2 de dezembro de 2009
*opinião - Ética, Estado, Arte e Mercado
MULTICRISE - País enfrentou diversas crises desde o inicio do ano, mas todas controláveis. O efeito de desgaste nos modelos das atuais produções de arte e cultura foi retardado, mas contínuo, de agosto para esse período. | imagem: Coluna Leonardo Brant
Por Leonardo Brant*
(...) Em minha fala no seminário da Fundação Joaquim Nabuco (A Crise na Cultura e a Cultura na Crise), em agosto deste ano, tentei apresentar quatro dimensões para a questão da crise financeira em sua relação com a cultura: a crise Ética, do Estado, da Arte e, por fim, do Mercado Cultural.
Neste primeiro texto quero falar um pouco sobre a minha opção de multidimensionar a crise, com receio de tornar sua análise pontual e desvinculada das mazelas do nosso processo civilizatório.
Confesso que fico um tanto incomodado com a opção da grande mídia de abordar a crise por um viés exclusivamente economicista, para não dizer financista. Parece que tudo não passou de um acidente e que isso poderia ser evitado se não fosse este ou aquele fator isolado. O capitalismo global em nenhum momento está sendo colocado em jogo. Está protegido por uma couraça que, todos sabemos, não passa de uma simples manutenção de códigos e sistemas garantidores de privilégios de uma casta cada vez mais reduzida, que comanda e controla a informação e a circulação monetária no mundo.
Fiquei muito feliz com a opção de Isabela Cribari, da FUNDAJ e do economista Stefano Florissi, de abordarem a crise por sua dimensão cultural e humana. Cristiane Olivieri, também participante do debate, fez uma instigante abordagem setorial que devo comentar e compartilhar em outra ocasião.
Como um conjunto pré-concebido de códigos e comportamentos, a economia global se manifesta de maneira cada vez menos linear, consequência, sobretudo, dos novos processos de sociabilidade e mediação simbólica proporcionados pelos novos instrumentos e tecnologias digitais.
Se os meios de comunicação de massa conseguiram desconetar o ser humano da verdade, substituido-na pelo que é apenas plausível ou possível, ditado por quem possui credibilidade ou verosimilhança, vemos agora uma apropriação voraz do simulacro, por meio de redes socioculturais, blogs, second-lifes e produtos derivativos, provocando uma implosão do sistema de mediação e um choque de credibilidade.
O que poderá acontecer com a civilização, que insiste em considerar conhecimento e/ou conteúdo cultural como mera commodity, quando ela se deparar com a verdade? Não a verdade absoluta, que – como acreditava Gandhi – continuará sendo uma busca, mas algo menos encoberto, filtrado, mediado como na era da media.
O simples estilhaçamento dos vidros de proteção, que blindam o ser humano e o afastam da realidade nua e crua, já nos permitiria encontrar novas possibilidades de transição para um mundo menos monocromático e desprovido de verdades absolutas.
Resta-nos saber se esses mesmos meios serão absorvidos e controlados ou se consolidarão de maneira definitiva como instrumentos de cidadania e participação democrática.
---------------------------------
*Leonardo Brant é pesquisador e consultor de políticas culturais. Presidente da Brant Associados, autor do livro "O Poder da Cultura", entre outros, como a coluna do Cultura e Mercado.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário