriam esquecer que o coletivo já vinha semi-lotado. Cerca de 10 a 15 passageiros com as caras mais amarrotadas do mundo, espantando o resto de sono com o mau humor coletivo.

Talvez sentindo essa energia contrária a sua pessoa, talvez só pelo simples prazer de aterrorizar, o motorista surgiu, após a curva, freando o gigantesco ônibus da zona Oeste, um dos maiores da frota, e talvez o mais recheado de baratas. Pela cara dele, que vi através do pára-brisa, o motorista estava pronto pra estragar qualquer dia. Parou o transporte a uns cinco metros de distância devido a velocidade, o que nos fez correr, suar e aguentar os aceleros bruscos do guia da máquina transportadora de gente.

Antes que os passageiros pudessem chegar a roleta do cobrador, o motorista arrancou com tudo, fazendo-nos desequilibrar, tropeçar, xingar, enfim, tudo o que a indignação e o inesperado causa. Pensei: "todos estão passando pela mesma situação, relaxe". Sentei numa cadeira perto de uma janela, catei o livro da bolsa e tentei sair daquela realidade fervilhante em plena 6h30 de uma segunda-feira. Mas ele (o motorista) novamente quis chamar a atenção e, antes da próxima parada, conseguiu.

Ficou a contar a sua larga experiência de homem bem vivido e "bom profissional do volante" com o cobrador, que, por sinal, era bem parecido esteticamente com o colega, com aquelas mangas das camisas dobradas, estilo caminhoneiro. Detalhe: as confidências trabalhistas eram ouvidas por todos, pois os dois conversavam aos berros, por causa do motor do ônibus e da falta de noção dos dois.

Na quarta parada subiu uma senhora idosa. Com suas limitações na fala, ela pediu uma informação, que nem o motorista nem ninguém entendeu direito. Nesse momento, ele quis mostrar uma certa educação, tentando convencê-la de alguma coisa, mas com o ônibus em movimento, e a senhora angustiada por ver que teria de descer pra pegar outro ônibus. Como não foi possível uma comunicação entre os dois, o motorista 'inteligente', que só tirou a senhora do canto, a deixou na próxima parada.

O ônibus partiu, fiquei olhando a cara da mulher, parada, sem entender nada do que tinha acontecido. Dentro do coletivo, o motorista ficou se lamentando pela 'falta de orientação' da mulher, que fez aquilo só pra ela 'se ligar e não ficar pedindo parada ao ônibus errado'. Fiquei com a imagem da mulher inocente na cabeça e pensando nas quantas facetas ocultas usamos no cotidiano, como ele fez, com pessoas que indesejamos.

No longo trajeto de 25 ruas com mais de 100 pontos de ônibus foi uma tortura. O mal-estar que sentia acompanhou-me pelas ruas inteiras, longas, do fim do bairro. O motorista incorporou um megalomaníaco ser que queria possuir as ruas veloz e violentamente. Era um exibicionismo que eu dispensava, mas que era obrigada a acompanhar. E passávamos, saculejando, rangendo alto com brutalidade.

"O ônibus passou rápido hoje", comentavam as senhoras nas calçadas. Era o super, mega, ultra motorista. Ele, o homem que está traspassando a cidade, cortando sete bairros, sem pensar em nada mais imediato do que que virar, alinhar, frear, acelerar etc. A periferia o nota, naquela manhã perdida pela sua ira, no topo da cadeira do ônibus. Nem sei quantas vezes me senti assim, senhor do nada...

26 de fevereiro de 2010

XILO E ESTILO: GRAVURAS SOCIAIS


RESISTENTE - A arte da gravura atravessou séculos em sua existência basicamente primitva de 'carimbar' formas, imagens do cotidiano, em pano ou papel, resistindo ao longo desse tempo todo graças aos artistas que mantém o esforço e a senbilidade em retratar, num desenho na madeira, nossa identidade brasileira. | imagens: Josafá de Orós

VALDÍVIA COSTA

Nas mãos de um gravurista talhando a madeira se faz a forma que vai surgindo, mas que só se completa com a tinta impressa no pano ou papel, virando gravura. Uma arte do tempo das cavernas que ainda se mantém com, basicamente, a mesma forma de ser, graças às mãos do gravuristas. Um desses artistas plásticos, o cearense radicado em Campina Grande-PB, Josafá de Orós, não só conseguiu manter a arte, como a difunde na internet.

Mas quem pensa que ele usa simbolismos modernos demais pra fazer isso, está enganado. A xilo e o estilo de Josafá é juntar o erudito e o popular. Desde cenas da feira, de cidadezinhas de Pernambuco, até xilografias de importantes figuras eruditas como Nietzsche, Drummond, Carlos Scliar, Turgheniev, Tomas Mann, Dostoiewski, Picasso, Ariano Suassuna, dentre tantos outros, a gravura vive nele como uma linguagem viva e provocativa até do sociólogo que Josafá também é.

Muito da arte dialoga com a sociologia no trabalho dele, que fez a primeira exposição de artes visuais com 12 anos de idade. Das reproduções de gravadores como Lazar Segal, em pintura em tela e outros estilos de desenho e pintura, Josafá hoje é educador, ensinando a fazer gravuras. O criador do projeto Paraíba Grandes Nomes, vai falar dessa arte, do mercado e da modernidade cercando tudo.


De acordo com "- Você trouxe temáticas populares para suas xilogravuras, mas com um olhar meio fotográfico, voltado para símbolos incomuns nas xilos, como um recorte de um boi-bumbá. Como e quando surgiu o interesse por essa arte? Conte um pouco a sua história com a xilogravura e como está sua relação com ela hoje em dia.

Josafá de Orós - Sempre fiquei bastante impressionado com a força do expressionismo. Quando Campina Grande-PB tinha existência cultural e artística podíamos nos deliciar com magníficas mostras de cinema, mostras importantes de artes visuais etc. E isso realmente tem força sobre a formação das pessoas. Eu ainda peguei uma rebarbazinha dessa Campina do Leitorado alemão, Campina dos últimos cineclubes etc. Na minha gravura você vai encontrar, junto, o erudito e o popular. Lado a lado com estas figuras tomo os elementos populares e pitorescos da realidade nordestina para dar fluência a minha relação com a realidade. Com 12 anos de idade fiz minha primeira exposição de artes visuais. Eram reproduções inclusive de gravadores como Lazar Segal, Picasso. Expus no Centro Artístico Jorge Miranda em Campina Grande. Minhas primeira incursões na arte trilharam caminhos diversos que iam da pintura em tela, da escultura em madeira e argila, ao desenho, bico de pena etc. Tudo isso, essa relação por tanto tempo me levou ao conhecimento e ao exercício dessa arte da reprodutibilidade rudimentar, originária e antiga, que é a xilogravura. Por vários anos coordenei a mostra de artes visuais do Festival de Inverno de Campina. Dei atenção às várias modalidades de expressão no campo das artes visuais realizando exposições, oficinas, workshops, instalações etc. Num dos festivais pude trazer o melhor da gravura mexicana, notadamente a calcogravura e a serigrafia. Mantenho uma relação muito intensa com o abstracionismo dos mestres, dos grandes mestres, contudo sempre desconfio dos neófitos que se dizem praticantes ou experimentadores da ambiência dessa expressão. Essa desconfiança antiga me manteve sempre próximo à figuração. Por vezes, acho que valorizo muito escolas como o Expressionismo e o Hiperrealismo. Admito, embora eu possa transitar por entre vários estilos e escolas na pintura, na escultura e na gravura, que a figuração das cenas imediatas me assediam e me conquistam. Daí o meu interesse por feira, pelo elemento pitoresco, pelo traço marcante do rosto de um chapeado, a rusticidade da expressão de uma tira de mocotó de boi dependurada numa tarimba no mercado central, uma tenda de ervas e mangaios, mágico de feira, o cordelista oferecendo o seu folheto, o rabequeiro encantando os ouvidos dos viandantes etc. Sou da noção de universalidade do Villa-Lobos. Se tu falas do teu quintal, podes falar ao mundo. Desde que comecei meu trabalho com gravura a mais de dez anos nunca parei. A gravura é uma arte muito instigante e provocadora. Atualmente tenho ministrado muitas oficinas de formação para pessoas e instituições interessadas. Ano passado estive na Usina de Arte João Donato no Rio Branco (Acre) numa ação muito legal. Estive em Petrolina-PE para onde irei novamente em maio deste ano ministrar oficina e realizar exposição na UNIVASF. Campina foi empório agregador de gentes da várias tonalidades. Hoje acho uma cidade monocromática, sem tradições de nenhum tipo, meio sem vida e chata.

" - Campina Grande teve algum fato interessante, histórico, com a xilogravura, já que somos potenciais produtores da literatura de cordel, com ícones como Manoel Monteiro? Onde essa arte aparece hoje em dia no Estado e fora dele, no Brasil?

JO - Campina, como sabemos, é uma cidade difícil que vive remoendo passados e com poucas perspectivas no campo da cultura em geral e das artes em particular. Campina é uma cidade que vive de semblantes de ícones alienados, vagantes sem sustentação.


" - Como sociólogo, você encontrou alguma inspiração nas Ciências Sociais para o seu fazer artístico ou o curso foi outra investida separada da arte? Comente um pouco sobre essas duas áreas e como elas se instalam na sua vida.

JO - A sociologia é um instrumental extraordinário para compreensão da realidade social. A sociologia e a arte na minha vida alicerçam boa parte dos meus mundos reais e imaginários. As ciências sociais, como no dizer de Gilberto Freyre, por vezes chega a provocar dúvidas sobre o lugar de cada uma no processo criativo. Por vezes nos damos conta sociologizando os processos de criação, noutros momentos o fazer científico adquire tonalizantes estéticos. Criação artística e conhecimento sistemático mantém boa relação quando sabemos o lugar de cada coisa. A Embrapa nacional adotou doze xilogravuras nossas para um calendário institucional que circulou por todo o país. Ali, naquele trabalho, sintetizei uma visão sobre o nosso Semi-árido e suas riquezas. No momento da escolha do que representar o homem que estuda e se interessa pelo Semi-árido aparece. Ciência e arte se imbricam e fecham no belo o seu produto.

" - A xilogravura brasileira já está bem representada na internet ou deve permanecer em sua forma primitiva de criação e difusão? Quem são os xilogravuristas mais destacados no Estado ou no Nordeste e com que temas cada um deles trabalha?

JO - A internet é uma das invenções mais extraordinárias depois dos grandes navegadores e do avião. É, ao mesmo tempo, o mais radical instrumento de democratização do conhecimento e, é também, paradoxalmente, um nicho de perversão sem precedentes. A gravura em geral, bem como todas as outras manifestações das artes, está muitíssimo bem representada na internet. Na rede podemos encontrar imagens de obras de anônimos e de gênios do gênero. Anônimos afoitos, cursos, vídeos especiais, documentários, textos históricos, aportes técnicos, materiais e ferramentas para venda etc. Podemos encontrar tudo. É interessante perceber que a internet possibilita, até àqueles que não acessam por razões diversas, que saibam que suas obras estão presentes para o acesso do mundo. Uma democracia radical e sem sigla.



" - Além dos cordéis, onde mais a xilogravura está inserida hoje em dia? Algum projeto misto, com xilo, música ou outra arte para a Paraíba? Quais os seus projetos de xilogravurista para este ano?


JO - Acima de tudo, a xilogravura foi apropriada pelo povo. Os xilogravadores são, em geral, artistas apaixonados por esta arte. A xilogravura é uma forma de expressão presente em tudo e em todos. Em Ariano Suassuna, como sabemos, a xilogravura não se encontra apenas em sua obra e nos seus desdobramentos. A xilogravura, podemos dizer, está, acima de tudo, dentro do gênio desse monstro da beleza. A xilogravura está na feira de Campina Grande, no espírito da feira, no âmago dela. Tudo tem a mesma linguagem. A xilogravura está no cinema, no algodão colorido... na identidade nordestina... no acervo de Poitier na França... Este ano continuarei levando a exposição Paraíba Grandes Nomes para outros recantos do Nordeste e de outros lugares no Brasil. No final de março deste ano visitareu alguns artistas na cidade de São Paulo-SP. Certamente devo visitar o Museu olho Latino, onde tenho várias obras em acervo. Em maio deste ano também irei à Universidade do Vale do São Francisco ministrar oficina de formação para alunos de artes daquela instituição de ensino. Estou com outra exposição na cidade de Boqueirão-PB, no evento literário que aquela cidade fará brevemente. Serra Branca, Sumé, Cabaceiras e São José dos Cordeiros também serão beneficiárias de oficinas de xilo e de exposições nossas. E ainda estamos abertos para adotar novos compromissos em nossas agendas.

25 de fevereiro de 2010

MORENÍSSIMA NA PANELA

CONTO: VALDÍVIA COSTA | IMAGENS: MARLEY LUCENA

A rata azeda
anda pela casa
sem medo
e com ágeis pegadas.
Vasculhando
procurando qualquer grão.


Quando menos se espera
numa peripécia
ela não conta conversa
e entra na desusada
panela de pressão.


A rata safada
é dissimulada
até finge de morta
a talentosa rata!
Pra não ser pega
ela roda, roda
no fundo do panelão
e sai com cheiro de feijão.


A gostosa rata não para.
Dispara de sua gaiola
pra um longo
e festejado trajeto.
Sala, quarto, canto,
e muito mais que isso
explorado devidamente.

Sem esquecer do hobby
dessa fantástica rata
que é roer o kase do violão.
Mesmo com toda essa oferta
a rata muito esperta
jamais esquece de passar
na penela do seu feijão.

Outro dia fizemos
um tortuoso experimento
Fechamos a velha panela
só pra ver o desconserto.
Não é que a rata ninja
subiu na tampa
e rodou várias vezes
olhando, pedindo feijão!

24 de fevereiro de 2010

PORTA COR, PORTA SINAIS


ZONA DE FRONTEIRA - Nova exposição do artista plástico Júlio Leite será lançada em Fortaleza-CE, dia 9 de março, na qual ele vai mostrar a imagem sem materialidade alguma, na primeira sala, com fotos de torcedores em suas camisas padrões, em dois data-shows, um de costas pro outro; em outra sala, 400 fotos com cores diversas, medindo 20 x 30, uma instalacão de nove metros por três. | imagens: Júlio Leite

KÁTIA CANTON*

Quatro homens estão sentados, lado a lado, sobre uma mureta na via pública. A cena não teria nada de mais, não fosse o fato de que os quatro vestem camisetas de clubes de futebol. Não são clubes populares a ponto de olharmos e reconhecermos imediatamente cada nome e torcida. Ainda assim, a sequência de camisetas singulariza a cena, portando sinais específicos.

O que causa um estranhamento à imagem das camisas é a onipresença de cores, as padronagens, as faixas, os números e as marcas, que atribuem aos corpos uma certa organização espacial.

Quer dizer, organizados daquela forma, portando cores e padrões nas camisas, aqueles corpos passam a territorializar o espaço, enquanto espaço artístico. É interessante aqui pensarmos inicialmente sobre os conceitos de espaço e lugar, que aparentemente possuem o mesmo significado. Na verdade, cada um dos termos designa uma relação singular com as circunstâncias e os objetos. Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens, o espaço é utilizado de forma genérica, enquanto que o lugar refere-se a uma noção específica do espaço. Lugar é um espaço particular, familiar, responsável pela construção de nossas raízes e nossas referências no mundo (1991).

Tomemos como ponto de partida a ideia de que o artista Júlio Leite, ao escolher para seu trabalho um cenário anônimo, não determinado, utilizou um espaço, e não um lugar. Mas, por outro lado, pelo fato de ter transformado esse espaço anônimo numa moldura para abrigar um projeto conceitual e esteticamente organizado, o artista passou a territorializá-lo.

A territorialização da arte implica em seu espaço físico e simbólico. É bom lembrar, aqui, que uma das características que definem a própria existência da arte é o fato de ela ocupar um espaço dedicado a ela. Historicamente, desde o século XVII/ XVIII, a ideia de um território dedicado à arte tem sido pensado de forma consistente, iniciando-se com os ateliês e a fundação dos museus.

Desde então, arquitetura das áreas que expõem arte vem sendo redefinidas e readequadas aos novos conceitos e repertórios que alteraram e seguem alterando a produção artística. Das coleções que recobriam todas as paredes dos edifícios, à aparente neutralidade do cubo branco modernista, pensada como espaço ideal para expor obras modernistas, o espaço torna-se um elemento chave na constituição da própria obra de arte.


CORES - uma das 400 imagens da exposição de Júlio.

Particularmente, a partir de meados do século XX, nos Estados Unidos e na Europa ocidental, movidos por um espírito de tempo cada vez mais comprometido com a experimentação, muitos artistas passaram a questionar a própria condição de institucionalização da arte pelos museus, galerias e espaços institucionalizados.

Buscando transformar o espaço "fora", em oposição aos espaços institucionais de dentro das paredes museológicas, eles partiram para a ocupação do espaço público estetizando-o. Essa ação gerou projetos como a land art, as performances e happenings que envolvem a ação de corpos no espaço, as ocupações de locais públicos ou privados, originalmente não destinados à arte, as instalações, a street art.

Hoje, junto com o crescimento dos museus, com suas arquiteturas e agendas espetaculares, as ruas e os espaços públicos proliferam como suportes para obras experimentais. E, consistentemente, o espaço público, territorializado pela arte, torna-se um não-lugar.

Cada vez mais, nesse momento histórico da chamada globalização ou mundialização, deslocamentos constantes e necessidades de adaptação nos faz sentir que aquele lugar ideal de pertencimento, de aconchego, a referência espacial fixa e confortável, é substituída por uma potência constante de deslocamento, fruto da necessidade de adaptação aos impactos da vida contemporânea.

A arte acompanha essa potência do deslocamento da vida. Lugares fixos, conhecidos ou confortáveis são trocados por não-lugares, lugares de passagem, lugares virtuais, lugares que nos impõem outros tipos de trocas. Como diz o antropólogo francês Marc Augé, os lugares se interceptam mais e mais com os não-lugares. Augé traça esse constante deslizamento entre os lugares de identidade e os lugares de passagem.

Se um lugar pode ser definido como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico, definirá um não-lugar, num mundo onde se nasce numa clínica e se morre num hospital, onde se multiplicam em modalidades luxuosas ou desumanas, pontos de trânsito e ocupações provisórias (cadeias de hotéis, terrenos invadidos, clubes de férias, acampamentos de refugiados, favelas destinadas aos desempregados) ou a perenidade que apodrece. O mundo assim prometido à individualidade solitária, à passagem, ao provisório e ao efêmero.

Acrescentemos que existe evidentemente o não-lugar como lugar, ele nunca existe sob uma forma pura; lugares se recompõem nele, relações se reconstituem nele. O lugar e o não-lugar são antes polaridades fugidias, o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente. Palimpsestos, em que se reinscrevem sem cessar o jogo embaralhado da identidade e da relação (1994).

No trabalho de Júlio Leite, as camisas de times de futebol portadas pelos corpos, registradas nas fotografias, mostradas em seriação ou projetadas nas paredes, tornam-se flashes, instantes, onde se alterna o anonimato do corpo comum com a singularidade do corpo que porta uma certa cor, um certo emblema ou número.

Aqui, o artista parece nos colocar mais uma questão: na repetição e no acúmulo dessas padronagens e cores, seriadas através das fotografias, seria possível apagarmos a ideia do futebol e dos times e focarmos apenas na dimensão formal e cromática, transformando aquelas imagens num grande quadro abstrato?

Seria possível ao artista transformar os corpos dos torcedores em superfícies bidimensionais que emanam códigos de cores e padrões? Ou seja, apenas em "porta cores"?
Essa questão conceitual aparece inicialmente no trabalho emblemático do artista norte-americano Jasper Johns. Johns, então um jovem artista, concluiu em 1955 uma obra que gerou grande polêmica.

Intitulada Flag (Bandeira) ou Stars and Stripes (Estrelas e Listras) em outras versões, ela simplesmente apresentava as listras e estrelas da bandeira norte-americana, em uma grande dimensão. Utilizando pintura e encáustica, a simples apresentação da bandeira, sem qualquer comentário que se ligue a seu conteúdo, produziu incômodo e atração, dependendo do tipo de espectador que deparava com ela, demonstrando que uma imagem contém inevitavelmente índices culturais e está necessariamente mergulhada em suas conotações sócio-políticas e ideológicas.

Johns abriu o caminho para as latas de sopa, caixas de sabão em pó e imagens de celebridades na obra de Andy Warhol, e inexoravelmente atestou o poder das imagens midiáticas de gerar narrativas próprias. É interessante pensar que no projeto contemporâneo de Júlio Leite, as duas leituras se tornam possíveis. Por um lado, as camisetas de futebol, mesmo sem o reconhecimento imediato dos times e pelo simples fato de conterem números, cores, marcas e emblemas organizados formalmente, tornam-se "porta sinais", à medida as remetem à condição de uniformes esportivos.

Por outro lado, repetidas exaustivamente com a ajuda da máquina fotográfica, elas se tornam superfícies cromáticas, livrando-se momentaneamente de sua carga simbólica. É nesse momento que se tornam apenas "porta cores". Essa simultaneidade parece assinalar a coexistência de aspectos formais e simbólicos, entremeados e misturados na condição da obra de arte contemporânea.

Referências bibliográficas:
AUGÉ, Marc. Os não lugares: introdução a uma antropologia da modernidade.
Campinas: Papirus, 1994.
CANTON, Katia . Espaço e Lugar. Coleção Temas da Arte Contemporânea. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

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* Kátia Canton é PhD em Artes Interdisciplinares pela Univesidade de Nova York e livre-docente em teoria e crítica de arte pela ECA USP. É professora-associada e curadora do Museu de Arte Contemporânea da USP e autora de vários livros sobre arte e histórias.

23 de fevereiro de 2010

AUSÊNCIA JUSTIFICADA: O APERTO


PARADINHA - Mesmo com uma rotina atribulada, em outubro de 2008, conseguimos parar pra uma fotografia decente no jornal Correio da Paraíba e, dias mais tarde, saiu essa crônica 'apertada'. Da esquerda para direita: eu (o sorriso largo), Marcelo Rodrigo, Chico José, Giovannia Brito, Antônio Ronaldo, Fernanda Souza (sentada, 'lendo') e Katiúscia Formiga. | imagem: Gilvan Jerônimo

VALDÍVIA COSTA*

Defitivamente estou voltando a um ritmo acelerado novamente. Não tanto quanto nesse período em que escrevi essa crônica. Mas passei alguns dias preparando alguns trabalhos, distintos, pra diversas pessoas, intituições. Por isso essa ausência looonga e amarga de cinco dias sem blogar. Delirem!
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Um dia atípico sempre causa catarse. Essa sensação de encantamento, de êxtase inesquecível, acompanhou meu dia hoje, entrou na cabeça imprensada de uma jornalista viajada. Geralmente, começo meu dia me informando. Rádio, TV, revista... De casa ao trabalho, modernamente, vou carregando minhas baterias com leituras (incluindo a dos out doors, de vez em quando). A cachola tem que estar em ponto de bala para iniciar o primeiro turno do dia.

“De ônibus é melhor porque dá pra ler”. Com este consolo por não ter comprado um carro ainda, sigo para o meu humilde cargo de assessora de imprensa de uma empresa nacional. Da porta ao computador, o processo de comunicação é dá “bom dia” e sorri gentilmente pra umas 15 pessoas antes de chegar à mesa de trabalho, que não tem esse contato físico, só virtualidade.

E-mails, sites, releases... Tudo vai sendo lido, conferido, pesquisado e escrito ao mesmo tempo. Um minuto é precioso nas cinco horas corridas de trabalho. De volta pra casa, de ônibus. Estou na segunda revista da semana, ouvindo Tommy Guerreiro (instrumental, cinematográfico) e se ligando, pra não passar da parada.

Almoço em família. Ao menos isso! Uma mulher sente falta do marido, do filho... Às vezes, nesse horário, dá pra relaxar uma hora. Outras vezes, como hoje, pintam surpresas. Logo cedo, recebi a ligação do meu irmão que mora fora e passava pela cidade. Almoçamos num restaurantezinho no centro da cidade, ganhei um suvenir e ele foi embora. Foi legal, fiquei inspirada.

Cheguei ao jornal atrasada, mesmo assim, fumei um cigarro antes de acelerar a produção de duas pautas do dia e uma matéria especial pra apurar e escrever em dois dias. Comecei a reportar. Ligo pra uma fonte, depois pra outra, saio pra entrevistar, volto pra escrever, recebo informações de esportes pelo MSN... a tarde segue e termina o segundo turno com uma entrevista num clube futebolístico.

De lá volto pra assessoria, onde estava havendo um evento e eu ia fotografar. Sentei por 20 minutos pra fazer uma foto publicitária, mais caprichada... com uma camerazinha de 4.2 megapixels (risos). Ouvi o palestrante falando das “mortes das pequenas empresas” e fiquei viajando.

Logo após fui pra o ponto de ônibus, com medo. Disseram que a área é perigosa. Sorte que passou um amigo de carro e me deu carona. No quarto, depois de chegar, tirar a roupa, me jogar na cama, tive uma viagem. “Só sendo do Seridó mesmo. Onde vou socar essa ideia no meu resto de dia?” Dentro da cabeça apertada, só mais um aperto... e tudo cabe! Até escrever essa crônica depois do "cancão piar" o dia todo...

*crônica escrita em 19.11.08

18 de fevereiro de 2010

REVISTA fmq? E O MERCADO EDITORIAL


FREE - É tudo livre e independente no mercado editorial paraibano e os novos empreendimentos da Comunicação, como a revista fmq? acima, são modernos, bem estruturados, com visual atrativo e ainda são distribuídos de graça. | imagem: capa da 2ª edição

VALDÍVIA COSTA

Desde sempre, o blog De acordo com apoia o empreendedorismo na Comunicação como forma de promover o desenvolvimento dessa área que ainda é dominada por grandes corporações da informação. Por isso, mais um empreendimento comunicativo merece destaque, a bem elaborada revista Fome de Quê? (fmq?), que já nasceu independente e com distribuição gratuita.

Num formato luxuoso, com visual bonito e moderno e um conteúdo bem cultural, a revista está dando o que falar no Estado. A primeira edição conheci em Recife-PE ano passado. A publicação é toda voltada para um público regionalizado. Do Nordeste todo tem assunto de cultura. Este é o segundo empreendimento em revista que surge em Campina Grande-PB, com o jornalismo à frente e não a informação. O primeiro foi a revista Lis, que aborda o feminino e serviços.

As duas revistas são novas, mas bem profissionais, com equipes divididas entre jornalismo, comercial (marketing e publicidade) e distribuição gratuita. Isso mesmo. Temos profissionais modelos nesse mercado, que começa a despontar, mas que já consegue ter qualidade no material sem cobrar nada. Como isso é possível? É o que o Franz Lima contou, como representante do Maquinarama Coletivo Criativo, que apoia a revista.

De acordo com " - A ideia de fazer a revista Fome de quê? derivou de um projeto dos alunos do curso de Arte e Mídia (UFCG), de fazer um programa televisivo. Ela surge com algum ranço por não ter conseguido ser da TV ou está de boa, somente mostrando que o conceito de cultura prevalece em qualquer formato midiático?

Franz Lima - A fmq? é uma revista muito bem resolvida. Então, estamos de boa [risos]. No editorial da segunda edição a gente meio que fala disso, sobre a revista ser um espaço para a cultura. Na TV ou no meio impresso o "conceito fome de quê?" é o que queríamos que ele fosse: um espaço para a cultura do Nordeste.

" - Com um grupo seleto de profissionais de diversas áreas, vocês montaram um empreendimento de comunicação cultural. Como pioneiros nesse contexto, talvez até no âmbito do NE, quais os projetos pra revista fmq? Como funciona a editoria pela Maquinarama Coletivo Criativo? Conte um pouco a história do grupo.

FL - Descobrimos a pouco a revista Continente Multicultural, de Recife-PE. Quando fizemos a fmq?, a galera chegava pra gente e dizia: "cara, projeto igual a esse só vi a Continente". Mas talvez a fmq? seja a primeira que se propõe a distribuição gratuita. Espero muito que ela continue assim. Temos uma série de portas a abrir para que ela se torne, de fato, um empreendimento, já que a gente não ganha nada, monetariamente falando, pelo que faz. O fmq? coletivo criativo são todas as pessoas que colaboram com a revista, desde a pessoa que dá o bom e velho pitaco, até nós, que nos dedicamos três meses seguidos para que ela se materialize. A Maquinarama é uma tentativa de, aos poucos, profissionalizar as ações. O futuro é bem promissor. A primeira edição teve um investimento alto do nosso bolso. Um terço da revista foi paga com grana da gente, enquanto que, para a número 2, esse déficit foi de apenas 10%. Não dá para esperar que de uma hora para outra tudo dê certo. O processo é lento, mas sólido.

" - Mesmo impressa, a revista também conta com um local na internet e possui as ferramentas de redes sociais. Há algum projeto, comercial mesmo, que deixe todo o conteúdo na Web? Vocês trabalham com outras iniciativas culturais, como apoio aos coletivos e eventos culturais e artísticos?

FL - Acho muito difícil uma revista 100% digital, porque temos uma afeição enorme ao cheiro e textura do papel. Além do que, se pensarmos direitinho, o conteúdo disponibilizado on line é menos perene que o papel, o que faz da revista um documento histórico. A questão do perene é que o conteúdo on line está armazenado em uma máquina, que na maioria das vezes não sabemos onde está e que está sujeita a danos como qualquer outro computador. É difícil, mas é possível. Acho que muita gente já teve uma conta em um blog, ou conta de e-mail, que foram desativadas e o conteúdo simplesmente desapareceu. Quanto às outras iniciativas, elas estão sim nos nossos planos. Mas uma coisa que aprendemos é que não adianta querer carregar um peso maior do que o corpo aguenta. Vamos esperar a fmq? crescer um pouco mais e ter condições de apoiar efetivamente outras inciativas culturais, enquanto isso, toda iniciativa cultural pode contar com nossas páginas, tintas e bytes para se expressar.

" - É possível ser empreendedor da comunicação com uma nova ideologia de mercado, competindo sem seguir a praxe de 'matar pra sobreviver', sem explorar estagiários, sem contratar subservientes incompetentes pra não investir no profissionalismo qualificado? Qual é a forma de trabalho da revista?

FL - Claro que é. Existem milhões de empreendimentos e outros tantos milhões de práticas/ideologias de mercado. Mas antes de sermos colegas de trabalho, somos amigos que gostamos um bocado do que fazemos. Nos juntamos para fazer o que gostamos. A revista é um coletivo de pessoas que executam bem, e com autonomia, os seus ofícios. A gente discute bastante, troca ideias, mas cabe a cada diretor decidir o que é melhor para o seu setor. E é simples assim: cada um recebe o mérito pelo seu trabalho. Não há patrão.

" - Quais são os próximos passos do projeto? Há pretensão de vocês trabalharem com incentivos governamentais, visto que esses apoios têm aumentado muito no campo das publicações, impressas e virtuais?

FL - Como dito anteriormente, apoios governamentais são bem-vindos, mas não são nossa prioridade. Quanto ao futuro, a fmq? tem uma estratégia de ação definida para os próximos dois anos. Mas as novidades serão apresentadas no seu tempo senão estragaríamos as surpresas.


INOVAÇÃO - Além de cult, a revista deu destaque para muitos profissionais das artes e comunicação; bem como ressaltou uma cena comercial interessada em apoiar essas iniciativas, como o Bronx Bar. | imagem: matéria da 1ª edição.

16 de fevereiro de 2010

O LIVRO NA EDITORA POR DEMANDA


PIONEIRO - Depois de anos de silêncio na literatura, Campina Grande-PB teve o primeiro bate-papo, já com público ávido, num Encontro da área, com escritores distintos de métodos artísticos e de públicação no mercado editorial. | fotos: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Das coisas mais interessantes que ouvi durante o 19º Encontro da Nova Consciência este ano foi saber que posso publicar um livro por demanda. Assim como as gravadoras, as grandes editoras, majors do ramo, também estão diminuindo seus impérios. Antes, um escritor tinha que ter verba o suficiente para uma tiragem de, no mínimo, mil exemplares. Hoje, o negócio pode ser feito como experimento, por editoras que trabalham por demanda.

O escritor Ricardo Kelmer foi quem deu a deixa, durante duas mesas-redondas da Nova Consciência. No 1º Encontro de Literatura da cidade, ontem, dia 15, ele aprofundou mais o que seria esse tipo de publicação, indicada para o primeiro livro sem grande estardalhaço de tiragem.

O assunto rendeu uma longa conversa entre os participantes do Encontro, que também contou com a presença do escritor, dramaturgo e jornalista, Astier Basílio. Mais acadêmico e cauteloso, Astier prefere entender a literatura pelo conceito de arte. Sem discriminar as novas tecnologias nem esse tipo de publicação, ele falou do mar de livros que se tem hoje em dia e que não se aproveitam, devido a falta de conteúdo.

De uma certa forma, os participantes concordaram com ele. Mas a maioria entende que uma nova ferramenta de escrita, como o blog, que pode virar livro um dia, não deve é ser mal administrada, mas sim bem aproveitada. Astier tem razão. Quando vemos os processos de produção, tanto de livro quanto de CDs, atualmente se desmancharem numa difusão rápida, via internet, é sinal de um acelero que interfere na qualidade artística.

Afinal quantas bandas sem preparo vemos nos palcos se auto-intitulando artísticas? Quantos livros não conseguimos ler, frutos dos improvissos virtuais que as editoras lançam sem critério?

Ainda assim, acredito que nada é tão ruim ou tão bom o quanto parece. Se usamos o blog como um campo de pesquisa, de aferimento, de teste, ótimo, temos mais um aliado na literatura. Outro assunto é os seus 300 comentários diários lhe motivarem ao ponto de você pensar que já pode competir nesse universo virtual e sair com um livro sem a imprimível arte.

A editora por demanda é um recurso, não deixa de auxiliar. Mas nós aspirantes a escritores temos que ter um preparo pra encarar qualquer mercado com uma publicação. O Encontro foi produtivo nesse sentido, de trazer visões distintas sobre um tema que é bastante recorrente atualmente, a identidade literária e seus desdobramentos em mídias no mundo globalizado.

Bem fizeram Bruno Galdêncio, Janaílson Macêdo, João Matias de Oliveira e todos da Blecaute em promover a literatura paraibana num momento de discussões universais sobre a paz. As artes são sempre bem-vindas, mas nesse contexto, a parceria foi certeira.

14 de fevereiro de 2010

ATO DA PAZ, DO AMOR E DA LUZ



PAZ - Essa é a meta do Encontro da Nova Consciência, que ensina as pessoas a refletirem em pleno carnaval sobre o entendimento entre os povos. | fotos: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

O diálogo entre as culturas se faz necessário e com urgência. Não temos mais tempo para as pessoas, para os sentimentos, para a calma. Atualmente, a premissa pricipal para ser humano é ser desumano. Não temos mais nada de bom a dar, nem às plantas nem aos animais, pois somos autômatos dos mercados financeiros. Só buscamos acumular bens e solidão. Por tudo isso precisamos da paz, do amor e da luz (ou consciência) que nos tire da ratoeira dessa vil rotina. E foi isso que muita gente, hoje, domingo de carnaval, entendeu em Campina Grande-PB.

A paz não é só o resultado de um fim de uma guerra. Mas sim o acordo silencioso entre duas pessoas de culturas distintas. Você aceita o outro do jeito que ele é. O outro também entende o que você é e respeita, sem precisar emitir nenhum juízo de valor sobre o que um ou o outro faz ou deixa de fazer. Nós podemos praticar isso ao parar de falar, desmedidamente, sobre as coisas que não conseguimos modificar, por algum motivo.

A gente vive a paz quando deixa de olhar o amigo defeituoso e passa ver o ser humano necessitado de compreensão e de dignidade que esse amigo é, e que a arrogância impediu de entender. A paz se instala de vez quando aprendemos a máxima "ouvir mais do que falar", que tanto nos é passado pelos mais experientes.

Não que precisamos viver num mundo sem crítica, sem observações provocativas. Mas sim porque somos igualmente defeituosos e as nossas imperfeições podem ser corrigidas com um simples olhar para nós mesmos, não para o outro. Precisamos de boas ações para reverter o mal que causamos ao planeta e não de pessoas que se passam por analisadores frustrados do cotidiano, das pessoas, da sociedade, e que não apresentam nada de novo para a mudança efetiva da humanidade.

Tudo isso é possível somente com uma concentração no silêncio e na auto-avaliação dos próprios atos. Evitemos a discriminação e a falácia públicos. A união dos povos só acontecerá quando o ser humano aprender a refrear os pensamentos que disparam palavras inúteis.

O ato macroecumênico começa com uma caminhada pelas ruas principais da cidade...





... e encerra com uma imensa corrente entre as religiões que não querem saber só de um deus, mas sim de unirem-se em busca da paz.





Muita coisa sobre ecologia já foi vista no 19º Encontro, já que o tema do evento este ano é Sustentabilidade e Responsabilidade Sócio-ambiental.

12 de fevereiro de 2010

MUITO SOM E CONSCIÊNCIA


ÁGIL - Nas correrias da vida de artista e produtor cultural, o curador da mostra de música do Encontro da Nova Consciência, Arthur Pessoa, fechou parceria com uma associação que tem mais de 40 festivais sendo realizados anualmente no Brasil. | imagem: Augusto Pessoa

VALDÍVIA COSTA

Durante um carnaval diferente, sem a obrigação do frevo ou do axé, uma mostra de música ganha corpo dentro do maior evento macroecumênico, filosófico, ecológico e artístico do Brasil, o 19º Encontro da Nova Consciência. Uma parceria com a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) e a prospecção pra um Festival Nova Consciência são as novas desse ano. Articuladas pelo curador da mostra, Arthur Pessoa, as novidades vão abrir caminhos.

Depois de passar por um formato bem enxuto, a mostra musical da Consciência começa a dar visibilidade ao som paraibano. Das 10 bandas apresentadas este ano, metade é do Estado. Mostra que temos na Paraíba um cenário com bastante oferta. É tanto que Arthur produziu recentemente para o Exterior um CD com 20 trabalhos do Estado, consolidados no cenário nacional, e já pensa em fazer outras coletâneas com mais artistas.

E o mercado da música, como tem visto a Paraíba? Será que temos figurinhas pra barganhar a permanência na música independente? Essas e outras questões foram respondidas por Arthur, que tem experiência de produção, como músico também, da Cabruêra. Ele é a Paraíba no Exterior e num circuito com mais de 40 festivais no Brasil.

De acordo com " - Há quanto tempo você faz a curadoria de música do evento? Como você realiza esse trabalho, que critérios de seleção de bandas foi criado e quantos trampos do cenário nacional e internacional você já conseguiu trazer para Campina Grande-PB, incluindo as desse ano?

Arthur Pessoa - A mostra de música do Encontro existe a cerca de 10 anos e eu faço a coordenação musical nos últimos seis anos. A ideia é sempre trazer grupos que já têm uma história e discografia construida e que foram reveladas dentro do cenário musical nacional. São grupos que já estão na estrada há um bom tempo, mas muitos nunca tocaram no Nordeste. Da mesma forma que o público campinense nunca teve oportunidade de assitir a um show de muitos desses artistas. Junto às novas atrações temos sempre shows de artistas locais, que já possuem um público cativo não só na Paraíba, mas também fora dela. Então, o Encontro funciona, ao mesmo tempo, como uma vitrine para artistas pouco conhecidos e espaço reservado a quem vem se destacando no cenário nacional. Acredito que mais de 100 artistas já passaram pelo palco do Encontro nesses 10 anos. Destaco o Think Of One (Bélgica) e o Nation Beat (EUA), além do Móveis Coloniais de Acajú (Brasília) e o Cabezas de Cera do México, que tocará esse ano.

" - Depois de uma história de quase 20 anos na cidade, o Encontro da Nova Consciência vai ter um festival de música filiado à Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin). O que isso significa em termos econômicos e culturais? Como era a mostra antes dessa parceria e no que ela se transformará?

AP - Acho que a filiação do Encontro na Abrafin é um passo muito importante. Primeiro porque o festival vai passar a ser muito mais conhecido dentro de uma rede que já integra os principais festivais do Brasil. E segundo porque isso trará uma maior profissionalização para o festival, dando um suporte maior na produção em vários sentidos. Desde a possibilidade de trazer mais e novos artistas do cenário musical independente até as novas parcerias que poderão se realizar, tanto com a iniciativa pública como a privada, e que serão de extrema importância para o fortalecimento do Encontro.

" - Você comentou que, através dessa parceria, surgirá um novo festival da Abrafin em Campina Grande-PB, o Festival Nova Consciência, que somará os 45 da Associação espalhados pelo Brasil. Como ele será realizado, com que recursos e pra quantas bandas? Além dessa boa nova, mais alguma alegria será proporcionada à população campinense através dessa parceria?

AP - Isso ainda é uma ideia em estado embrionário, mas que pensamos muito em concretizar. Ainda não temos um número preciso de bandas nem orçamento previsto pra isso, porque ainda é muito cedo. Mas a intenção é fazer um festival de música maior, com mais artistas, porém mantendo essa filosofia de mesclar artistas novos com outros consagrados do cenário musical nacional. Nesse sentido, o suporte da Abrafin será fundamental para a visibilidade do festival num âmbito nacional e internacional.

" - Com essa iniciativa de ingressar no associativismo, a mostra de música da Nova Consciência e o novo festival da cidade ficarão mais robustos, com mais trabalhos sendo vistos? Mais iniciativas públicas, associativistas ou independetes poderão surgir na música a partir dessa parceria?

AP - Com certeza. Estamos trabalhando pra isso, no sentido de buscar novas parcerias e poder realizar um festival forte, consistente e artísticamente rico e diverso, onde todos sairão ganhando. Os artistas, que poderão ter mais uma grande vitrine pra mostrar o seu trabalho, e o público, que terá oportunidade de conferir ótimos shows. Além das empresas e iniciativas públicas, que terão suas marcas associadas a um festival que preza pela diversidade musical e artística, procurando sempre contribuir para o desenvolvimento cultural da nossa região. Hoje temos coletivos como o Na Tora em Campina Grande e o Coletivo Mundo em João Pessoa (que inclusive faz parte também da Abrafin com o Festival Mundo), que são frentes fundamentais para o fortalecimento da cena independente no Estado. E que estarão somando junto aos artistas e produtores no sentido de fortalecer a relação entre todos os envolvidos na cadeia produtiva da música paraibana.

" - Como artista e produtor cultural que tem conhecimento do mercado mundial e noção da responsabilidade que é ser músico universal hoje em dia, fale um pouco sobre a cena musical paraibana e o que poderá acontecer nela nos próximos anos. O mercado independente crescerá? Quantas bandas existem aproximadamente na Paraíba?

AP - Não sei precisar o número de bandas na Paraíba, mas posso garantir que são muitas, dos mais diferentes estilos, e de alto nível musical. Os artistas estão procurando se profissionalizar cada vez mais, tomando conhecimento de frentes fundamentais como os coletivos e associações. Acho que vivemos um momento importante, onde a internet surge como uma ferramente fundamental para os artistas, criando possibilidades de difusão cada vez mais abrangentes e acessíveis. Vejo com bastante otimismo os próximos anos, com muitas bandas se destacando no cenário nacional e interncional. E com um interesse do mercado cada vez maior nos nossos artistas. Realizamos o projeto Brazil More Than Samba: Sounds from Paraíba, levando a música de 20 artistas da Paraíba para as principais feiras de música do mundo, como a Midem na França e da Womex na Dinamarca, e fomos muito bem recebidos. Nos próximos meses daremos início a continuidade desse projeto com o Brazil More Than Samba 2. Agora com a intenção de fazer um box com 5 discos, com a participação de 50 artistas dos mais diferentes estilos, com a mesma intenção de difusão no Exterior, procurando criar essa plataforma de exportação para os artistas da Paraíba.

SHOWS NOVA CONSCIÊNCIA 2010 - a partir das 22h00

Dia 12 (SEXTA)
BNEGÃO SOUND SYSTEM (RJ) | BURRO MORTO (PB)

Dia 13 (SÁBADO)
TOTONHO E OS CABRAS (RJ) | TONINHO BORBO (PB)

Dia 14 (DOMINGO)
PATA DE ELEFANTE (RS) | SEX ON THE BEACH (PB)

Dia 15 (SEGUNDA)
CABEZAS DE CERA (MÉXICO) | PROJETO BINÁRIO (PB)

Dia 16 (TERÇA)
OS THE DARMA LOVERS (RS) | CABRUÊRA (PB)

11 de fevereiro de 2010

THE MENAHAN STREET BAND É NEGRO


BLACK - As sonoridades modernas sempre mesclam seus hits com a música black, formando consumidores de bom gosto, que apreciam composições de improvisados arranjos e grooves pra delirar na night. imagem: Alexdantas no Miink


VALDÍVIA COSTA

Achei o vídeo negro através do Facebook. Nele, tudo o que eu gosto se resume. O groove do baixo, a interpretação manhosa do Charles Bradley e o canto especial dos metais do The Menahan Street Band. Conheci essa maravilha sonora pelo perfil do Conteúdo Musical. Tem música boa sendo oferecida direto. Só o peso.


São dois negros que ninguém fala ainda, pelo menos foi o que pude perceber hoje na pesquisa virtual pelos buscadores. A outra fera é Sharon Jones, uma ex-carceireira que, segundo a Folha Online, surgiu na cena musical internacional graças a Amy Winehouse. Pelo vídeo do The Menahan, como resposta a ele, achei o link dela. Mas acredito que agora, através do trabalho dos jovens músicos do The Menahan e da Amy, eles podem aparecer um pouco mais.

Já o trampo do The Menahan Street Band é muito doido. De acordo com o Conteúdo Musical, simplesmente a banda surgiu meio que numa jam session de Nova York e até hoje está rolando. Copiei algo sobre esse trampo de NY City. É do blog de Portugal, o Magia Negra, que tem ótimas sugestões sobre esse tipo de som também. O post é até antigo de 2008, mas o que vale é que eu achei.

Há duas semanas que me sinto no dever de partilhar convosco este disco - Make the Road By Walking, pelos Menahan Street Band. Acabou de ser lançado pela Dunham Records, uma subsidiária da Daptone. Já há largos meses que o single - um apetitoso 7" - roda na Magia Negra, mas agora chegou o álbum. Só lamento o facto de não terem incluído os temas com Charles Bradley na voz.

Os Menahan Street Band são mais um projecto com raízes na Daptone. Trata-se de um colectivo de músicos que pertencem aos Dap-kings (Dave Guy, Homer Steinweiss, Fernando Velez, Bosco Mann), El Michels Affair (Leon Michels, Toby Pazner), Antibalas (Nick Movshon, Aaron Johnson) and Budos Band (Mike Deller, Daniel Fodder), convidados pelo produtor e músico Thomas Brenneck, (também dos Dap-Kings, Budos Band, Amy Winehouse). Juntos prosseguiram as gravações no apartamento de Thomas "TNT" Brenneck, em plena Menahan St. em Bushwick, Brooklyn.

Com influências que vão desde o funk, soul, afrobeat até realidades mais etéras tais como Curtis Mayfield ou Mulatu Astatke, os Menahan Street Band criam um universo instrumental único que consegue aliar o rústico ao luxuoso.



SEM-SITE - Charles é desconhecido na internet. Não tem nada sobre ele. Catei pelos buscadores e nada. Se alguém que lê isso aqui souber quem é esta figura, por favor, complete esse post com um belo de um comentário. | imagem: divulgação


POTENTE - Sharon Jones possui uma voz potente, de alcance profundo, que utiliza para buscar uma certa pureza perdida da soul music. Hoje, aos 52 anos, finalmente ela se tornou um nome conhecido, e para isso contou com um empurrãozinho involuntário de Amy Winehouse, (...) que foi atrás de Jones para confeccionar seu pop com forte sotaque da soul music dos anos 1960. Após ouvir discos de Jones, Winehouse e o produtor Mark Ronson foram até Nova York e contrataram os Dap-Kings, a banda de Jones, para tocar no disco "Back to Black", lançado em 2006 por Winehouse e que já vendeu mais de 6 milhões de cópias no mundo todo. Depois do estouro do CD muita gente foi atrás da banda responsável por aqueles timbres que remetiam aos clássicos dos selos Motown e Stax e chegaram aos Dap-Kings e, por tabela, a Jones, que desde então teve em sua agenda uma multiplicação de shows. (...) | legenda: Thiago Ney e imagem: da Folha de S.Paulo

E ainda tem o The Budos Band... Mas isso dá outro post.

10 de fevereiro de 2010

A FALA É COMO UM CAMALEÃO


SACADA - A gíria é uma expressão linguística não-padrão. É um tipo de linguagem utilizada por um determinado grupo como uma espécie de código facilmente compreensível para as pessoas que comumente o utiliza. Como variação linguística não-formal, a gíria tem rompido com conceitos que a discrimina como uma linguagem vulgar e incorreta pra assumir - e por quê não?- um importante papel na comunicação. (...) Não quero, com isso, atribuir a essa variação o status de padrão linguístico, mas não devemos deixar de pensar neste recurso como um elemento útil, em determinadas situações, à comunicação. (...) | legenda e imagem: Jaque Miranda

VALDÍVIA COSTA

É pelo sotaque que nos identificamos enquanto morador de uma localidade. Macaxeira é aipim também nesse contexto. Como muda-se a forma de falar as palavras, acrescentando ou retirando sonoridades, é possível variações linguísticas que denominam diversas vezes a mesma coisa.

Eu, por mais que fale como os habitantes de onde moro, não deixo de reconhecer um conterrâneo pelo sotaque. Comecei a notar essas diferenças ainda pequena. Quando adolescente fui morar com meu irmão em outro Estado e pude sentir na pele a diferença entre uma palavra cantada e outra chiada.

A primeira coisa que notei foi a fala diferenciada. Uma vez até fui alvo de estudos comparativos entre os jeitos de se pronunciar as frases. Como costumo comer alguma síliaba por falar rápido, como todo sertanejo, ao invés de dizer DESSE JEITO, pronunciei DE'JEITO. Isso foi motivo de chacota, mas pude notar as formas de se pronunciar as palavras sem causar ruído na comunicação.

As gírias. Como elas são gostosas e engraçadas. Da minha terra falava muito "criatura". Mas misturava, muitas vezes, isso com um "cabrunco" do lugar onde fui morar. E misturei ainda meu sotaque com o deles. De pouco em pouco enchi meu bornal de falas distintas e cheguei aqui onde estou, no meu silêncio absoluto.

FALAS PELO ORKUT - COMUNA DE JARDIM DO SERIDÓ-RN
04/02/09 | Ivana | Saudade dos meados dos anos 70 - 80
Quando chamávamos mercearia de "budega" (tinha a de Venancio, de Murilo, de Odival, Zé Silva, Nelson Estevão...), onde compravamos pão enrolado em papel de embrulho; de comprar POLI DE COCO QUEIMADO a Baú, que saia nas ruas com um isopor pendurado no ombro; de chupar umbu roubado lá em RUBERTO encostado ao cemiterio; de comprar enfeites de cabelo na BANCA DE CHICO ZEBRA; de comprar o material escolar lá em Biô e ganhar uma caixa de linha vazia para colocar os lápis; de tirar RETRATO no dia do aniversário lá em ZÉ BOIM segurando uma flor "enfincada" em um jarro de gesso; de comer castanhola quente no canteiro onde hoje é o açougue; de comprar groselha cristalizada e casquinha na casa de Luzia; de ler gibis do recruta Zero sentada no patamar da Igreja Matriz; de olhar o rio Seridó de "barreira a barreira" depois de uma chuva; de tomar banho no açude Zangarelhas em uma câmara de ar de pneu de caminhão; até de perguntar "quem morreu?" quando víamos um bocado de pessoas com bacias na rua juntando flores para enfeitar o defunto... tudo dá uma imensa saudade...

UM POUCO DE CONCEITO
As variantes linguísticas são as duas ou mais formas que veiculam um mesmo sentido e compõem o conjunto de uma mesma variável linguística. A variação pode ocorrer no léxico, na fonética (as pronúncias), na morfologia (como o apagamento ou não do morfema indicando infinitivo) e na sintaxe (estrutura das frases).

A Sociolinguística é a área da linguística que investiga como fatores de natureza linguística e extralinguística estão correlacionados ao uso de variantes nos diferentes níveis da gramática de uma língua e também no seu léxico. A Sociolinguística variacionista quantitativa ocupa-se em desvendar como a heterogeneidade da língua se organiza e compreende de que modo a variação é regulada. Um exemplo de ramo de estudo é tentar estabelecer as fornteiras dialetológicas de uma língua.


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colaboração: revista Língua Portuguesa - nº 20 - 2009

9 de fevereiro de 2010

ELES TAMBÉM SENTEM DOR!


TERRORISMO - Fazendo uma leitura (quase) semiótica da foto, o boi não está gostando nada desse negócio de puxarem o rabo dele nas vaquejadas e ser derrubado nos rodeios. Se a imagem tivesse boa daria pra perceber o terror do animal nos seus olhos, ao sentir que foi laçado e que vai cair no chão pedregoso e quente do rodeio. | imagem: divulgação

VALDÍVIA COSTA

Eu também já pensei que vaquejada era diversão ou esporte. Natural, pois sou do Sertão e nesses lugares a truculência por si só já é uma cultura. Mas, na civilidade, nos grandes centros urbanos, essa prática continua sendo taxada de esporte sem ter nada a ver com modalidade esportiva nenhuma. Cadê a Copa dos Rodeios? Onde é que tem uma Olimpíada de Vaqueiros? O que se prolonga com essa prática medieval é somente o sofrimento do boi. Nem de vaqueiro um terrorista que derruba o boi deveria ser chamado.

Para amolecer alguns corações machões, que "pensam" em colecionar derrubadas de bois se orgulhando imensamente, o boi é um animal tranquilão, que vive pouco tempo pra ser morto e nos alimentar. Não bastasse essa dura certeza, de que ele não viveria entre nós sem ter essa função macabra de ser alimento humano, ainda temos que conviver com os maus tratos que esse animal sofre nesses "esportes" que não promovem competição e sim tortura.

Me lembro muito bem que ia a uma vaquejada não pra olhar os bois gigantes caindo, pois já sentia muita dó dos animais, mas sim pra curtir um show de forró (antes, pé-de-serra) e paquerar. Depois não vi mais nada pra fazer nesse tipo de evento, nem fui ao terceiro ou quarto e já me liguei noutra história. Naquele tempo (1990), os "vaqueiros" eram menos exibicionistas, mas nem um pouco menos cruéis.

Atualmente, esses homens que derrubam bois mostram um visual meio estranho (parecendo duplas sertanejas modernas, que não têm nada de sertenajas) e o sentido pra o "esporte" ficou mais vago ainda. Quando trabalhava como repórter de jornal diário entendi porque os jovens, cada vez mais jovens, queriam ser "vaqueiros": pela grana. Eles oferecem milhões em prêmios, caminhonetes etc. pra quem fizer a queda do boi mais bonita.


CAMPANHA - Panfletos rolam por toda Campina Grande com campanha sobre os maus tratos sofridos pelos bovinos nas vaquejadas e rodeios. | imagem: divulgação

Os jurados que avaliam a queda mais perfeita de um boi devem ser uns retardados. O que tem pra avaliar numa queda de boi? Se o animal cair fora das linhas marcadas, a nota é mínima. Mas alguns jurados, se achando o máximo em julgar uma prática violenta e sem noção, dão 10 quando o boi praticamente dá um pulo ninja, revira no ar e cai no chão com as quatro patas pra cima. A macharada da platéia levanta e grita, arrebatados pelo dantesco, a única coisa que os une.

Até as Pegas de Bois, tradicionais corridas pelas matas cinzas e secas do Cariri, nas quais o boi ainda pode se defender e atacar o vaqueiro, eu não desconto o mau trato animal. Se não ficarmos rígidos nessas posturas teremos um "esporte" sanguinário nos seguindo pós-modernidade adentro. Que os "vaqueiros" atuais encontrem numa mulher (ou num homem) o suor necessário pra esgotar essa vontade ridícula de derrubar um boi.

O engraçado é que, sabendo que estamos maltratando e não nos divertindo, podemos brincar com um trocadilho infame nessa história toda: quem é mais gado num rodeio ou numa vaquejada, o "vaqueiro" ou o boi? Só Zé Ramalho pra decifrar esse povim, my God!

...E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz...

8 de fevereiro de 2010

A TERCEIRA IDADE E A INTERNET


WORLD - Com o computador lá em Jardim do Seridó-RN, D. Buíta fala com gente do estado onde mora, mas dá um alô, de vez em quando, pra os parentes nos estados vizinhos, pra o pessoal do Sudeste, e também fala com alguns conhecidos que estão na Europa. | imagem: Robson Yam

VALDÍVIA COSTA

Para muitos, um mouse é um bicho mesmo, só que de outro mundo. Monitor, teclado, hardwere, softwere... nada disso remete a algo conhecido para milhares de brasileiros. Ainda bem que quem ganha um salário mínimo no Brasil já pode comprar um computador. Por isso milhares de aposentados estão se incluindo mais nas tecnologias da informação. Na primeira promoção que D. Buíta viu, adquiriu o dela. E desde então sua vida tem sido uma eterna e boa pescaria.

Se falar pra essa aposentada que ela foi uma das mais recentes incluídas digitalmente no Brasil, ela nem vai saber do que se trata. Mas adicionar amigos, colocar smiles, enviar um scrap e sair se oferecendo como amiga pra os amigos dos amigos, isso ela já sabe. O computador e a internet não podem mais deixar de existir na vida dela. Quando dá uma quedinha na net, é motivo pra ela ficar nervosa, querendo saber o que responderam pra ela nas redes de relacionamentos.

Isso é um processo natural, que qualquer cidadão enfrenta ao ser um incluido digital. Você passa a ter acesso a um mundo de novas tarefas, passa a escolher caminhos numa esfera informativa virtual, ganhando liberdade e estendendo as redes de contato. Lógico que isso empolga. Isso foi o que faltava na vida de D. Buíta. Dela e da maioria dos idosos brasileiros que também estão na virtualidade, procurando, fazendo e se ocupando em alguma atividade.

Janduí, o marido da minha tia, se aposentou recentemente e vive baixando música pela internet. Já tem mais de 25 mil títulos na sua discoteca (dados de de 2008). E haja memória exterior pra comportar os arquivos de um obstinado colecionador de fonogramas! Não o classifico como passatempista. Além de ser um prazer ouvir novos sons todos os dias, é de grande utilidade pra qualquer comunidade ter um acervo desses tocando em alguma rádio comunitária.

O que muitos idosos vêem na internet? Talvez a graça que anda faltando ultimamente nas relações físicas, muito complexas com suas várias gerações. Muitas são as diferenças e é difícil aceitá-las. Ao menos na virtualidade dá pra usar um fake quando não se está a fim de se expor. Só não vale usar determinados conhecimentos pra invadir privacidade, mas pra fazer amigos nunca vai deixar de existir tecnologias cada vez mais atrativas e inclusivas.

5 de fevereiro de 2010

400 POSTS E MUITA PACIÊNCIA


RESISTENTE - Como esta índia participante do Encontro da Nova Cosciência 2009, resistimos porque tem muita história boa pra contar. | imagens: Val da Costa

Com a primeira entrevista do blog, postada ontem, dia 4, completamos 400 postagens. Parece pouco (e é!), já que começamos com o primeiro blog em 2005. Mas faz apenas dois anos que nos dedicamos exclusivamente ao conteúdo do De acordo com. Com muita paciência, auto-direcionamento e auto-disciplina, conseguimos mais de 50 seguidores e quase o mesmo de visitas diárias, inclusive de outros países. E continuamos com essa ideologia. Estudo e quietude na alma. Esse é o lema.

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A PACIÊNCIA E O TEMPO

NAGIB ANDERÁOS NETO

Não importa se vamos devagar, o importante é não parar, teria dito o pensador chinês Confúcio (551ac – 479ac), para quem transportar um punhado de terra todos os dias permitiria fazer uma grande montanha. Para ele, não corrigir as nossas falhas seria o mesmo que cometer novos erros. Seus ensinamentos não conformavam uma religião, senão um guia comportamental para ser posto em prática. Consta que ensinara que cada um deveria corrigir a própria conduta antes de tentar corrigir a alheia.

A síndrome da urgência é uma doença da modernidade, apesar da sabedoria popular já nos ter prevenido sobre os seus prejuízos e os da impaciência. A pressa é inimiga da perfeição, costumávamos ouvir dos mais velhos. E para com quem tem urgência, devemos ter paciência. O bem mais precioso da vida é o tempo que em essência é a própria vida. Para ganhá-lo seria necessário aprender a pensar, criar soluções para os problemas do dia a dia; ideias e pensamentos que fossem úteis a todos.

As pessoas apressadas, as que estão sempre a cobrar urgência de si e dos outros, são as que mais violentam o tempo e a vida, as que mais erram, pois fazem tudo superficialmente, apressadamente. A natureza segue seus processos e ciclos, não tem pressa, é uma mestra exemplar. As invenções humanas são formas de conquistar tempo livre, que depois é desperdiçado por não se saber o que fazer com ele.

São os paradoxos da inteligência, capaz de imitar a natureza para inventar coisas maravilhosas e depois deixar que aquelas modernidades venham destruir o próprio homem, pelo excesso de comodidade e falta do que fazer, do que pensar, no imenso tempo que sobra. O que fazer? Como liberar-se da escravidão imposta pelos ponteiros do relógio e pela urgência? Como adiantar-se ao tempo?

A pressa é uma doença causadora de muitos erros, acidentes e desentendimentos; uma espécie de urticária psicológica que atormenta a todos, tornando as pessoas desatentas, esquecidas, ineficazes. Levam-nas a falar demais, correr demais e ser superficial.


Todos vivem muito apressados, pressionados por compromissos e horários, numa louca e absurda carreira que chega a comprometer a saúde física e psicológica. Ao fazer tudo apressadamente, desesperadamente, a qualidade do que se realiza fica comprometida; a correria leva ao automatismo, à rotina, à desatenção, ao desprezo pelos detalhes que mereceriam um olhar mais detido, cuidadoso. É como se as pessoas corressem atrás de um futuro que não chega nunca; como se almejassem um final sobre o qual elas se precipitassem sem saber qual seria este desfecho.

A rotina e a pressa são causadoras da depressão, do vazio e da tristeza. Fazer tudo sempre da mesma maneira, sem nenhuma variação ou renovação, faz fracassar a capacidade de iniciativa da inteligência submergindo o indivíduo no marasmo do tédio e na desconfortável sensação de inutilidade. Aproveita-se o tempo fugindo da rotina, rompendo com os hábitos, as mesmices, os preconceitos. "Sejamos como os rios que renovam constantemente suas águas", escreveu González Pecotche, o criador da Logosofia.

Ao agir mecanicamente, rotineiramente, não se pensa no que se faz; vive-se distraída e esquecidamente. É necessário criar o hábito de pensar, aperfeiçoar tudo o que se faz e colocar novas atividades e novos estímulos na vida individual. Não sejamos como Sísifo, o trágico herói mitológico condenado a realizar por toda a eternidade um trabalho inútil e sem esperança. Transformemos a vida renovando e aperfeiçoando nossos pensamentos, criando novas atividades e superando as próprias condições pessoais.

(...) A pressa é uma fuga, incomoda, hóspede psicológica, uma incompreensão, falta de conhecimento. Por detrás dela há um defeito que se chama impaciência, doença que danifica o sistema nervoso. No livro Deficiências e Propensões do Ser Humano, González Pecotche diz que "o impaciente é um escravo do tempo; deste tempo fantasmagórico que nada tem a ver com o autêntico, que tão frequentemente o homem dissipa em banalidades, justamente por desconhecer o seu real valor".

E o autor sugere que quem padeça dessa doença se exercite no cultivo da paciência inteligente e ativa, a que "além de infundir serenidade torna o homem compreensivo, permitindo-lhe pensar com utilidade e proveito, e estar atento às suas necessidades e deveres durante todo o tempo, curto ou largo, que abarque a espera". Em síntese, saber esperar é o mesmo que saber viver, desde que a espera não seja a passiva, a que sempre nos faz sofrer.

Nagib Anderáos é engenheiro Civil e escritor com um livro publicado e centenas de artigos sobre literatura, logosofia, filosofia e desenvolvimento sustentável.
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colaboração: Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Culturais

4 de fevereiro de 2010

QUER ENTRAR NUMA PINTURA DIGITAL?


VIBRAÇÃO - As cores, as formas e agora o movimento compõem as pinturas digitais que fazem os apreciadores imergirem na obra de arte. | imagem: divulgação

VALDÍVIA COSTA

Há tempos que queria iniciar um quadro de entrevistas, mas ninguém respondia às pautas. Eis que um artista sensível e com boa vontade chegou junto. Vamos explorar o universo das pinturas digitais do recifense Eduardo Lima. Ele está mostrando que pra ser artista multimídia tem sim que acompanhar as novidades e mais: inovar. Com a ideia de transportar as pessoas pra dentro das suas telas digitais, Eduardo está com uma nova série de pinturas que começa a aparecer pelo Sesc Pernambuco, o Imersões.

O artista tem 30 anos e aprofundou sua pesquisa e experiências estéticas digitais a partir do curso de Arte e Mídia (UFCG). Em Recife (PE), Eduardo chegou a realizar quatro exposições, três durante as edições da Semana de Artes Visuais - SPA das Artes. A primeira exposição foi na coletiva Assentamento (2003), com vários artistas numa casa no pátio de São Pedro.

Ao comemorar 10 anos de carreia artística, a convite do Sesc Casa Amarela, ele realizou sua primeira exposição individual, a Imersões, em outubro de 2008. Já em 2009, o Sesc Petrolina (PE) o convidou pra expor na Galeria Ana das Carrancas, no Aldeia do Velho Chico.

De acordo com "- Você nasceu artisticamente da simbiose humana com as máquinas, como descreveu Lúcia Santaella, citada no seu release. Como surgiu esse interesse por pinturas digitais e multimídias? Essa área exige um conhecimento mais aprofundado das tecnologias pra produzir as telas?

Eduardo Lima - Eu comecei a produzir pinturas digitais de forma bastante espontânea. Em 1999, eu resolvi fazer um curso do Adobe Photoshop, pois já gostava de trabalhar com computação gráfica. Durante este curso, eu comecei a perceber as infinitas possibilidades de criação e manipulação de imagens digitais que este software poderia me proporcionar. No final do curso, o professor passou uma prova de avaliação final. Numa das questões, o professor pediu para eu criar qualquer imagem. A partir daí minha vida nunca mais foi a mesma. Eu, literalmente, pirei com a possibilidade de criar pinturas digitais, pois eu jamais tinha pintado nada em toda minha vida e nunca fiz nenhum curso de desenho ou de pintura. Para mim foi uma descoberta surpreendente. Eu recebi influências muito fortes, já que na minha família materna tenho alguns tios que são artistas plásticos e na minha família paterna a maioria são engenheiros. Daí a simbiose entre as máquinas e a arte.

" - Como você lida com essa arte: você procura se inserir em algum mercado nacional ou internacional ou simplesmente produz pra expor e negocia as telas aleatoriamente? Qual o melhor caminho pra quem começa a fazer as primeiras pinturas?

EL - No final de 2008 fui convidado pelo Sesc Casa Amarela para produzir minha primeira exposição individual. Foi muito entusiasmante para mim, pois até então eu só havia participado de exposições coletivas. Como consequência do sucesso desta exposição, a direção do Sesc PE me convidou em 2009 para levar o Imersões para Petrolina. Foi uma experiência fantástica. Desta forma, eu tenho procurado me inserir num mercado local e nacional, através da rede do Sesc. Acredito que não exista um melhor caminho para quem está interessado em começar a criar pinturas digitais. Eu acho que cada pessoa tem que descobrir o seu próprio caminho e seguir a sua intuição.

" - Seu primeiro trampo, Abdução (2002), se resumia a alguma temática, tipo série de quadros? Fale um pouco sobre o Abdução e os desdobramentos possíveis que você conquistou a partir dele.

EL - Bem, o Abdução é bastante complexo. Em 2002, ao tomar conhecimento do projeto Transmídia, lançado pelo Instituto Itaú Cultural, surgiu a ideia da exposição Abdução, que já passou por diversas mudanças estruturais e conceituais. Começou com o intuito de pesquisar as culturas indígena e afro-brasileira, pra fazer uma fusão entre a arte, a tecnologia e as culturas xamânicas existentes em nosso país.

" - Para pintar, você usa uma ferramenta que, eu diria, é até acessível aos pobres mortais interessados em se expressar nesse tipo de arte. Você tem feito cursos de outros programas, participado de eventos ou algo do tipo? Isso também ajuda o artista moderno e não só a inspiração imagética?

EL - O Photoshop é um programa com muitos recursos. A maioria das pessoas utiliza este software para editar/manipular/tratar imagens já existentes. Já eu descobri a possibilidade de criar imagens, coisa que qualquer pessoa pode fazer também, basta ter uma noção básica das ferramentas do programa e deixar a criatividade fluir. Depois que aprendi a dominar o Photoshop e comecei a criar minhas pinturas senti uma necessidade muito grande de dar movimento a elas, recurso que este software não oferece. Foi aí que eu mergulhei de cabeça em outro programa chamado Adobe Premiere, que inicialmente me possibilitou movimentar minhas pinturas. Durante um curso que fiz deste programa conversei bastante com o meu professor sobre minha necessidade de dar movimento às pinturas e ele me recomendou fazer um curso de outro software que se chama Adobe After Effects, pois este oferecia muitas outras possibilidades que o Premiere não tinha. Então, eu acabei fazendo este curso do After Effects, o que revolucionou minha vida novamente.

" - Quem te influenciou mais, sua família materna, "amante da arte", ou a paterna, aliada da tecnologia? Porquê?

EL - Com certeza foi minha família materna, pois tenho dois tios que são artistas plásticos, que me deram muita força quando comecei a criar minhas pinturas. Mas a influência tecnológica que meu pai me proporcionou foi de extrema importância na minha formação. Desde quando eu tinha uns dez anos de idade que comecei a mexer no computador do meu pai. Vale salientar que nesta época ainda não existia o sistema operacional Windows. Eu cresci vendo de perto esta evolução tecnológica. E meu pai sempre me ensinou como utilizar cada software. Isso fez com que cada vez mais eu fosse me interessando por este universo Hi-Tec.

" - Você disse um dia que suas pinturas são visualizadas em sonhos e depois criadas no computador. É possível pintar um sonho?

EL - Tudo é possível! Geralmente eu não costumo lembrar os meus sonhos, mas em alguns momentos em que acordei e me lembrei do que eu havia sonhado, corri logo para frente do computador para traduzir estes sonhos em imagens. Pode ser que eu não tenha conseguido traduzir fielmente estes sonhos, mas eu tentei expressar da forma que minha memória permitiu.

" - Ainda utliliza a projeção para complementar a sua exposição? Quantas telas tem seu acervo de imagens a serem projetadas numa exibição do seu trabalho? Apresentação (com dança) ou exposição? Como é o formato atual utilizado pra exibir as pinturas digitais?

EL - Atualmente, com o Imersões, tenho realizado parte da exposição com as pinturas digitais impressas, em média umas 28 pinturas. E, na outra parte da exposição, eu criei um ambiente imersivo. Nele o público pode interagir através de um teclado, onde cada tecla está configurada para acionar um vídeo com uma animação das minhas pinturas de forma aleatória. Tem duas teclas que, quando acionadas, ativam uma web-cam, que filma o rosto da pessoa e mistura essa imagem com as minhas pinturas.