INDIFERENTES imagem: mosquito Plenarinho, cavalo Lua. montagem: Val da Costa
Vou mostrar uma série de escritos que tenho guardados... assim preenchemos o tempo com coisas atemporais, poéticas, reflexivas... chega de tanta opinião. Literatura, né?.
O mosquito da dengue e o cavalo marinho
Val da Costa
Eram seres de ambientes distintos, mas com o objetivo comum de aparecer. Por isso, não cabia a eles serem fraternos, unidos ou solidários. A vida traz a urgência do tempo e faz com que seres vivos como o mosquito da dengue e o cavalo marinho confundam valores com defeitos. Daí a questão da depreciação dos iguais, de perseguição política, das picuinhas pessoais se atrelando ao campo profissional. Tudo isso acontecendo entre o céu e o mar.
Um dia, o mosquito da dengue chegou furioso porque descobriu que sua espécie não tinha quase nenhuma representação política em seu habitat. Tentando ele próprio ser este ser megaloblástico, o mosquito avistou o cavalo marinho, que vivia boiando, porque é um bicho aquático mesmo. O inseto, como um animal do ar, não se dá muito com a água, a não ser para nascer, crescer a aterrorizar uma população. O mosquito não sabia o que fazer. Resolveu desabafar com aquele ser aparentemente tranqüilo.
Unindo a situação de aflição do mosquito com a ganância disfarçada do cavalo, os dois confabularam um plano: o domínio de um outro mundo. Como o ar era um ambiente vazio demais e pouco utilizado como front de guerra e o mar já era um local propício ao marasmo, mesmo com uma população plural e barulhenta, os dois novos comparsas resolveram fazer terrorismo em outra praia.
Descobriram, assim, numa busca incessante, que leva qualquer alma ao cúmulo do ridículo, o mundo perfeito para se dominar. Quando encontraram no mundo perdido da fantasia, o denominaram de bojos de sanitatius. Como o nome era muito extenso, prolixo, eles abreviaram-no para rádio, o reino do descaramento.
A fuga parece algo estranho, às vezes. Chegamos a pensar que as coisas estão realmente acontecendo, sendo que tudo não passa de uma “viagem”, como diriam os mais descolados. Não foi diferente para o mosquito da dengue e o cavalo marinho. Mesmo sabendo de suas próprias habilidades e limitações, os dois resolveram atacar de qualquer maneira os inimigos, fugindo a suas realidades.
Pelo Rádio, os dois destroçaram cidades inteiras. O mosquito - com seu ferrão sutil, mas poderoso, capaz de derrubar qualquer sujeito na cama por uma semana – atacou de “entendedor das pobrezas dos insetos”. O cavalo marinho – potente e majestosa figura marinha, cuja a funcionalidade só o mar entende – atirava com boa pontaria em prol das figuras mais anônimas dos anônimos do mundo. Tão trivial e bobo foi o trabalho dos dois que em pouco tempo ninguém acreditava mais neles.
Voltaram para seus mundinhos insignificantes e foram lamentar as mágoas de uma péssima sociedade com os seus ente antipáticos. Persistentes do jeito que são, os dois não abandonaram a idéia do rádio. Pelo contrário, disseram para os outros (e para eles mesmos) que o mundo no qual eles viveram continuaria a existir. E assim é até hoje.
Fevereiro de 2007
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