seguidores

26 de abril de 2010

RUAS DE NATAL


SEPARADOS - Saudosa, pus-me a andar numa cidade que me é praticamente desconhecida e a pensar em palavras que se colavam às situações. Texto de março de 2003. | imagem: Paraíso Niilista

VALDÍVIA COSTA

No céu, ocorre um fenômeno estranho que me chama a atenção, pois as nuvens viravam fumaça. Como fumaça me lembra o cigarro que você fuma antes de dormir, seria um efeito propositalmente aceito por mim pra lembrar disso? A lua imediatamente se cobre e se transforma numa luz embaçada, opacamente tímida, me forçando a sentir saudades.

Se a lua tivesse olhos, talvez estivessem como os meus, no horizonte, perdidos em alucinações celestiais. Isso, se ela, como eu, soubesse abstrair uma atenção larga ao pensamento. Nas ruas, ando em imensos corredores convidativos à caminhadas. Mas me contive devido aos perigos urbanos noturnos.

Mecanicamente olho as plantas que pendem de um lado pra o outro, com um ventinho gostoso, como se estivessem brincando de "tô no poço", espiando em quem apontar a fruta preferida. Os postes platônicos iluminadores das ruas impediam de ver a luz real do céu.

Alguns sapos, caçadores de inconvenientes e inocentes insetos pretos, coaxam mais baixo quando me notam perambulando em receios. Se incham, como me ameaçando, caso resolvesse competir com eles aquele suculento besouro. Percebo vizinhos curiosos me espiando. Sinto os olhares como setas que me perfuram procurando identificação. Mas não me incomodam.

Sou a estrangeira que está de passagem na rua que lhes pertence. Logo, amanhã, talvez, me despedirei dos Reis Magos, guardiões de belas praias. E nem verei os estudantes passarem para seus apartamentos, comentando as aulas e seus projetos. Nem ouvirei o barulho dos carros passando velozes de madrugada... Hoje, durmo pensando no seu abraço.

Pra onde vou, em meio aos meus, a noite não me inquieta menos do que aqui, mas, lá, tenho alguns elementos que me amparam. Eu os toco, os cheiro... Não deixo de sentir saudade daí, de onde você ficou. Mas aqui eu noto o quão distantes estamos e o quão andarilha fica minha vontade de ir te encontrar, caminhando...

24 de abril de 2010

DANÇA NO PÁLIDO PONTO AZUL


ACUADOS - Quando os humanos se despertarem será tarde demais, pois todos os lugares já estarão tomados pelos "mais espertos" e o mundo vai retirar as cadeiras. | imagem: Paraíso Niilista

VALDÍVIA COSTA

Somos peças que se encaixam perfeitamente nos interesses dos outros. No jogo de cadeiras o que vale é sentar, não importa se o seu ato vai excluir alguém. Essa é a competição que nos é imposta desde o maternal. Como ser diferente? Como não atingir pessoas ao atirar no alvo?

Antes de tudo entendemos a vida como esse eterno jogo e mudá-lo (ou mudar-nos) é infrigir regras sociais. Por isso o gosto ruim de derrota anunciada quando tentamos apostar em algo anti-convencional. Muitas vezes, a diferença é interpretada como ameaça. A não ser que seja uma vantagem financeira, a diferença.

Mas quando temos um modo único de interpretação da vida, sendo contrário ao paradigma atual de vida consumista, logo vêm as pedradas. O que realmente vale para uma sociedade regrada e catequizada é o Ter em detrimento do Ser.

Nesse roda-roda à procura de cadeiras para sentar, os verdadeiros valores humanos não são premissas que garantam o lugar. Mas se tiver um assento garantido, esquecemos as preocupações. Alguém vai deixar de sentar pra que você ocupe a vaga.

Valores! Esses são apenas os frondosos "frutos do trabalho". O mais indignante é que já saimos desse estado de barbárie. O ser humano já sabe que há de se ter sensibilidade pra viver, visto que só as virtudes são, de fato, transformadoras. O amor, a tranquilidade e a sensatez não co-existem ao lado dos interesses materiais humanos.

Que poder é esse que buscamos? Que tipo de inteligência prevalecerá, quando aniquilamos possíveis parcerias ao invés de nos aliarmos? Nessa perspectiva fica muito claro qual será nosso desfecho enquanto raça habitante na Terra.

Só os mais ricos e mais estrategicamente colocados conseguirão sentar. Quem não conseguir vai morrer em pé. Cansado, com fome e sem nada pra fazer a não ser matar por uma cadeira!

23 de abril de 2010

EXTERIORES DESCONCERTANTES


REAL - É o consumo que transforma o homem em cego para que não enxergue quem, de fato, está vivendo a vida sem nada do que achamos indispensável. Texto novembro de 2002 reeditado. | imagem: Valmir Gamela

VALDÍVIA COSTA

Se fôssemos feitos de dentro pra fora, talvez não precisássemos nos enganar com falsas modéstias ou elogios materialistas. Talvez apenas sentíssemos que o que mais nos une ou nos separa são nossas frágeis intenções. E como elas são imperceptíveis! Ninguém as mostra com tanta facilidade. Ninguém as fala para que saibamos com quem estamos lidando.

Como é difícil medir o tamanho de um sentimento. É complicado saber onde começa uma vontade e onde termina a desconfiança. Por isso, nós substituímos as relações fluentemente naturais pelas relações de troca. O modelo de cidadão honesto já não cabe mais nas propagandas. Quem preserva o meio ambiente é agredido por não usar saco plástico. Agora o esteriótipo humano vigente é do grande e implacável consumidor.

Ele é moderno, antenado com tudo, vive online e gastando o que ainda vai ter para parecer dono do que todos fingem possuir. O mundo capitalista projetou o ser humano à alturas que ele nem consegue subir sozinho. As pessoas se vestem de malícias alimentando uma ilusão do status que individualiza, o de pisar o outro para ficar maior.

Então o modelo ganha uma capa revestida de esnobismos, sapatos de alturas egocêntricas e adornos fantaciosos, retratando a pura e maltraçada futilidade. E pensar virou uma tarefa enfadonha para seres tão acelerados, tão ocupados de nada, tão impressionados com cores e refletores. E o amor hoje tem uma conotação simbólica, parecida com os sorrisos pintados de pedrinhas de diamantes, usados pelas putas universitárias.

Até o sexo se modificou dentro desse contexto de vida supérflua. Os corpos moldados de acordo com o mito que a mídia talhou: mais massa corpórea, menos encefálica. Afinal, onde tem uma massa, a TV tem de estar teleburraguiando-a. Tudo está embutido num único senso, o da aparência, e o comum é ser comum.

Mas não menosprezemos assim esse novo ser humano, que terá mente ciborg e corpo de carne e osso. O sociólogo, jornalista, doutor pela Oxford University e professor titular da Unicamp, Laymert Garcia dos Santos, me mostrou um olhar sobre a modernidade que expõe bem essas contradições e conflitos. Tudo começa pelas relações entre o que nos forma e como chegamos a essas informações. Assistam essa instigante palestra de um diagnóstico inquietante sobre o futuro dos seres humanos.

MODERNIDADE E A DOMINAÇÃO DA NATUREZA

22 de abril de 2010

REAJA, MEU FILHO!



APÁTICO - Depois de uma discussão sem fim com a mulher, Edgar sai pelas ruas, procurando o que ele tenta esconder da família há uma década. Texto de outubro de 2001. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

- Edgar, sinto você meio triste, calado... Nós não saímos mais! Nem nos falamos direito, a não ser sobre a meta do consumo de energia. (pequena pausa) Eu queria saber cadê aquele seu tesão louco quando me via só de calcinha pela casa. Hoje, eu posso até andar e dormir pelada que nada acontece comigo. Ou você dorme antes da minha chegada no quarto ou vai atualizar esses malditos relatórios. (Ugh!) Nossa! Como eu invejo a sua irmã. Ela me disse que é o marido dela quem cria as novas posições. Vai sair do casamento um dia com um doutorado em sexo! Já eu, coitada, vou morrer analfabeta nesse assunto. (Umpf! Se mexendo no sofá) Sou forçada a desabafar tudo isso, Edgar. Pelo bem do nosso casamento ou já me preparando pra uma separação, Edgar, reaja, meu filho! Vamos lá, converse comigo...

A mulher falava isso encarando-o com aflição, e muito cansaço por falar exatas duas horas. Edgar parecia apático. Baixou os olhos, levantou da cadeira, virou-se e saiu da sala. Pegou um casaco no cabide do corredor e se dirigiu à porta da rua.

- Não tente fugir de mim, Edgar! Nem que seja no inferno, eu lhe encontro hoje e você vai ter que me falar a verdade, meu filho! Não tem jeito...

Ele podia ouvi-la gritando seu nome ainda há três quarteirões de casa. Era quase inadmissível, em dez anos de casamento, Edgar encarar a realidade. Tudo menos isso. Nem ela nem qualquer outra mulher suportaria saber. Seria melhor andar um pouco mais, ligar inventando uma desculpa para o atraso do que enfrentar a esposa tão decidida.

Era a milésima vez que a sorte o avisava para que ele fugisse da verdade. “Um dia tudo será revelado, mas não hoje. Amanhã ou na semana que vem, talvez... Quem sabe nas férias?! Hoje, definhantemente, não é dia, é noite. E tem gente com outros tipos de tratamentos, mais carinhosos, para me dar...”.

Edgar caminha, tranquilo, enfim, pela noite, ouvindo pelo mp3 o africano Fela Kuti.

21 de abril de 2010

TRISTEZA ENCADERNADA


SÓ - Descoberta da solidão e exploração de uma tristeza sem fim para deleite de um caderno que vive às cascas atrás de suspiros... um brega texto de abril de 2002. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Hoje, eu encheria cadernos de desconsolos. Gastaria mil borrachas apagando esse tédio triste. Até as canetas secariam, esgotáveis, de tanto descrever dores. Minha alma transborda uma tristeza que choveu a noite toda... alagou meu dia, escorreu, mansa e insistente, por dentro de mim... foi descendo, em dasarmonia com a alegria de ontem até encher de vazio o meu interior. Um oco que deixou tudo repleto de nada.

Ah, se fosse só de solidão essa agonia infinita que estrangula meu sorriso. Seria fácil resolver a insatisfação que circunda minhas horas. Meu estranhamento do mundo é pela exclusão do meu sonho. Lá, nesse canto só de um, ele foi posto numa redoma, como matérias frias que ficam em stand by.

(Uma gaivota fez uma curva desgovernada no céu e cobriu-se nas nuvens, deixando a paisagem de vidro e concreto menos viva.)

Eu chego até o vidro que separa meu sonho de mim, escorrego as mãos em desatino, buscando a porta que me leve até o que projetei pra mim. Mas não há mais forma de transportar-me pra lá. E fiquei de fora do sonho que eu mesma fiz. Então joguei-me na enxurrada que submerge-me em folhas brancas de papel.

Dissertei sobre essa angústia durante algumas horas. Depois vou prendê-la com um simples fechar de caderno. E recomendo para que ninguém leia. São sentimentalidades não recomendáveis. São feias e murchas essas palavras trancafiadas no meu abandono.

20 de abril de 2010

A LUA NOS QUARTOS


SINUOSA - A eterna musa, branca, redonda e sinuosa, ao menos nesta foto, é tema de mais uma declaração derretida, de 2002. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Lua, faz tanto tempo que não admiro-a. Muitas vezes até a vi, mas não suspirei de arrebatamento. Você se esconde por trás das nuvens, tímida? Rsss... Hora deve ser meio cheia, puta com tudo. Mas hora deve ser minguando mesmo, de tanto nada que a cerca. Daqui de baixo, a gente só te vê lindamente lua, mas daí, do seu lado, sei que és monocromaticamente fria.

Todas as noitas são suas e você já é ciente desse encontro. Sempre esbelta no chegar e tão soberana em fabricar sombras, sonhos. Ando olhando o chão, chutando as pobres pedras, tropeçando nos meus enganos... e você me envolve com sua luz, grande lua lunática.

Consolo para o desapego, você é lua no quarto criativo crescente de quem fuma. É densa no quarto minguante de quem ama. Mas penso que só sei amá-la assim porque és só uma lua. Imagine ter que admirar mais de 60 luas, como os habitantes de Júpter têm que fazer?! E não venha me lembrar que Júpter não tem habitantes. Mas, se tivesse, imagine...!

Você é única, pedaço de pedra branca, empoeirada, que fica escondida do sol por trás da Terra. Grande corpo celeste já visitado por humanos e ainda guardador do mito de São Jorge, que todas as noites mata o dragão aos olhos de quem crê. Lua, você é mentirosa? Ou, simplesmente, nós é que somos aluados?!

Não vou te ver porque acho a viagem de três dias muito longa. Mas fico aqui embaixo, me sentindo enormemente atraída por você, lua louca, de tantas facetas e tantos cobiçadores. E você, lua menina, fica a brincar de ciranda com os outros astros, a girar e girar em torno de nós, lançando seus raios prateados, inseminando-nos com seu desvairado luar avulso.

19 de abril de 2010

ÍNDIO MISSIGENADO BRASILEIRO


GUERREIROS - Depois de passar por um aniquilamento de milhões, o índio do Brasil não se orgulha de nada do que foi imposto para sua nação, antiga proprietária das terras "encontradas" pelo colonizadores portugueses, mas resiste, confiante nas tradições. | imagem potiguaras da Paraíba: Ítalo Jones

VALDÍVIA COSTA

Se ainda fôssemos somente índios, penso que o país estaria em melhores mãos. Que importa toda essa evolução tecnológica e globalizada se ela exclui o homem do seu habitat? Algum historiador acomodado pode retrucar: "seríamos vítimas de todo tipo de infestação microbiótica e não cresceríamos nunca, nem nos agruparíamos com outros povos; para manter tradições, nos isolaríamos".

Sempre lembro de Confúcio nesses embates ideológicos. O mestre disse: "quem se modera, raramente se perde". O meio termo, que nós não sabemos utilizar como regra de sobrevivência, seria a solução. Não tinha pra que o português chegar aqui enganando os índios, oferecendo "evolução" (o espelho, o pente etc.) ou matando pra roubar o território. Como não tinha necessidade do índio se vender, aceitando "presentes".

Nesse dia 19 de abril, dia comercial, em que as criancinhas saem das escolas todas pintadas de indiozinhos, fico a pensar nessas potências que poderíamos ter, caso não fôssemos índios colonizados e missigenados. Por exemplo, numa evolução natural da raça indígena, sem outra interferência étnica, aqui no Brasil (daquelas que somente acontecem nas nossas cabeças), o índio seria rei e a biodiversidade mais equilibrada.

Como preferimos valorizar o poder, o dinheiro, os cosutmes brancos, já em decadência em Portugal, nossas riquezas naturais foram doadas de boa vontade em troca de um atrofiamento cultural que até hoje os professores de História levam adiante, sem muito refletir, afinal já passou o momento crucial e "não se pode viver sem o capitalismo".

Ah, maldito contato escuso entre um representante da Coroa Portuguesa e um dos índios da costa brasileira! Castrou-nos nosso potencial ecológico, nos implantou na veia esse gen acobreado da moeda como guia dos nossos atos humanos. Essa verve materialista que não nos deixa pensar em outra coisa senão ganhar dinheiro. Dinheiro não se come. O índio sabe disso, é tanto que ainda mantém a agricultura como principal ou única atividade até hoje.

Feliz e infelizmente somos missigenados. Todos já passaram por esta terra e inseminaram nossas índias, que ficaram com cara de brancas, amarelas, mestiças... Coitadas, foram usadas pelos interesses mais sórdidos, vítimas dos encantamentos pelas luzes e cores extrangeiras. Hoje, trocam a bunda brasileira pela mesma sensação de enriquecimento do índio ao se deslumbrar com o casaco sofisticado português, de pele de raposa. Ô ilusão!

Índios - Quando os portugueses chegaram ao Brasil estimava-se que havia cerca de 6 milhões de índios no território. Nos anos 50, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, a população indígena brasileira era de 68 mil a 100 mil habitantes. Passados os tempos de matança, escravismo e catequização forçada, atualmente, há cerca de 280 mil índios no Brasil.

Contando os que vivem em centros urbanos, a população indígena chega a mais de 300 mil. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia em torno de 1.300 línguas indígenas. Atualmente existem apenas 180. O pior é que cerca de 35% dos 210 povos com culturas diferentes têm menos de 200 pessoas. No total, apenas 12% do território nacional pertence aos índios.

Boa notícia - O que parecia impossível (diante destes números negativos), aconteceu: o número de índios no Brasil e na Amazônia está aumentando cada vez mais. A taxa de crescimento da população indígena é de 3,5% ao ano, superando a média nacional de 1,3%. Em melhores condições de vida, índios recuperaram a auto-estima, reintroduziram antigos rituais e aprenderam a pescar com anzol.

Muitos já voltaram para a mata fechada, com uma grande quantidade de crianças indígenas. "O fenômeno é semelhante ao 'baby boom' do pós-guerra, em que as populações, depois da matança geral, tendem a recuperar as perdas reproduzindo-se mais rapidamente", diz a antropóloga Marta Azevedo, responsável por uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos em População da Universidade de Campinas.

Fonte: Web Ciência

UMA HOMENAGEM A TODOS OS ÍNDIOS DO BRASIL
Somos filhos da terra cor de urucum.
Dos sons do igarapé e da força do jatobá.
Das águas do Araguaia, do Tapajós, do Iguaçu.
Somos filhos do sol de Kuaray, da lua de Jaci.
E da chuva que semeia o guaraná, a pitanga e o aipim.
Somos filhos dos mitos.
Do uirapuru e seu canto, do vento e do pranto.
Guerreiros, fortes, sábios.
Somos Ianomânis, Guaranis, Xavantes, Caiabis.
E o que somos nunca deixaremos de ser.

Autora: Zeli Poa (Jornal Zero Hora)

18 de abril de 2010

A LUA E A TORRE


IMPERCEPTÍVEL: Aqui, a vida passa meio apressada. As pessoas entram em seus mundos de afazeres e deixam as cabeças baixas, sem perceberem que, algumas vezes, a lua nos observa e conta segredos à torre... | imagem/poesia: Val Lucena (em 2001)

VALDÍVIA COSTA

É bom relembrar. Eu gosto e sei que muitos também curtem fazer isso. Por isso mesmo, hoje, vou lhes contar como comecei esse negócio de unir imagem e texto numa tentativa singela e descompromissada de construir uma poesia. Não é fácil, eu confesso, às vezes, não rola. Às vezes fica mais ou menos...

Mas essa imagem que denominei "A lua e a torre" foi tirada num dia de correria de uma estagiária que tinha que percorrer duas fábricas atrás de informação que interessasse a um "público leitor" de quase 1000 semi-analfabetos. Depois de mais de dois quilômetros andados por dia aprendi a usar o visual do lugar a meu favor, experimentando arte.

Pena que isso foi no começo de 2000, quando entrei lá, e não havia equipamento fotográfico de qualidade. Também não me toquei de salvar meus primeiros trampos imagéticos literários. A máquina que eu usava nesse estágio (e nesse universo surreal que é achar beleza na vida suada de operários) era uma daquelas que colocava disquete, artigo que nem existe mais no mercado.

Logo nos primeiros cliks achei um gato entre as barras dos muros da fábrica, espiando se já podia entrar. Uma cabecinha preta entre barras cinzas compridas de cimento e concreto armado. Acabei esquecendo essa imagem em algum lugar. Mas a segunda, essa que ilustra este post, sobreviveu! Impressa em modo rascunho, amaçada entre as páginas da minha inseparável agenda daquele ano, lá estavam elas, "a lua e a torre".

Lembrei até do momento exato em que passava na lateral de uma das fábricas, apressada pra tirar uma foto do chão de fábrica, e olhei para cima, onde vi esse acontecimento peculiar, "a céu aberto". Como a máquina era gigante, sai mostrando a foto pra todos. Ninguém (quase) queria ver. Todos ocupados com suas tarefas.

Imprimi o flagrante sensível que não despertou o interesse dos brutos. Até pensei em escrever xingando todo mundo pela falta de tato. Mas, como só eu vi esse momento único, guardo-o comigo até hoje, quando resolvi compartilhá-lo com outros. Ah! Ainda tem a poesia dessa foto, na legenda acima. Ela nem era necessário. Mas eu a fiz, diante da indiferença dos que não quiseram olhar esse curioso diálogo semiótico-literário.

16 de abril de 2010

BORRA DE CAFÉ, DO BREJO


FORTE - O mundo vai conhecer uma história que retrata hábitos de gente simples e um pedaço da história do café, que foi ponto forte do Brejo paraibano, segundo maior produtor do Brasil no início do século XX. | imagem: Franz Lima

VALDÍVIA COSTA

Mais uma produção audiovisual sobre os interioranos vai ser lançada em Campina Grande e com ela uma leva de expectativas para fazer circular a arte paraibana. Desta vez o foco será o Brejo, local úmido, de boas acolhidas. Belezas naturais, clima frio, densas histórias... O Brejo é lugar de enredos e fotografias. Assim apostou o diretor de audiovisual Aluizio Guimarães ao idealizar este curta metragem de cerca de 20 minutos.

Primeiro, Aluizio pensou nesse forte teor de coragem, marcante nas pessoas do campo. Depois convidou figurantes da vizinha cidade de Matinhas para incentivar a produção artística local e dizer que é possível fazer cinema com o simples. O resultado tem cheiro quente, de gente que luta. Conhecido também pelas produções teatrais, o cineasta promete surpreender ao abordar as relações rurais.

O lançamento do curta é amanhã, gratuito, às 20h00, no Cine-Teatro do SESC em Campina Grande. Pelo Google Talk, Luciano Mariz, um dos produtores do filme, falou sobre essa criação. Ele é formado em Arte e Mídia (UFCG), atua há sete anos como diretor e produtor de audiovisual e tem 11 filmes concluídos e premiados. O principal é o histórico Os Balões de 74, que recebeu, entre outros, o Prêmio SESC/SESI de melhor vídeo documentário do Fest Aruanda (2008).

DE ACORDO COM "- Como surgiu a ideia de fazer um curta sobre os costumes rurais do Brejo?

LUCIANO MARIZ - A ideia partiu do diretor, Aluizio Guimarães, que visitou um festival de cinema e discutiu com algumas pessoas sobre o que faltava ser mostrado de nossa região. Então... a ideia de retratar um Brejo rico e farto vem justamente para dismistificar uma imagem que ainda hoje, por incrível que pareça, é retratada na mídia como estereótipo de nosso povo. Um povo feio, desdentado, um cenário monocromático, seco, pobre. Nestas discussões de Aluízio com algumas pessoas surgiu a ideia de fazer um filme no qual o contexto se passaria no Brejo paraibano, que é lindo por sinal.

" - E a história da Borra, é o quê, especificamente? No release vocês dizem que "não é cafeomancia - prática usada pelos árabes para adivinhar o futuro através da leitura da borra que fica no fundo das xícaras". Se refere somente à atividade cafeeira da região ou a Borra tem uma ligação com os personagens?

LM - A borra de café é um elo que só entenderá quem assistir o filme. Então fica o convite pra ir ver o curta amanhã no Sesc Centro (risos). Mas tem ligação com o contexto local também. O filme se passa na Era áurea do café... Os pais de Maria e Antônio (personagens) eram senhores do café...

" - Aluizio já vem de uma produção cinematográfica (O Bolo) e você já fez muitos documentários históricos. Essas experiências aliadas a um novo tema promete o que nesse curta? Vocês criarão juntos ou só será feita essa experiência?

LM - Foi interessante como entrei no circuito Borra de Café. Porque, desta vez, eu estou produzindo o filme e na maioria de minhas experiências com cinema e audiovisual, eu dirigi. Quem iniciou a produção do filme foi Hingrit Nitzsche enquanto estava aqui em Campina Grande durante suas férias. Ela voltou para São Paulo e me entregou a produção. Então, eu já entrei no circuito com a coisa começando a engatinhar, sabe? Não participei diretamente da criação do argumento e roteiro do filme, isto foi idealizado por Aluizio e o seu co-roteirista Nathan Cirino. Vejo que o filme promete porque foi um trabalho feito com afinco, com amor e acima de tudo com profissionalismo. As imagens estão belas e de uma estética interessantíssima. Ainda trocamos figurinhas a respeito de algumas discussões da narrativa e estética do filme. Acho que isso é bom quando se tem um diretor produzindo seu filme, os pitacos e a troca de ideias sempre acontecem (risos).

" - É difícil fazer cinema na Paraíba? Porquê?

LM - Olha Val, é difícil, mas, para quem ama o que faz, a gente tira leite de pedra, dá um jeito, põe um monte de doido em cima de uma D20 e emburaca mata a dentro, como aconteceu em Borra de Café (risos). Não é fácil. Ainda não temos apoiadores com visão de investimento no cinema e audiovisual. A Paraíba ainda sofre deste mal. Apesar de termos alcançados parceiros para o Borra de Café, como a prefeitura de Matinhas, UFCG, Artexpress, Montenegro Negócios Imobiliários, Gênesis Comunicação Integrada, Cultura Inglesa... Mas isso ainda é pouco, sabe? Vale ressaltar que alguns patrocinadores não são da Paraíba. Fica a dica! (risos) É engraçado porque, semana passada, estive organizando umas exibições de uma produção americana, "Uma Mudança no Mar". O Daniel de la Calle estava no Brasil fazendo divulgação desse filme. Havia passado pelo Rio de Janeiro, Salvador e estava aqui em João Pessoa. Ele falando e eu analisando a diferença de incentivo entre as localidades. Uma produção simples (a de Daniel), mas com dinheiro para investir na divulgação e pagar bem à equipe. E era um documentário longa metragem. Fiz um paralelo com nossa realidade e a gente começa a ver como os investidores precisam abrir um pouco mais a visão para este tipo de incentivo e investimento.

" - Fale um pouco do produto cultural, um DVD, que vocês pretendem desenvolver a partir deste filme. Ele será distribuído pelo Brasil como produto turístico cultural para evidenciar as belezas brejeiras?

LM - O filme será enviado para festivais nacionais e internacionais, por isso o mesmo possuirá legendas em inglês, frances e espanhol. Isto fará parte do produto como um todo. No DVD haverá imagens excluídas do filme, making of, entre outros detalhes, que será surpresa. (risos) Pretendemos distribuir este material para pontos nos quais, tanto o produto audiovisual seja vislumbrado, como as riquezas naturais também sejam observadas!


-----------
Colaboração: assessoria Borra de Café

15 de abril de 2010

ESQUENTANDO SONS


PROGRAMAÇÃO: Clique na imagem pra ver a programação do evento em Campina, que terá duas bandas do cenário musical do Paraná e do Amapá. | imagem: divulgação

VALDÍVIA COSTA

Parir novos sons requer algo mais que somente tê-los. Por isso, iniciativas legais de circulação desses trabalhos estão sendo vistas na Paraíba. Com atuação em redes de música no Brasil, Campina Grande-PB promove, pela segunda vez, o circuito Fora do Eixo, com a II tour nordeste, Aquecimento Natora, que acontece hoje, dia 15, e amanhã, 16, no Bronx Bar. A produção é de um dos filhos independentes da cidade, o coletivo Natora.

Depois do surgimento do coletivo Mundo, de João Pessoa, a Serra da Borborema absorveu a ideia de ter uma união. Nasce uma, Natora! Assim mesmo, com muita força, devido às dificuldades locais. Um grupo de produtores, artistas e todos os profissionais da música se uniram. Agora, nesses dois dias esquentando sons, o Aquecimento terá os shows do Mini Box Lunar (AP) e Nevilton (PR), além de Plástico Lunar (SE), Sex on the Beach (PB) e Bugs (RN). Hijack e Post Mortem, de Campina, também tocarão no evento.

Natoramente, desde o final do ano passado, o coletivo vem agindo no fomento da música e da cultura independente. Segundo os produtores Giancarlo Galdino e Marlo Simaskowsk, a proposta do coletivo é que o Aquecimento sirva como uma impulsão para o Festival Natora, que ocorrerá no segundo semestre de 2010. "Vamos estender mais a cadeia produtiva com quem se interessar em agir na coletividade", disse Marlo.

Outra coisa que eles fazem é a hospedagem solidária. O Natora se mudou recentemente para uma senhora casa no bairro do Santo Antônio, que será a sede dos produtores. Além da colaboração de outros membros, que também são solidários com as homes. Para entrar nessa boquinha, quem for de outra localidade que quiser prestigiar o Aquecimento basta enviar e-mail para: natoracoletivo@gmail.com. Diga quantas vagas e dias da hospedagem.

A turnê segue, apostando em redes colaborativas e trocas de serviços. Passará pela Capital paraibana, Recife-PE, Maceió-AL, Aracaju-SE, Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista, na Bahia, até 23 de abril, movimentando sete coletivos locais vinculados ao Circuito Fora do Eixo.

Nevilton - Nasceu no interior do Paraná, na cidade de Umuarama. O trio formado por Nevilton de Alencar (guitarra e voz), Tiago “Lobão” Inforzato (baixo) e Éder “Chapolla” (bateria) mescla o que de bom o rock brasileiro produziu nos últimos tempos com o charme e força do pop britânico. Bandas como Los Hermanos, Beatles, Cake e até mesmo Belchior são as influências da Nevilton.

Mini Box Lunar - Traz um pouco da psicodelia e do brega do Norte do Brasil. Prova viva da descentralização cultural do país e da força da nova música produzida na região da floresta amazônica. O grupo conta com os vocais de Heluana Quintas e Jenifer JJ Nunes. Possui elogios dos veículos de cultura brasileiros. A revista Rolling Stone taxou-os da grande "revelação do pop amazônico".

Fora do Eixo – A circulação das bandas do Circuito Fora do Eixo atua criando uma rede de articulação regional de coletivos para gerar novas rotas. Um dos objetivos da turnê é criar a cultura de uma produção artística sustentável, trabalhando com foco em vários elos da cadeia produtiva da música, incluindo público, jornalistas, videomakers e outros atores locais.

SERVIÇO
Dia 15 (Quinta) - Bronx Bar – Campina Grande-PB
Investida: R$ 5
Abertura: HiJack

Dia 16 (Sexta) - Espaço Mundo – João Pessoa-PB
Investida: R$ 5
Abertura: Nublado

Dia 17 (Sábado) - Abril Pro Rock – Recife-PE
Investida: R$ 20 (meia entrada)

Dia 18 (Domingo) - Posto 7, Praia de Jatiúca – Maceió-AL
Aberto ao público

Dia 19 (Segunda) - Rua da Cultura – Aracaju-SE
Aberto ao público

Dia 20 (Terça) - Boomerangue – Salvador-BA
Investida: R$ 5
Abertura: Você Me Excita

Dia 21 (Quarta) - Botekim Tematic Bar – Feira de Santana-BA
Investida: R$ 8 antecipado, R$ 10 na hora
Abertura: Clube de Patifes

Dia 23 (Sexta) - Teatro Carlos Jehovah – Vitória da Conquista-BA
Investida: R$ 10
Abertura: Os Barcos


-----------
Colaboração: Coletivo Natora e Vanessa Mota

14 de abril de 2010

PENSAMENTOS GALINHAIS, DE BOFF


CUTUCÃO - Total desprezo pelo padrão de homem comum, que enterra os sonhos pra alimentar o corpo e esquece de nutrir o pensamento. Texto de 2001. | imagem: Fernando Balão


VALDÍVIA COSTA

Fazer planos é arriscado. O futuro nos chega, amanhã ou agora, de maneira brusca. Arrebata a sensatez dos gestos e consegue por na vida a leve noção do imprevisível. Improvisar é preciso, às vezes. Essa sensação distante, nostálgica, de que o tempo é pouco para tantas realizações frustradas, nos castra, impede-nos de sermos livres.

Os nossos sonhos são nossos piores carrascos. Vão além das medidas nas torturas, que nos deixam zonzos entre a realidade e a ilusão. Almejamos saúde e uma imensa disposição para nunca pararmos de produzir. Num dia a dia de rato correndo atrás de migalhas, o cansaço transforma qualquer desejo em coisa supérflua.

É quase impossível achar motivações que nos empurrem pra longe das regras mercadológicas, pautadas numa praxe que só retroalimenta o capitalismo. Há limites demais, interesses escusos e situações de dureza mental que impedem de alcançarmos o outro lado da vida, o de sonhar e querer.

Tudo gira em torno desse suposto culpado. Mas o tempo só anda e a gente continua correndo. Desespero e sofreguidão ao alcançar as 15 horas trabalhadas. Então ele passa, calmamente, humilhando-nos.

Com orgulho conseguimos algumas vitórias. A maior parte vieram-nos por imposição da localidade ou por amizade. Jamais pensamos em planejá-las. Essas conquistas vieram junto com os improvisos. Fizemos algumas substituições e concluímos, saudosos, nossas tarefas. Recebemos, com "a boca escancarada, cheia de dentes", uma aposentadoria.

É nesse trecho da vida que nos vem um velho companheiro nos inquietar. O passado nos chega à mente sem convite, abre álbuns empoeirados, desperta sentimentos de revolta. E vem com ele toda a velharia que esprememos entre a necessidade e a vontade, dentro de nós. Velhos ideais, que nem foram pegos pela prática. Assombros, ecos, sopros, assovios... Vieram de todo lugar, de nós mesmos.

E apontam para a contagem do tempo que fizemos despercebida. São entidades cruéis que saem da mente enfraquecida. Castigam-nos. Criticam-nos por não termos tentado a originalidade. Mesmo sem saber o que poderiamos ser, se fôssemos diferentes. Mas não falemos disso. Sentemos no banco da vida e esperemos um medíocre fim, como o das galinhas de Leonardo Boff.

12 de abril de 2010

CHEIRO DE CONFORTO ESCURO


CATIVA: A noite e seus encantos na visão de uma estudante de jornalismo, que guarda um lado boêmio até hoje; prova é essa crônica louca de paixão, de junho de 2001. | imagem: (Campina Grande-PB) Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Quando me disseram que ela era um feitiço logo desejei conhecê-la. E fui, tomado por um impulso de curiosidade e expectativa, ao seu encontro. Contei-lhe, sem palavras, da minha ousada intensão. E, nessa maravilhosa troca de olhares, ela me mostrou o seu complexo mundo.

A noite se decora com souvenires de todo lugar. Coloca em cada canto um objeto ou pensamento que nos magnetize. Usa perfumes exóticos de incesos variados para desmistificar seus perigos. Ela consegue exalar um cheiro de conforto escuro que acalma os aflitos. Confesso que ela me encanta com seus enfeites fluorescentes.

Seu maior poder de atração está nos mistérios e surpresas que ela oferece. Por isso vivo atormentado, observando os pedaços de agonia e beleza que envolvem-me quando a encontro. Algumas pessoas frequentam-na. Seres inspirados e inspiradores de sentimentos.

Na noite, pessoas solitárias e solidárias se encontram. Há milhares que são desatentos. Alguns nem sabem aproveitar essa poética hospedagem. Passam tão preocupados com um vizinho alvorecer que nem conhecem os versos orvalhados que pingam no recôndito das ruas. Eu vigio meus passeios e não ouso tocar na sua fina pele de acasos.

Filas de estrelas em cima da estante, restos das gotas madrugadais descendo em caminhos bifurcados pelos vidros, que separam o mundo amanhecido do meu abastrado. Nem a nossa intimidade rotineira faz-me forçar questionamentos sobre seu modo repetitivo de chegar, seduzir e partir. Diariamente. Sou apenas boêmio devoto de seu breu pensante. Admiro a forma sensual que ela me prende.

Ela não fere nem machuca. Companhia agradável, silenciosa, que me abre os braços quando saio e lhe visito. Nem portas, nem travas. A noite é uma sedutora sem precedentes criminais, que usa uma fina neblina, que muito me agrada, escorrengando pelos ombros.

11 de abril de 2010

BLOGUEIRA NA ESSÊNCIA


HÁBITO - A escrita, essência de todo blogueiro, é o que sei fazer diariamente, é o que me refresca e o que me satisfaz... até que perceba falhas e releia e reescreva o mesmo texto várias vezes. | imagem: Diário Gauche

VALDÍVIA COSTA

Substitui a coleção de cartas pessoais pela de agendas. Vista por alguns como um caderninho de utlidades, a agenda sempre fica me cutucando pra escrever. Por isso, mesmo tendo agendas eletrônicas, quando finda o ano, minha agenda física está cheia de opinião, poesia e anotações factuais, como os aniversários. Fazendo essa pesquisa empoeirada descobri que tenho essência de blogueira desde 2000.

Quando ainda eu nem tinha acesso diário a internet, lá pelo meio do curso de Comunicação, eu estava, cada vez mais, interessada no estilo opinativo. A prova está nas agendas! Todas com textos de letra caprichada (no começo), bilhetes, desenhos e compromissos. Verdadeiros posts! Chego a comentar nesse texto abaixo sobre essa necessidade de escrever diariamente. É uma reflexão de uma foca do jornalismo.

Ainda guardo comigo aquela velha e tola vontade de contar o dia em páginas escritas de um diário. Agora por exemplo preciso perguntar: a que se deve tanta agonia e reviravolta na minha vida de jornalista? Será que fui marcada precocimente pra não completar o que pretendo ser?

Por que temos tanto que mudar? Por que tudo que se escolhe fazer nessa profissão chega a ser sacrificante? Não quero parar no tempo e ficar me irritando tanto, mas gostaria de ouvir algumas explicações que justificassem tanto tumulto, tanta fofoca e tanto descaso. A profissão que resolvi seguir é realizada por pessoas, muitas vezes, maldosas, sádicas e pervertidas intelectualmente.

Está certo que o jornalista tem que ter um pouco de malícia. Porém não é saudável que esse veneno contamine os membros de uma mesma equipe. Acho que sou muito romântica. Mas não gostaria de abrir mão das minhas virtudes pra praticar o meu trabalho. Não queria trocar o termo falsidade por política da boa vizinhança, como é a praxe.

A relação que construimos num mercado globalizado tende a axigir de nós mais do que a vontade de ficarmos juntos. Algo concreto, como bens materiais, nos falta e vivemos compensando essa lacuna com nossos sentimentos utilitaristas. Às vezes acho-os tão frágeis pra suportar a tormenta.

Seria excelente se eu conseguisse notar que é possível viver em paz, sem sentir a pressão girando em torno da minha rotina, me cansando. É o medo que me faz pensar em desistir de tudo imediatamente. E é de mim mesma que eu tenho que me esconder. Para que eu consiga sobreviver mais um dia. Um de cada vez...

Final de maio de 2004

9 de abril de 2010

EXPERIMENTAL DE TONINHO BORBO


URBANO - O som do Borbo tem da noite o que mais gostamos: o perfume, o vento carinhoso e muito desejo pra gastar na cidade; dada a curiosidade, vamos saber do experimental. | imagens/montagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Atualmente é comum dizer que um som é experimental. Vários trabalhos novos da música popular brasileira usam o termo pra designar o que a palavra diz: um experimento. E assim vimos e veremos vários músicos cientistas experimentando sons, ritmos, instrumentos etc. Como Toninho Borbo. Paraibano, sempre munido de composições brasileiras e populares, o músico está divulgando o show Experimental Samba Groove.

Além de ser isso tudo que escrevi, esse som apresenta as letras mais novas do músico. Lindas letras que se misturam aos ritmos mais modernos como o ragga e o funk. Nesse samba que só sabe saborear um sabido, a mpb ganhou nova roupinha, vestiu o vestido mais simples e foi de chinelo dançar. Essa foi a simples forma que o artista encontrou na música, acompanhado pelo baterista Edmar Travassos, o baixista Orlando Freitas e o DJ Frequência Zero (fHz0).

O resultado tem de sofisticado o quanto tem de gostoso. Só dá pra avaliar assistindo a apresentação. Por falar nisso... Amanhã, dia 10, tem uma! Pelo horário (20h00), dá pra levar toda a família pra ver essa sonoridade que mistura instrumentos com bits eletrônicos. O show será no Sesc Centro em Campina Grande e terá a abertura de uma banda nova da cidade, A Valsa de Molly.


DE ACORDO COM " - Você começou a carreira artística tocando mpb. No seu quarto trampo nota-se uma transformação, um experimento com o estilo. Explique o que é o som Experimental Samba Groove e o motivo da adaptação.

TONINHO BORBO - Comecei a tocar violão na década de 90 e a minha fonte de inspiração direta foi o João Gilberto. Esse momento foi de extremo encantamento em ouvir aqueles acordes dissonantes, que logo depois, conhecendo melhor a música brasileira, descobri que a sutileza, a leveza e o suingue do João, não era nada mais que a mistura do samba com o jazz, tocado por um instrumento típico popular da boemia underground dos guetos do Brasil, o violão. Isso foi legal e fez do João, Tom, Vinícios e tantos outros, caras de vanguarda dos anos 50. Na sequência, o Caetano Veloso, o Gil, e o Chico Buarque aumentaram o meu repertório diário na fissura que tinha em tocar violão e ficar pensando naquilo que os caras estavam dizendo nas letras. O meu apego ao instrumento, às músicas e às letras, foi na verdade um valor incalculável dado aquilo que no momento estava transformando a minha vida e construindo minha indentidade. O Chico Science e a "galera mangue" entrou em paralelo. Aí foi onde vi que os artistas de vanguarda eram os que eu mais gostava de ouvir. Todos esses que citei foram pontas de lança. Hoje o meu trabalho é um reflexo desses irreverentes gestos. Por isso Experimental Samba Groove. É uma forma despretenciosa de dizer que vou deixando as minhas contribuções possíveis à mpb do meu tempo. Experimental Samba Groove é o meu jeito de fazer agora minhas canções, com total desapego do resultado e testando a liberdade de usar música eletrônica e outras coisas pra dizer que o processo está aberto.

" - Até que ponto o mercado baliza a sua música? Há algum obstáculo mercadológico que impeça um melhor desdobramento profissional? Qual?


TB - O mercado só baliza o meu trabalho do ponto de vista da formatação do produto. O obstáculo existe quando você não tem as informações úteis para difundir o seu trabalho. Como é fato em alguns casos mais locais, o artista não sabe e não compreende o circuito independente brasileiro. Eu particularmente trilho um caminho no qual eu possa ter o tempo de produzir um trabalho com qualidade e, de acordo com o possível, difundi-lo de forma rápida e planejada.
Existem dois mercados na música mundial, o grande mercado da indústria fonográfica de massa e o independente. O circuito independente é muito exigente quanto à forma como o artista deve apresentar o seu produto. É preciso ter um trabalho artístico consistente e além disso um CD bem gravado, com o material gráfico super bacana e uma certa incersão na cadeia produtiva da música no Brasil. Que é dado também pelo seu tempo neste circuito.

" - O que é o mercado independente e o que o diferencia do grande mercado fonográfico?

TB - O mercado independente é uma forma do artista fazer ele mesmo todo o trabalho que supostamente seria feito pelas gravadoras, selos e produtoras. As tecnologias de gravação se popularizaram muito durante as decadas de 80 e 90, facilitando o artista gravar o seu trabalho e a partir daí planejar alguma coisa. Hoje este circuito está organizado de forma tal que os trabalhos produzidos pela música independente como um todo, não devem em nada em qualidade aos de grande estruturas industriais de reprodução e difusão. Pelo contrário, são produtos de exportação extremamente bem acabados. Que, além do mérito artístico, são gravados, mixados e masterizados em grandes estúdios.

" - Como compositor, o que significa a letra numa música? Quantas letras você já compôs, quantas foram gravadas?

TB - A letra na música é a outra margem do rio que corre no Brasil (risos). É uma expressão milenar. Na música brasileira sou suspeito de falar. Porque sou daquele tipo que coloco um CD que gosto e fico cantando-o até acabar a vontade. Como falei, a literatura dentro da música foi uma coisa na qual me influenciou desde pequeno. E, naquilo que eu faço, se torna uma coisa evidente. Tenho todo o cuidado com o que escrevo e, mais ainda, como fica na música. Caetano foi um dos caras que me fez enxergar um jeito poético de escrever e tomar partido por temas que hoje pouco se vê e lê na música popular. Ouço sim, na voz de artistas da música independente mais engajados que estão completamente despreocupados em fazer parte de um grupo de artistas que procuram fórmulas de sucesso. Já compus quase 200 músicas e gravei 26.

" - Depois de participar de uma coletânea internacional, o Brazil More than Samba, que já circulou em vários festivais como a Womex e Midem, quais são os projetos de agora em diante?

TB - A meta é gravar o EXPERIMENTAL SAMBA GROOVE e fazê-lo circular o máximo que eu puder. Estou entusiasmado com o resultado do show, creio que vamos fazer um bom disco. Com relação à coletânea foi muito massa a minha inserção. Gostei muito do material. Ali está a nata da música paraibana e eu estou lá, com a música Ser Humano, que faz parte do repertório do Experimental. A coletânea demonstra que a música independente paraibana vem se estruturando e amadurecendo do ponto de vista de mercado. Foi uma iniciativa super bacana e necessária para dar visibilidade a grandes artistas que vivem na Paraíba.

7 de abril de 2010

O GONZO É INVISÍVEL?!


INVENTIVO: Falta mais criatividade no jornalismo e o gonzo daria esse toque artístico à profissão. | imagem: Ralph Steadman

Baixou um santo gonzo em mim hoje. Acabei achando (por intuição) uma colega que trabalhou uma monografia recentemente sobre este que é o estilo mais discriminado do jornalismo. Fiquei sabendo por ela, Lígia Coeli. Que coincidência rolar isso hoje, justamente no Dia do Jornalista! Seria um sinal dos deuses?! A minha previsão do post de anteontem, Vida longa ao gonzojornalismo, de que só o gonzo salva, bateu com a dela.

Como mostrei no post anterior através de um vídeo, esse estilo pode nos salvar do tédio que é assistir cenas cotidianas de tragédia, dor, crime etc. Especificamente, para o caderno de Cidades, o gonzo vestiria bem. No Brasil, a área de política já tem um protótipo meio gonzo, de abordagem, O Pânico na TV. Mas fora os sites de metajornalismo, só temos o Irmandade Raoul Duke de Gonzojornalismo propagando esses registros e incentivando a prática.

Sinto-me forçada a entrar nesse seleto casting e destacar aqui posts com o tema. Pra instigar às quebras de paradigmas! Afinal, devíamos menosprezar o que nos vem rotulado, como seres intelectualizados, e não um estilo que fecunda a criatividade. Mas deixemos os argumentos para nossa colega. E viva o gonzo!

----------------------------------------
GONZEAUX, O GÊNERO INVISÍVEL

LÍGIA COELI

Não adianta mais disfarçar: os apelos crescentes aos chamados "relatos humanizados" vem colocando o jornalismo e a literatura em limites muito próximos no desejo de variar o modo de escrever, e sejamos sinceros, essas tentativas não nasceram hoje. Isso é bom, dá uma pontinha de esperanças aos aspirantes a jornalistas que temem passar o resto da vida receitando o lead fastidiosamente, como médicos cansados que constatam o óbvio: é gripe, próximo!

Eis a chance: é nesse intervalo entre a tentativa e a busca de metodologias diferenciadas que enxergamos a oportunidade de introduzir (à força, que seja!) o Jornalismo Gonzo como ferramenta facilitadora para essa prática, um exercício na sensibilidade de contar histórias, porque não?

O que incomoda é visualizar o Jornalismo Gonzo como um gênero esquecido precocemente (tendo em vista a sua criação, nas décadas de 60 e 70), ou até mesmo ignorado. Difícil de explicar por não ter a notoriedade esmagadora do "jornalismo diário", tido como mais importante, presente em unanimidade nas grades curriculares das faculdades de todo o país e repetido metodicamente nas empresas, acrescidos de linhas editoriais ferrenhas, bancadas por uma mistura corrosiva à qualquer aspirante a jornalista independente: poder público e comercial.

É triste, mas para as universidades, o Gonzo não existe. Ao que parece, o empenho exigido por essa prática, que "produz o sentimento de estar dentro de uma cena descrita" inibe e assusta a lógica mercadológica de produção de notícia, e é com essa desculpa que os próprios educadores colocam a idéia de Thompson como algo impraticável, inviável e o pior: dispensável.

Talvez esteja aí uma pista para compreender porque o Gonzo ainda se apresenta como tentativas tímidas, quando não ridicularizadas pelos professores, dada a sua "impossibilidade". Uma vez desconhecendo o criador, o excêntrico Hunter S. Thompson, a criatura – o gonzo, padece com a invisibilidade. "Jornalismo o quê?"

É a primeira pergunta, seguida de caretas na face e escárnios típicos de Dr. Pernóstico que precisa engolir as teorias em moda e salivar raivosamente nas salas de aula. E "pra quê?", cutuca o comodismo. Diante disso, a esperança travestida em Thompson responderia com cigarro em bico: vamos tentar, ora. Tentar!

6 de abril de 2010

ENTUPIDA NO RIO


CONFRONTO - Quem poderia imaginar que, em pleno centro urbano, um ônibus lutaria contra uma correnteza? Pois na Avenida Rodrigues Alves essa briga foi flagrada, depois dos bueiros entupirem com o lixo doméstico. | imagem: Priscila Lima

VALDÍVIA COSTA

O estado de caos amanhecido hoje na cidade do Rio de Janeiro pode sim nos servir de alerta em relação ao lixo doméstico. Certo que a cidade maravilhosa está entre montanhas e mar, que se agita e bloqueia a saída da água acumulada pelas chuvas. Mas uma única medida simples teria evitado os alagamentos e mortes: retirar o lixo das ruas. O desleixo dos sacos nos meios das vias entupiu os bueiros.

O hábito de se colocar o lixo nas calçadas ou na frente de casa é tão antigo quanto o consumo. O problema, muitas vezes, é que as pessoas não sabem a hora de colocarem o lixo pra fora. É preciso um ato intelectual na hora do descarte: parar para pensar antes de deixar o lixo diário na rua, que é recolhido sempre no mesmo horário. Mas muitos colocam o lixo até 18 horas antes do carro da coleta passar.

O problema com essa desatenção ao lixo doméstico causa não só um transtorno, mas o estrago até visual de uma rua, sem contar com as doenças causadas pela água apodrecida após uma enchente. Como todas as metrópolis passam pelos mesmos problemas de esgotos urbanos, feitos aos pedaços ou até não reformados ao longo dos anos, os grandes centros estão na mira das águas de abril.

A situação já está sendo contornada no sudeste. O Estado todo se mobiliza para consertar os estragos causados pelos temporais. O twitter parecia uma biqueira, aparando as consequências das torrentes. Não parou de atualizar o mundo sobre a tragédia. O JornalExtra tuitou agora a pouco: "No momento, 12 escolas já estão recebendo desabrigados' (Jorge Roberto, prefeito de Niterói). #chuvanorio #chuvarj".

Mas e os nossos maus hábitos em relação ao lixo, serão mobilizados? Depois de saber disso, o habitante do Rio vai observar quando a chuva estiver descendo com tudo e tirar o seu lixo da frente de casa pra evitar alagamentos? A estrutura urbana será melhorada, com criações de mais bueiros? É cobrança nacional. Depois de uma situação crítica ficamos a pensar nas possibilidades ou nas mudanças (de fato) que temos de fazer.


HERANÇA: O Rio vai secar de novo, a lama vai sumir com o tempo, mas e o lixo? Vamos continuar deixando-o, como herança, para os que virão depois de nós? | vídeo: Rafs

5 de abril de 2010

VIDA LONGA AO GONZOJORNALISMO


IMPERMEÁVEL - Devíamos criar agências de gonzojornalismo pra falar, de maneira nova, brilhante, sobre os fatos corriqueiros, como Gay Talese sempre pregou: "algo que sobreviva ao tempo"; e não vivermos apurando versões da verdade, tentando escrevê-la da maneira a mais regrada possível. | imagem: Dagomir Marquezi

VALDÍVIA COSTA

Demorei hoje a postar porque estava tentando, imprensando, esmagando a mente procurando alguma palavra sobre jornalismo. É, nunca mais escrevi sobre essa profissão estranha que escolhi pra levar. Aí fiquei delirando que, com essa comemoração do Dia do Jornalista esta semana, teria que "dizer" algo a alguém. Tipo: professora de jornalismo (risos). Bem, aí me veio o gonzojornalismo na cabeça. Seria ele o estilo que salvaria nossa profissão?

Sim, porque, no Brasil, a profissão de jornalista está por um fio de escape, avaliando seu real funcionamento depois da desobrigatoriedade do diploma. Até Bayeux-PB já está desdenhando da gente, contratando qualquer pessoa com ensino médio pra fazer a assessoria de imprensa, trabalhando oito horas diárias, ganhando um único salário mínimo. Na verdade, acredito que o buraco é no subsolo, beeeem mais embaixo mesmo.

O nosso maior erro no Brasil foi ter iniciado essa profissão dessa forma, com a "garantia" diplomática que, no fim das contas, só serve pra aquele profissional acomodadão, que fica achando o máximo dizer que é "formado". Quem está no front de batalha atualmente, degladiando e perdendo sangue, são os perfis mais diferenciados de comunicadores, que dipensam não só a formação como a praxe. A internet é a arena deles.

Mais voltando à problemática dessa decaída profissional, o que eu acho que complicou tudo foi o brasileiro querer se meter a fazer uma profissão intelectualizada respirando um ar comercial. Aí entraram em cena interesses políticos e saíram da briga o conteúdo formador e educativo, além de ter fugido da raia o incentivo à leitura. Com esses desfalques, o time da literatura ficou na reserva, sem chutar no gol.

E isso foi péssimo pra nossa identidade, pra o nosso desenvolvimento como classe trabalhadora bem como pra nossa intelectualidade. Ah, mas os meus colegas da praxe, apaixonados pelo release secão, institucionalizado logo no lead, nem ligam! Para eles, o que importa é o piso salarial, cada vez mais ridicularizado. Lembro bem da época em que, na Paraíba, um repórter policial e um editor metidos a gonzojornalistas tentaram escrever as notícias assim, fugindo à pirâmide invertida americanizada.

E eu, trabalhando no mesmo jornal, numa sucursal, achei aquilo o máximo da revolução jornalística. Ninguém, além de nós três, entenderam coisa alguma dessa proposta inovadora. Recordo que o repórter saiu do jornal muito chateado porque estavam dizendo em todo canto que ele não sabia fazer jornalismo. Os policiais me perguntavam se não tinha ninguém pra "ensinar" o repórter da Capital a "escrever de verdade".

Bom, como ainda nem completei meus 10 anos de batalhas nesse terreno inóspito e árido que é nossa área, ainda no calor bitolado do Nordeste, espero que comecem a escrever, na internet (meio que prevalecerá mais daqui por diante), pessoas com bom nível de leitura. E aí, iniciativas como a Irmandade Raoul Duke de Gonzojornalismo podem ser mais aproveitadas, lidas, comentadas e consumidas. Não vou me estender, pois tá tudo lá, conceito, textos gonzos etc.

Apenas queria despertar o interesse de algum estudante de Comunicação Social por este que, sem sombra de dúvida, tem a verdadeira essência do jornalismo: a criação. Afinal, escrita é literatura e o método da pirâmide invertida é só um jeito americanizado e econômico de se escrever. Eita! Mas não digam isso aos editores de jornais diários. Eles podem lhe marcar como uma eterna foca, que não sabe sequer "arrumar" um texto.


PROTESTO - Vejam com esse repórter do Piauí como seria um telegonzojornalismo abrasileirado, muito mais dinâmico, que causa, através do riso, uma reflexão de um problema factual. | vídeo: Daniel

4 de abril de 2010

A PÁSCOA AMEAÇADA


CRÍTICO - Artista plástico europeu Above ressaltou num stencil o lucro que uma empresa americana teria com a "caça de Páscoa", obra que ele considera como a que mais retrata sua arte. | imagem: Abduzeedo

Neste final de Páscoa, reflitamos sobre o sentido de renascer aplicado ao planeta Terra. "O Planeta como um todo está passando por uma severa páscoa. Estamos dentro de um processo acelerado de perda: de ar, de solos, de água, de florestas, de gelos, de oceanos, de biodiversidade e de sustentabilidade do própro sistema-Terra".

LEONARDO BOFF

A páscoa é uma festa comum a judeus e a cristãos e encerra uma metáfora da atual situação da Terra, nossa devastada morada comum. Etimologicamente, páscoa significa passagem da escravidão para a liberdade e da morte para a vida. O Planeta como um todo está passando por uma severa páscoa. Estamos dentro de um processo acelerado de perda: de ar, de solos, de água, de florestas, de gelos, de oceanos, de biodiversidade e de sustentabilidade do própro sistema-Terra. Assistimos estarrecidos aos terremotos no Haiti e no Chile, seguidos de tsunames. Como se relaciona tudo isso com a Terra? Quando as perdas vão parar? Ou para onde nos poderão conduzir? Podemos esperar como na Páscoa que, após a sexta-feira santa de paixão e morte, irrompe sempre nova vida e ressurreição?

Precisamos de um olhar retrospectivo sobre a história da Terra para lançarmos alguma luz sobre a crise atual. Antes de tudo, cumpre reconhecer que terremotos e devastações são recorrentes na história geológica do Planeta. Existe uma "taxa de extinção de fundo" que ocorre no processo normal da evolução. Espécies existem por milhões e milhões de anos e depois desparecem. É como um indivíduo que nasce, vive por algum tempo e morre. A extinção é o destino dos indivíduos e das espécies, também da nossa.

Mas além deste processo natural, existem as extinções em massa. A Terra, segundo geólogos, teria passado por 15 grandes extinções desta natureza. Duas foram especialmente graves. A primeira ocorrida há 245 milhões de anos por ocasião da ruptura de Pangéia, aquele continente único que se fragmentou e deu origem aos atuais continentes africano e sulamericano. O evento foi tão devastador que teria dizimado entre 75 a 95% das espécies de vida então existentes. Por debaixo dos continentes continuam ativas as placas tectônicas, se chocando umas com as outras, se sobrepondo ou se afastando, movimento chamado de deriva continental, responsável pelos terremotos.

A segunda extinsão em massa ocorreu há 65 milhões de anos, causada por alterações climáticas, subida do nível do mar e aquecimento, eventos provocados por um asteróide de 9,6 km caido na América Central. Provocou incêndios infernais, maremotos, gases venenosos e longo obscurecimento do sol. Os dinossauros que por 133 milhões de anos dominavam, soberanos, sobre a Terra, desapareceram totalmente bem como 50% das espécies vivas. A Terra precisou de dez milhões de anos para se refazer totalmente. Mas permitiu uma radiação de biodiversidade como jamais antes na história. O nosso ancestral que vivia na copa das árvores, se alimentando de flores, tremendo de medo dos dinossauros, pôde descer à terra e fazer seu percurso que culminou no que somos hoje.

Cientistas (Ward, Ehrlich, Lovelock, Myers e outros) sustentam que está em curso um outra grande extinção que se iniciou há uns 2,5 millhões e anos quando extensas geleiras começaram a cobrir parte do Planeta, alterando os climas e os níveis do mar. Ela se acelerou enormemente com o surgimento de um verdadeiro meteoro rasante que é o ser humano através de sua sistemática intervenção no sistema-Terra, particularmente nos últimos séculos. Peter Ward (O fim da evolução, 1977, p.268) refere que esta extinção em massa se nota claramente no Brasil que nos últimos 35 anos está extinguindo definitivamente quatro espécies por dia. E termina advertindo: "um gigantesco desastre ecológico nos aguarda".

O que nos causa crise de sentido é a exitência dos terremotos que destroem tudo e dizimam milhares de pessoas como no Haiti e no Chile. E aqui humildemente temos que aceitar a Terra assim como é, ora mãe generosa, ora madrasta cruel. Ela segue mecanismos cegos de suas forças geológicas. Ela nos ignora, por isso os tsunamis e cataclismos são aterradoras. Mas nos passa informações. Nossa missão de seres inteligentes é descodificá-las para evitar danos ou usá-las em nosso benefício. Os animais captam tais informações e antes de um tsunami fogem para lugares altos. Talvez nós outrora, sabíamos captá-las e nos defendíamos. Hoje perdemos esta capacidade. Mas, para suprir nossa insuficiência, está ai a ciência. Ela pode descodificar as informações que previamente a Terra nos passa e nos sugerir estratégias de autodefesa e salvamento.

Como somos a própria Terra que tem consciência e inteligência, estamos ainda na fase juvenil, com pouco aprendizado. Estamos ingressando na fase adulta, aprendendo melhor como manejar as energias da Terra e do cosmos. Então a Terra, através de nosso saber, deixará que seus mecanismos sejam destrutivos. Todos vamos ainda crescer, aprender e amadurecer.

A Terra pende da cruz. Temos que tirá-la de lá e ressuscitá-la. Então celebraremos uma páscoa verdadeira. E nos será permitido desejar: feliz Páscoa.

*Leonardo Boff é teólogo e escritor.
-----
Fonte: agência Carta Maior

EASTER AIG HUNT from ABOVE on Vimeo.

2 de abril de 2010

TENEBRAR: MÚSICA BOA NA CALÇADA


ESPAÇOSO - Não há aquele velho paradigma de quem paga manda: no Bar do Tenebra só toca música boa e toda a boemada gosta mesmo é de uma comprida calçada. | imagens: divulgação/Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

No começo, a galera tirou onda: "vamos tenebrar?" E assim virou um verbo o modo das pessoas se encontrarem, conversarem e ouvirem música na night de Campina Grande-PB. Nesse neologismo, entra a calçada. Isso mesmo! Uma longa calçada, boa pra se ficar horas papeando, ouvindo música... E essa simples ideia só faz aumentar adeptos. O Bar do Tenebra, na Rua Sebastião Donato, tem dado vida à área apagada do Parque do Povo.

Logo que entramos no bar, pegamos o cardápio e lemos uma mensagem direta: "aqui não tocamos lixo", se referindo ao axé, forró de plástico e outros "estilos" mais bregas. Foi com essa franqueza que o proprietário do empreendimento, Emerson Tenebra, conseguiu manter um público robusto, semanal e fidedígno. Com a incrível pasta de música de mais de 30 mil sons, somente em mp3, ele mantém o charmoso boteco numa trilha seletiva.

Vale salientar que essa seleção mais do que multiplicativa conta com umas centenas de vinis, CDs e DVDs. Ao ritmo da salsa, raga, ska e da world music, mas sem largar mão da boa emepebê e do velho e bom rock, Tenebra comemora dois anos de sucesso e promete novas iniciativas culturais para os músicos autorais da Serra da Borborema este ano.

DE ACORDO COM " - Sabemos que você é uma pessoa de bom gosto musical pelas seleções quase nunca repetidas do Bar do Tenebra. Como surgiu seu interesse pela música? Quantas músicas você tem em seu acervo, eletrônico e físico?

TENEBRA - Costumo dizer que meu interesse pela música surgiu por influência de S. Edmundo José Lins de Sá (meu pai). Sempre que estava em casa, ele ouvia música clássica, ópera, samba de enredo, bem como alguns dos músicos da boa MPB. Sob essa influência eu cresci e depois por intermédio de meu irmão conheci o rock e daí pra frente foram minhas buscas. Meu primeiro vinil comprei aos 10 anos de idade, era o primeiro disco da Blitz (1982). Hoje tenho um pequeno acervo musical, já que a música é infinita. Fisicamente tenho cerca de mil vinis, uma media de 100 fitas de VHS e DVDs de vários músicos e bandas, entre incontáveis CDs e DVDs. No formato mp3 é mais ou menos 110 Gb, que dá algo em torno de 30 mil músicas em HD. Juntando tudo devo ter umas trocentas músicas (risos).

" - A história do teu empreendimento é entrelaçada com a música, a contar com a antiga barraquinha da Cachaça Misteriosa do Encantado em épocas juninas. Conte como começou essa necessidade de ouvir e mostrar sons novos, diferentes e de qualidade para os paraibanos e visitantes de Campina Grande.

T - Bem, começar do início vem antes disso, antes de vir para Campina Grande. Em 2005 já existia um outro bar que era em Maracaípe (litoral sul de Pernambuco). Lá, vi a necessidade de ter um espaço para ouvir algo de bom, algo de novo. Quando cheguei em Campina Grande já tinha o projeto da Cachaça Misteriosa do Encantado. E em 2006 coloquei o quiosque pela primeira vez no Parque do Povo, com músicas regionais nordestinas, de várias partes e estilos... E foi um sucesso total. Por conta de proibições de equipamentos sonoros nos quiosques começamos a fazer música ao vivo, criamos o Maracatu Tenebroso. E depois veio o bar, que era justamente para abrir um espaço maior para a música e seguir os projetos da Cachaça Misteriosa do Encantado. No bar, atualmente, já ouvi coisas do gênero: "O que toca aqui para o povo é o que o povo gosta". E discordo: "é o que o povo tem acesso". Se derem pão seco, comerão pão seco. Se derem com queijo...

" - Com quase dois anos de Bar do Tenebra, você reabriu este ano, após o Carnaval, com uma carga extra de músicas que trouxe da sua terra pernambucana. Quantas músicas ou trabalhos você trouxe de lá e como você escolheu essa demanda? Você dá preferência a um estilo de música ou pega tudo que é bom?

T - Sempre que vou ao Recife visito os amigos e pergunto o que estão escutando atualmente. Daí saio pegando tudo que soa bem ao ouvido. Esse ano trouxe cerca de 1700 novas músicas de lá, mas diariamente estou buscando coisas novas na internet. Como se pode ter preferência? Existem músicas boas em todas as linhas. No bom forró, no bom samba, na boa MPB e também nas músicas do Uzubequistão, de Mali, Cuba, Índia, Irlanda, África e todo o globo. Já ouvi músicas de várias partes do mundo e várias me emocionaram e emocionam até hoje.

" - Você já deu partida a um processo inevitável, que é colocar música ao vivo no seu empreendimento. Como você pretende atuar com essa questão esse ano? Vai ter mais apresentações musicais, com que tipo de estrutura (voz e violão ou com banda)?

T - Música ao vivo é uma questão delicada. Existe a vizinhança, o bar é aberto, complica cobrar ao público, falta a iniciativa privada para apoiar a cultura, falta a compreensão do próprio público, que, por mais barato que você queira cobrar, as pessoas se negam a pagar. Todas as vezes que rola é por conta do bar, que dá uma ajuda de custo, mas nada de muito grandioso. Nós estamos abertos para as bandas, que tenham um som AUTORAL, mostrar o seu trabalho. Não sou muito de banda couver. Acredito que tem que criar, mostrar o novo.

" - Pretendes organizar alguma iniciativa cultural este ano na cidade ou no bar? Qual?

T - Sim. Está vindo aí o São João 2010, muitas novidades. E, se tudo der certo, se conseguirmos fechar os apoios e patrocínios, teremos, ao todo, 8 atrações em 14 apresentações na calçada do bar no período junino. Desde já vai o apelo aos empresários de todos os setores que tenham interesse em atrelar seu nome à cultura que entre em contato com a gente pelo e-mail emersontenebra@hotmail.com. Nosso projeto é de baixo custo e vale a satisfação de apoiar a cultura paraibana. Em breve estará disponível o site do bar. Acredito que até o fim deste mês de abril.

1 de abril de 2010

NA FEIRA OCULTA, O ELDORADO


FAMOSA - A maior parte dos visitantes da década de 1950 da Feira de Campina Grande-PB tinha que comprar na Casa do Charque, hoje mais um prédio histórico abraçado ao abandono... como muitos outros da antes exuberante feira, que é musa de diversos artistas, sobrevivente soberana na cabeça de quem suspira arte, ou nessa crônica fotoprojetada. | imagens: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Respiro um ar puro, mistura de neblina com cheiro de manga. Já tá em época. Passo pela Rua Cristovão Colombo por volta das oito horas da noite e ainda tem feirante arrumando a bagunça. Hoje tem dança até de madrugada, melhor comprar umas mixiricas... Tomara que Zefa queira dançar comigo hoje. Tem jeito não, daquela mulher me querer, meu Deus do céu! (a rua que o boêmio descreve é a da foto)



Antes do Eldorado vou passar aqui na Casa da Loira. Tem umas meninas novas que gostam de ouvir minhas histórias de luta com os caboclos pernambucanos... Vira e mexe, eles vêm pra cá cantar no Cassino e querem pegar todas as mulheres da feira. As pobres são da vida, mas a gente respeita. Elas dão um amor muito especial pra quem tem carinho com elas. Dão mais pra quem é assim do que pra quem chega com bocão, mostrando fartura e notas de 100.



Entrei nesse cabaré cantando, elogiosamente, a música que Jackson tava começando a tirar no pandeiro: "Eu gosto de Maria Pororoca, de Josefa Tributino, de Carminha Vilar... ô minha flor, minha pequena, Campina Grande, minha Borborema..." Todas entraram no ritmo e gostaram.






Depois de uns afagos e tragos, chego ao garboso Eldorado. Dizem que hoje tem um grupo de dançarinas de Paris, que vieram fazer uma dança moderna, chamada Can can.








Essa entrada, sempre tão bem segura, com "leões de chácara" que Zefa traz Deus sabe de onde. Hum... que perfume! Hoje as meninas capricharam!








Vou deixar pra passar pelo paraíso dos 30 quartos no fim da madrugada... A feira hoje foi boa pra o armazém de estivas, mas pai só me deu o merecido. As meninas cobram caro. Só posso visitar uma por semana. Prefiro me deleitar com as moças do salão, ouvindo e dançando uma boa gafieira.






E o luxuoso salão ainda está praticamente vazio. Ai, ai... vou tomar umas cachaças no primeiro andar. Será que Carminha está com Zefa? Meu primo Valfredo vem exclusivamente hoje pra encontrar com ela, que já foi avisada. Tomara que ela bote o vestido de organdi que ele mandou fazer na medida.






O poeta Ronaldo já está no carteado?! Ele não perde uma novidade. Como Zefa traz, nem que seja, uma dançarina nova por sábado, os filhos dos coronéis e dos políticos sempre estão por aqui, como ele, que só faz beber e escrever, a noite toda.



Nossa, como está abafado aqui! Esses ventiladores não estão dando conta. Cadê Zefa e Carminha? Deu pra ver uns carrões chegando... Vou esperar Valfredo tomando minha dose lá no salão. Ao menos está mais ventilado...



Finalmente, Zefa... Tão afetuosa, recebendo no salão de festas. Não sei como podem falar mal dela, que só trouxe alegrias. Sem esse Cassino concordo que seria uma nau à deriva. Na Serra da Borborema a gente vê arte, conversa poemas e sente um frio na barriga ao vê-la, a Zefa Tributino do Eldorado.