29 de janeiro de 2010
SEXO DIDÁTICO
VÍDEO-AULA - Tudo que se realaciona ao sexo devia estar acompanhado de uma campanha visual muito atraente, não necessariamente sexual, mas principalmente educativa, como essa ideia dos franceses. | vídeo: Porco Auto Hoje
Vou mostrar mais uns desenhos daquela revista inexistente, a Muito Prazer. Essa tirinha fiz pensando nas dificuldades enfrentadas na hora da transa. Muitos são os relatos femininos que dizem não gostar de determinados procedimentos sexuais, mas, pra não desagradar o parceiro (ou parceira), o indivíduo acaba calando. Seguindo por aí busquei o que mais ouvia entre as mulheres da minha idade naquela época (por volta dos 25 aninhos). A palavra dor na hora do sexo era uma constante.
Às vezes ouvia histórias de sexo selvagem, essas descartava. Mas as relações 'normais' eram feitas, muitas vezes na pressa do tesão, o que não colocava a mulher numa posição confortável. Depois das noitadas loucas sempre ouvia relatos do tipo: "passei a noite com a periquita doendo... isso é normal?". Imediatamente imaginei uma dessas situações e tracei essa historinha. Desculpem a ingenuidade. Se fosse hoje, eu escolheria algo mais profundo, com toda certeza.
COISINHAS INTERESSANTES
roteiro e desenho: Wal Lucenna
- Aaaai! Pera! Tá doeeendo!
- O que foi amor?!
- Xii... quietinha, amor, já já passa...
- xii nada, meu filho! Estou com uma dispareunia, tá?!
HEIM?!
Dispareunia é o nome de uma relação sexual dolorosa e está entre as queixas mais comuns feitas pelas mulheres aos ginecologistas. Pode parecer invenção da cabeça feminina, mas é mais frequente ser uma doença do corpo mesmo - causada por infecções, a falta de lubrificação vaginal etc. As causas da dispareunia podem ser difíceis de diagnosticar e muitas mulheres acreditam que isso está apenas em suas cabeças, quando na verdade se passa algo mais complexo. Agora, se a mulher tem algum problema crônico com dor, seria aconselhável procurar o médico para uma avaliação meticulosa.
- entedeu agora, meu bem?
- ôu...
28 de janeiro de 2010
'MUITO PRAZER', A REVISTA INEXISTENTE
SENSUAL - a revista não era erótica ou sexual, mas tinha o complexo objetivo de despertar o desejo nas mulheres, com um apelo visual eloquente e descolado. | desenho: Val da Costa
VALDIVIA COSTA
Comecei a revirar a papelada que guardo em casa pra fazer aquele velho 5 Ss e encontro um projeto de uma revista impressa abandonado. Como tudo que é deixado pra trás, a revista 'MUITO PRAZER' está fora de questão. Mas foi o que mais nos martelou a cabeça durante o último semestre do curso de Jornalismo (UEPB) em 2002. O estresse todinho não serviu pra nada. Quase acabávamos a amizade entre as quatro futuras jonalistas por causa desse projeto que inexistiu até hoje.
Mas, coisas abandonadas resgatadas também nos chamam a atenção. Além de um editorial muito louco, cheio de poesia, estava pensando em estrelar na imprensa local como desenhista nesse projeto. Caprichei nas ilustrações. Tirei desenhos eróticos, sensuais e criei por cima o que seria a 'identidade visual' do projeto gráfico. Além de mim, Manu Alves, Andrêzza Castro e Geuba Carla eram as prazerosas idealizadoras dessa revista que seria mais do que gostosinha.
muito prazer,
eu sou mulher e não tenho problemas com o meu sexo. me perdi aos olhos da hipocrisia e me achei nos braços do desejo. sou ativa, sou passiva. não me importo se vou dar ou receber. pra mim, o importante é viver. é ser intensa, cheia de desejo, pra que você goze. e gozar não quer dizer somente o ato em si. gozar é... você sabe. ou não sabe? será que você imagina o que é gozar?
você acha feio dizer o que pensa quando o assunto é esse? você se intimida com essa palavra? acha vulgar? prefere falar orgasmo? ou, simplesmente, você ignora o assunto? ou, inacreditavelmente, você dá um sentido pejorativo ao ato de sentir-se pleno, realizado, mole e repleto de satisfação?
você se interessa em saber mais sobre o seu corpo? em conhcê-lo, sua mente, seu gozo? você tem medo de quem goza a vida? de quem goza na vida ou goza da vida? pois eu sou igual a você. posso ser do seu ou estar em seu sexo oposto. me apresento e exponho minhas descobertas.
sinta-me. toque-me. descubra-me e vá além do que você antes pensava ser o prazer. pois antes de me apresentar e dizer 'muito prazer', eu desejei, eu senti - e pretendo continuar sentindo - muito prazer comigo mesma.
Por que a revista não saiu? Por que éramos pobres. Tínhamos que dividir o nosso tempo de faculdade com empregos castigantes, que nos tiravam a motivação até pela prática jornalística, quisá pela leitura. E isso não ajudou muito na hora da redação, por exemplo. Os textos sempre ficavam com cara de Ctrl C, Ctrl V e optamos por outros projetos independentes.
Como me deu saudades, amanhã posto uma historinha que fizemos, bem educativa, pra nós mulheres que lidamos com homens ignorantes, sem orientação sexual nenhuma, que acreditam piamente produzir nas mulheres orgasmos múltiplos (hi, hi, hi...). Aguardem...
FEMININO - mais do que formar ou informar, a revista seria pra fazer a mulher se sentir capaz de ter prazer, com situações comuns, curiosidades que ouvimos falar no cotidiano, algumas vezes confrontadas com a opinião dos especialistas em sexualidade. | imagem: Val da Costa
26 de janeiro de 2010
MULTIDÃO CAMPUSEIRA
EM CASA: Campuseiros acampam fisicamente em área coberta do maior evento sobre conteúdo de Web e passam a tarde e a noite inteira conectados com inovações tecnológicas das mais diversas. | imagem: Agrega
A blogosfera está cada vez mais prof. Agora é bola da vez no maior evento nacional sobre tudo na internet, o Campus Party Brasil. A terceira edição começou ontem, dia 25, e vai até o próximo domingo, dia 31. Tudo eletrônico que a juventude curte hoje em dia tem no Campus. A zona da Criatividade deve atrair uma grande parte dos blogueiros multimídias ao evento, que é realizado em São Paulo-SP.
Esse núcleo, que deve ser um dos mais geniais do evento, vai tratar de blogs, fotografia, design, música e vídeo. O evento conta com cerca de seis mil participantes somente do Brasil, de acordo com o portal do evento. E a internet lá tem a velocidade de 10 gibabytes por segundo. Dá pra baixar vídeo em 10, 15 minutos.
Tem gente fazendo a festa, baixando antivírus, jogos, programas de edição etc. A Campus também é conhecida como o evento dos Nerds (a galera que tem grande fascínio por conhecimento ou tecnologia), que se apresentaram midiaticamente este ano como Geeks (pessoas peculiares ou excêntricas obcecadas com tecnologia, eletrônica, jogos etc). Ou seja, a mesma coisa.
O evento é uma LAN party com temas diversos relacionados à internet, reunindo comunidades e usuários da rede envolvidos com tecnologia e cultura digital. Realiza-se anualmente na cidade de São Paulo, desde 2008. Mas o nome Campus Party surgiu na Espanha, onde foi realizado o primeiro dos eventos (1997), até chegar a outros países como Brasil e Colômbia.
Vivo premia melhor ideia - A Vivo encoraja os campuseiros a revelarem suas melhores ideias para aplicativos móveis e participarem de um concurso cultural. Como prêmio, celulares modernos e a chance de ver a ideia efetivada por um desenvolvedor. Para isso, o interessado deve se cadastrar na página especial da promoção. O prazo para a inscrição vai até sexta-feira, às 23h59, e o anúncio dos vencedores será no sábado.
Algumas zonas do Campus Party 2010:
Entretenimento Digital
Games
Simulação
Ciência
Modding
Robótica
Inovação
Desenvolvimento
Segurança e Rede
Software Livre
25 de janeiro de 2010
NATAL-RN (ENFIM) É CULT!
DE PONTA: Críticos, músicos e produtores culturais descobriram Natal-RN, o paraíso musical, com sua Camarones Orquestra Guitarrística e Dusouto. Agora o Rio Grande do Norte é rico de sons. Se bem que, pra combater o mau gosto dos emergentes que imperam na metrópole, eles vão ter que ralar mais | imagem (Festival DoSol 2008): Bruno Nogueira
VALDÍVIA COSTA
Cheguei a pensar que Natal-RN só conseguia reproduzir, eternamente, rainhas do forró de plástico. Mas não, me enganei. Ao longo dos últimos anos que me recusei a olhar a cena natalense com mais atenção (com lupa, talvez), os malucos de lá conseguiram ampliar a oferta de bandas e, com isto, construíram uma cadeia musical um pouco mais comentada que a da Paraíba, por exemplo. Natal (enfim) é cult!
E lá vai os links: da black music de qualidade Orquestra Boca Seca, o rock pop teen de Os Bonnies, o rockreggaeska do Camarones Orquestra Guitarrística e a minha preferida de dub e drum and bass Dusouto.
Festivais? Natal também já consolidou o Dosol, que foi sempre super elogiado pela crítica de música. Mas antes, há mais de 10 anos, surgia o primeiro destemido evento contraditório e irreverente aos costumes natalenses, o Festival Mada, que está cada vez mais bonito, pelo menos esteticamente, já que não fui vê-lo em pessoa.
Informações sobre isso tudo que está rolando na cena pululam em diversos canais. Um deles foi apresentado aqui neste blog ontem, O Inimigo, que consegue manter um debate virtual interessante sobre os negócios na música.
Mas tem uns blogs e sites gostosinhos também, como o lado[r]. Foi lá que conheci a excelente Revista Catorze, revi o tradicional Casa da Ribeira, estreei no Hecatombe Intestinal e achei o delicioso 3R's, com seus acessórios reciclados.
Ah! Como em todo canto superaquecido e superpoluído, Natal também mostrou seu lado ecológico preocupado, principlamente com os carros, os deusesmonstros modernos adorados por nós. Dá-lhe Bicicletada Natal! E, lógico, deve haver mais alguma coisa que ainda não conheça. Quem quiser colaborar com links, comentem e enviem suas sugestas natalenses pra gente interagir mais. Por último, vai um videozinho massa mesmo do Dusouto, apresentado por Pedro Luís.
24 de janeiro de 2010
MERCADO DE BANDAS SEM CACHÊS
PARCERIA: Há uma confusão de sentidos quando essa palavra é empregada num mercado de trabalho como o das artes: os mais espertos exigem logo um voluntariado eterno, plural e proativamente generalizado; e os artistas pensam que barganham uma entrada estratégica no mundo dos eventos de médio e grande porte. É justa a troca? | imagem: Mau Humor
VALDÍVIA COSTA
Eles estão em mais de 40 cidades brasileiras. Calango (MT), Dosol (RN), e Abril pro Rock (PE) são só alguns dos eventos musicais da cena independente que surgiram nas últimas décadas. Os festivais integram uma cadeia formada por jovens inseridos num mercado independente violento, no qual, muitas vezes, o trabalho suado de uma banda não vale sequer o cachê. Às vezes, nem a lojística básica pra uma locomoção de um Estado a outro é ofertada na contratação de uma banda.
Em tese, esses eventos deveriam promover a circulção da música que ainda não está inserida no mercado fonográfico nacional. Ou seja, os festivais e feiras realizados por produtores e produtoras culturais tem como objetivo colocar novos trabalhos musicais num cenário que está em constante transformação, como o das comunicações. Parte dessa mudança se deu depois da quebradeira de majors do ramo, na venda de fonogramas, e, recentemente, de algumas casas de shows.
O povo da música começou a ver diferente algumas iniciativas, privadas ou públicas, por causa, principalmente da falta de grana no setor. Mas grande parte da cena está se auto-sustentando com o escambo, uma das formas mais antigas de comércio. Como funciona e se isso está dando certo, com os devidos avanços de qualquer mercado, são alguns dos pontos principais dos gargalos da área musical.
Se há negócios sendo feitos, todos os músicos são atraídos, como cardumes velozes e cintilantes de tantos milhares que se encontram a caminho de um desses festivais. Uns dizem que o problema está na demanda que ultimamente vem crescendo mais do que a procura. Realmente. Isso faz muito sentido.
Se, no Brasil, não temos educação e cultura, se a internet ajudou a alargar as redes de contatos virtuais (mas que procuram música gratuita), não temos mais verdadeiros consumidores de arte e sim experimentadores de nuances, tendências descartáveis ou mutantes, de acordo com essa onda de interesses cibernéticos. Teremos, assim, cada vez mais, uma possibilidade de concorrência desleal nesse mercado pra cooptar um público consumidor plural, quase eclético (argh!), que ouve desde Fresno ao Macaco Bong (MT).
Como não sou expert no assunto, apenas observo atentamente o que dá pra absorver pela net, vamos deixar esse papo pra quem entende do assunto. Na Sala de Tortura, O Inimigo entrevistou uma dessas crias desse circuito, Pablo Capilé, um dos cabeças do Circuito Fora do Eixo, Abrafin, Cubo e outras iniciativas da música independente em evidência.
O papo rende muito, como a discussão sobre as redes de coletivos de arte e cultura, que crescem como uma cabeleira selvagem grudando as pontas em dreds ultra-modernos, articulados com milhões de fios da cibercultura. E muito músico chiou nessa primeira entrevista virtual que aborda uma temática econômica, permeada pela matéria-prima de qualquer evento desses, a música.
23 de janeiro de 2010
TOTALMENTE SACAL
INDEFESOS - animais são o alvo da nossa imundície plastificada | imagem: Saco é um saco
VALDÍVIA COSTA
Ontem sonhei que eu era um dragão com sete cabeças de sete sacos plásticos multicoloridos e distintos. Tudo começava com uma luta entre as minhas cabeças. Todos os sacos abriam um buraco com lança-chamas ardentes e fuligentas, negras, espessas, que torravam umas as outras, numa tentativa psicodélica de auto-destruição. No fim da chamuscada e tortuosa batalha, a cabeça de saco plástico azul vencia, estonteada pelas queimaduras. Mas eu caia, morta, fedendo a plástico queimado.
Seria algum tipo de psicopatia atentar contra as sacolas plásticas? Extingui-las é essencial. Gostaria de ver a terra livre, transpirante, sem a asfixia dos sacos. Os mares estão enjoados, verdes de maresias entojantes por causa dessa onda totalmente sacal de termos pouco menos de 30% de água limpa nos sete oceanos do mundo...
E vem as cordilheiras de sacolas, arrastadas pelas correntes marítimas, entrecruzadas e rebeladas por entre os continentes, arrastando toneladas de outros balés verdescurecidos de pneus, frascos de Leite de Colônia, flores de plástico (elas não morrem mesmo) e demais descartados, invasores involuntários das profundezas dos oceanos poluídos, diretamente para as bocas do bichos marítimos, como as tartarugas. Talvez meus descendentes não conheçam esse animal.
Somos toupeiras "tekadas" esburacando o planeta. Um exército com mais de sete bilhões de fornalhas devastadoras mastigando o verde, queimando-o, entupindo as artérias terrestres com os sopros saturados dos nossos gases, dos elementos do consumismo que criamos e da nossa ignorância avantajada que rejeita a reciclagem.
21 de janeiro de 2010
TONINHO BORBO COM BANDA
EXPERIMENTAL SAMBA GROOVE - Produzido pra dançar e refletir, o show conta com um baixista e um baterista styles, Orlando e Edmar (Aerotrio). Tudo amanhã (22), na Praça Antenor Navarro, centro histórico de João Pessoa-PB, a partir das 22h30 | imagem: divulgação
O Experimental Samba Groove começou com uma ideia de unir a música de Toninho Borbo com uma roupagem eletrônica do sound system fzH0. Atento às sonoridades também na poesia, o artista fez uma parceria com a dramaturga e escritora Lourdes Ramalho. Agora para completar o moinho de experimentos sonoros nas novas letras do músico, ele acoplou ao novo trabalho a sofisticação do baixista Orlando Freitas e do baterista Edmar Travassos.
Brincar com os formatos artísticos de um show no palco não é uma novidade para o músico paraibano, que formulou o novo som com o cuidado poético engajado já conhecido dos seus três CDs. Isso tudo somado ao ragga, samba, rock, e ritmos regionais como o coco e a embolada que formam uma só pegada sambagrooviana.
O som é um mix da pegada do violão brasileiro com colagens e bits eletrônicos. Dançante, como a matriz sonora nacional, o trabalho ainda aponta dados sensíveis da sociedade, característica recorrente nos textos críticos e poéticos do músico. O contorno é a música eletrônica do fHz0, o arquiteto que desenha os samples e texturas. Essa união causa uma atmosfera densa de impressões sonoras, com participações literárias, a exemplo da poesia de Castro Alves (Navio Negreiro).
Na vontade de misturar música pop e regional, Toninho Borbo fundiu o Experimental Samba Groove. Desta forma, ele coloca pra se ouvir aspectos místicos e fantásticos da cultura popular ao mesmo tempo em que fala sobre a realidade concreta e instrumental de uma sociedade alicerçada na conversão veloz dos seus significados simbólicos.
Assim foi o surgimento da música A Feira, feita em cima da poesia de Lourdes Ramalho com o coco-eletro-bit dos músicos. A arte, no contexto geral, é o que se coloca no vértice agudo da manifestação mais que atual desse novo show, que em breve será o quarto CD do músico. Nele, Toninho mostra maturidade profissional antenada com o mercado global.
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colaboração: Assessoria Toninho Borbo
20 de janeiro de 2010
WANDO, O NÃO-CANTOR
ARTISTA - Wando não sabe tocar, cantar, dançar, pintar, esculpir, compor (nem escrever), mas sabe fazer um público gostar dele, de graça | imagem: Val da Costa
Wando é um adolescente de 13 anos, mas aparenta ter cinco ou seis. Dizem que foi um trauma que atrofiou seu crescimento. É um menino negro que não fala, mas escuta, e é popularíssimo. Se falasse, seria eleito vereador ou algo assim. Todos conhecem Wando na Feira Central de Campina Grande-PB. Ele vive a andar, chupando o polegar, com uma camisa pendurada no ombro (que às vezes ele perde) e uma barriga grande, exibicionista.
Ainda esta semana, quando retornava pra casa, lá estava Wando no comércio de ferragens do vizinho. Ouvi quando um dos ajudantes de Paulinho, dono da loja, disse: "olha o que Wando fez", mostrando o tranquina com uma tarja prateada que ele mesmo tinha pintado no peito, de tinta óleo, vale salientar. E haja gestos desordenados, de uma linguagem que não é a Libras, mas algo parecido, pra explicar o que o artista pensou ter pintado em seu corpo-tela.
Neste mesmo dia teve um blecaute lá em casa, por volta das 16h00. Achei estranho, ainda mais porque as serralharias continuaram funcionando. Dava pra ouvir as serras tocando o seu heave nos metais. Pensei que o levado do Wando seria ruim o suficiente pra estar envolvido naquele apagão sem sentido. Toni ainda duvidou. Mas resolveu perguntar, do alto do segundo andar, onde moramos, ao pai de Wando, o Buldogue, se a chave de energia geral, lá embaixo, em frente a casa deles, estava desligada. Estava!
Quem desligou a chave? Wando, que se entregou sorrindo e sem jeito. Mas Buldogue não quis saber e jogou a ameaça: "se você mexer aí de novo eu toro sua munheca, tá ouvindo Wando?!" O menino balançou a cabeça imediatamente e ficou por ali, desconfiado, olhando o chão. Não ficamos zangados. Pelo contrário, rimos muito. Descobri que tinha sido ele porque de outra vez o pegamos com a mão na massa, Toni reclamou... foi uma onda.
Antes desses episódios, Wando ganhou uma pipa toda rasgada de Toni. A partir desse dia, nasceu um ídolo para Wando. Toda vida que Toni sai, quando o garoto está na rua, corre sorrindo, imitando uma guitarra com as mãos na roupa, tocando a ilusão da infância. Às vezes rola um abraço. Quando o artista da rua está carente, abraça todo mundo, melando a todos por igual, com graxa de bicicleta.
Essa é a matéria-prima predileta de Wando. Embaixo do prédio onde moro, o proprietário do imóvel, Seu João, conserta bicicletas o dia todo. Quando não está comendo, pedindo comida aos feirantes ou sendo procurado pelo pai aos berros, Wando é ajudante de Seu João. Sem que o bicicleteiro saiba. Por que, quando Seu João percebe que Wando está por perto mexendo naqueles milhões de parafusos, começa a dedurá-lo pra o pai.
Buldogue larga os ferros de lado, vem com tudo pra cima de Wando, que, assustado, receioso de levar uma surra de chinelo, alisa o queixo diversas vezes dizendo "hã-hã-hã-hã", que significa um pedido de desculpa e um "por favor, pai, não me bata!". O castigo de Wando é ficar trancado em casa.
Ele, o pai e um irmão de 15 anos moram num vão único, que é também a loja de Buldogue consertar portões de ferro. Acredito que não tenham saneamento, pois quando eles tomam banho, a água ultrapassa os portões fechados pra rua. O lugar é na Cova da Onça, antigo beco perigoso da cidade, hoje apenas uma rua de pessoas carentes, bêbados, prostitutas.
Acredito que a situação dessa família é mais de desorganização do que pobreza. Eles têm o que vestir, o que comer, o pai trabalha, ganha dinheiro. Mas nenhum dos adolescentes de Buldogue estuda. À noite, quando todos estão jantando, por volta das 19h00, Wando vai dormir. Na carência de uma mãe, que dizem, ele nunca conheceu, o garoto passa alguns minutos se auto-embalando numa cantiga de ninar. "A-a-a-a-a... a-a-a-a-a-a..."
A música mais conhecida da Feira balança também meus pensamentos noturnos de solidão e desapego. Como se pode ser feliz sem nada do que pensamos ser, de fato, essencial? Ou o sorriso de Wando não é de alegria e sim de ator, já que ele é um artista?
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nota: Ficou fã de Wando? Tem mais fotos dele no flickr Zangarelhas (slides à esquerda)
19 de janeiro de 2010
BOQUEIRÃO-PB SECA POR LITERATURA
WATER CULT - Depois de incentivar a literatura, Boqueirão deixou de ser "cidade das águas" pra se tornar "cidades das rimas e das letras", sem "secar" o açude paraibano Epitácio Pessoa. "Depois de sentir o calor e a monocromia da caatinga, é uma delícia descansar os olhos naquela água azul. O vento fresco e um banho também reavivam qualquer moribundo" - Fábio Magnani | imagem: Blog de Motociclismo
A arte paraibana está andando com pernas curtas ultimamente. Fora do eixo João Pessoa-Campina Grande (esse eu criei agora), quem tem gerado os festivais e eventos artísticos no Estado é o Interior e sua gente guerreira. Os caririzeiros, como sempre, são os amantes das artes. O município de Boqueirão, por exemplo, com quase 16 mil habitantes (Wikimapia) e o título de "cidade das águas", trocou o slogan pra "cidade das rimas e letras". Acreditem, ela promove a literatura estadual.
Primeiro veio um concurso litarário chamado Prêmio Cactos de Poesia Regional 2010. Agora, na segunda edição do evento, o Cariri paraibano terá a 1ª Feira Literária de Boqueirão (Flibo 2010). Os dois eventos são realizados pela Associação Boqueirãoense de Escritores (Abes), com o apoio do Centro de Formação Artística de Boqueirão (Cefar), prefeitura municipal e Sebrae Paraíba.
As inscrições pra o concurso já começaram ontem, dia 18, e seguem até o dia 12 de fevereiro. Mas a Flibo mesmo só vai rolar de 18 a 21 de março. Democrática, a iniciativa é aberta a todos os residentes na Paraíba, com excesão dos poetas que fazem parte da diretoria e conselho de ética da Abes. As obras devem ser inéditas, originais e exclusivas no idioma português. O tema é livre e não será cobrada taxa de inscrição, mas, também, não será oferecida premiação em dinheiro. Talvez role uma macambira de madeira ou um troféu simbólico.
Até porque o intuito do evento não é o de materializar uma iniciativa coletiva, em prol da escrita, que visa a promoção dos poetas e o intercâmbio de ideias na busca de espaços para divulgação. "Além disso, o concurso também vai fomentar a discussão entre artistas e população. Daí vão surgir os espaços para manifestações entre educadores e educandos, para um maior crescimento cultural", completou o gestor cultural de Boqueirão, Erasmo Rafael. O concurso vai, ainda, descobrir novos talentos da poesia paraibana.
INSCRIÇÕES - Os interessados devem procurar ou enviar material a secretaria de Cultura e Turismo, na Rua Nossa Senhora do Desterro, 658, Bairro Novo, CEP: 58450-000, em Boqueirão. O material enviado pelos Correios deve ter escrito "II Concurso Literário – Prêmio Cactos de Poesia Regional 2010, A/C Mirtes Waleska Sulpino". A data de entrega final, comprovada pelo carimbo dos Correios, é até as 14h00 do dia 12 de fevereiro.
PREMIAÇÃO - A comissão do julgamento das obras será formada por quatro jurados experientes na cultura regional, que atribuirão notas de 0 a 10 ao material inscrito. A premiação do II Prêmio Cactos de Poesia Regional 2010 acontecerá no dia 20 de março, a partir das 19h30, no Centro de Formação Artística de Boqueirão (CEFAR) de Boqueirão.
INSTRUÇÕES - Conforme o edital do concurso, só serão aceitas inscrições pessoais ou via correio. Cada poeta poderá inscrever apenas uma poesia e a mesma não poderá conter mais que duas laudas. A formalização das inscrições se dará com a entrega das poesias datilografadas em espaço dois ou digitadas em espaço simples (Word), em quatro vias. Os textos devem estar identificados com nome, endereço completo, telefone, e-mail e um breve currículo.
contatos: flibo2010@gmail.com | Mirtes Waleska Sulpino: 83-9132-7970
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colaboração: assessoria de imprensa de Boqueirão
17 de janeiro de 2010
SOMOS NOSSA DIGNIDADE
CEGOS - Não há democracia sem respeito aos direitos humanos, assim como não é possível garantir quaisquer direitos fora do regime democrático - Margarida Genevois | imagem: Grooeland
NEI ALBERTO PIES
Festejar os 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) significa re-significar o sentido dos próprios direitos humanos. Nascidos num contexto de barbárie, após a II Guerra Mundial, a humanidade aspirou novos valores para conduzir a própria história: a paz, a dignidade humana, a justiça social, o desenvolvimento, a democracia. No atual contexto brasileiro, é preciso reconhecer que ainda precisamos ensinar e promover muito nossa cidadania para promover direitos humanos.
Direitos humanos são uma construção histórica e se fazem através de muita organização e luta. A diversidade (da vida, dos pensamentos e das culturas) estão na base de sua construção. Somos iguais, e diferentes. E o reconhecimento das necessidades humanas significa reconhecer em cada um e cada uma a idéia de que todos somos "sujeitos de direitos". Somos sujeitos de direitos, capazes de nos reconhecermos nos outros, e com eles, na interação, agir para transformar realidades de discriminação, preconceito, privilégios, domínio ou exploração, exclusão.
As nossas maiores lutas, individuais ou coletivas, visam o reconhecimento de nossa condição humana e as nossas potencialidades. Por conta disso, direitos humanos pressupõe dignidade, esta palavra de tão difícil conceituação, mas de fácil percepção quando ausente nas vidas humanas. Reconhecidos, estamos em condições de realizar o nosso maior desejo humano: a felicidade. Sim, pois é para isto que vivemos, que lutamos e que sonhamos, a vida inteira.
A cultura brasileira, entendida como nosso modo de ser, pensar e agir coletivos, ainda carrega ranços que não nos permitem plena liberdade e plena cidadania. Muitos brasileiros entendem direitos como favores, ou como sorte. Como uma democracia recente, carecemos de habilidades políticas para vivermos bem a nossa democracia. Os gregos concebiam democracia como a arte de governar e ser governado. Neste contexto, compreende-se, de fundamental importância, o papel da educação. O cidadão, imbuído de sua condição de portador de direitos e o Estado promovendo os direitos humanos, através de políticas públicas, extensivas a todos e todas.
REEDUCAR - A educação em direitos humanos significa educar para a democracia, oportunizando que os cidadãos tenham noção de seus direitos e deveres e que lutem por eles - Nei Alberto Pies | imagem: Tita Ferreira
É papel da escola, e da educação, contribuir para a compreensão do mundo, para uma melhor inserção nele. A cultura de direitos humanos sugere condições em que ocorram a tolerância, o diálogo, a cidadania, a diversidade. Deve também permitir a liberdade de organização e luta aos grupos organizados em torno de seus direitos. Deve exigir um Estado protetor e promotor de direitos humanos, e não violador da vivência da cidadania e das liberdades.
A consciência, quando transformada em luta (diária, cotidiana, permanente) garantirá a exigibilidade de nossos direitos. E esta luta não é solitária, como ensina Gonzaguinha:
"... aprendi que se depende sempre. De tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho, por mais que pense estar".
A dignidade, da qual todos somos portadores, abre horizontes para a necessidade do outro. Eu, você e nós só seremos felizes se pudermos compartilhar vida plena, na humanidade que reside em cada um e cada uma de nós, sendo iguais nas nossas diferenças
NEI ALBERTO é professor e ativista de direitos humanos.
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colaboração: Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Culturais (Cepec)
15 de janeiro de 2010
RECIFE SOB AS ÁGUAS DO ATLÂNTICO
SUBMERSA - deputado pernambucano viu estudos científicos que apontam Recife como uma das 100 cidades a serem inundadas pelo mar | imagem: Toinho de Passira
Vou reblogar um texto que fala do desaparecimento de Recife-PE e outras 99 cidades do mundo que também sumirão consumidas pelas águas do Oceano Atlântico, aumentadas com o derretimento das geleiras no processo do aquecimento global. Depois de 2012 (o filme), o tema da devastação da humanidade pelos processos naturais, pelas catástofres, tem atormentado muitos, mas o recifense tira essa paranóia de letra, afinal o carnaval está chegando e o que importa neste momento é o frevo.
No blog de Jamildo, onde peguei esse textinho, tem os comentários dos pernambucanos, despreocupados com essa visão do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), do fim do Recife. Um deles até agradece a Deus a fatalidade, que impedirá a candidatura a prefeitura desse político (risos). Com o nome "Visite o Recife antes que desapareça", o texto mostra surpresa ao ver Recife nessa relação catastrófica.
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RAUL JUNGMANN
Foi um choque. Numa das principais praças de Copenhague, no centro de uma exposição dedicada a 100 lugares para serem visitados antes que desapareçam, um painel com o Recife e uma foto da praia de Boa Viagem!
Na praça, agora coberta de neve, as pessoas fazem fila e tiram foto dessa exposição realizada por uma Ong dinamarquesa com base nos relatos do IPCC, painel técnico da ONU sobre mudanças climáticas com mais de 2.500 cientistas.
Pergunto a um dos organizadores o porquê da escolha do Recife como um dos 100 lugares no mundo a se visitar antes que desapareça, fruto das mudanças climáticas. Ele me responde singelamente que a escolha deriva de dois fatos. Os relatórios técnicos do IPCC sobre os riscos para cidades costeiras, e a situação particularmente crítica do Recife. E, em segundo lugar, a importância, história e população da nossa capital.
Converso mais um pouco com ele, compro o álbum de fotos para mostrar ai no Recife quando chegar e saio da tenda armada no meio da praça de volta à neve e ao frio intenso. Incrédulo, volto ao painel no meio da neve e o fotografo. Acho um absurdo, mas está lá.
Somos o número 18 entre 100 localidades que, dizem eles, devem desaparecer. Releio o texto em inglês abaixo da grande foto de Boa Viagem. Ele fala um pouco das nossas origens, história, cultura. E destaca que tivemos a primeira sinagoga das américas, durante o período nassoviano.
Sinceramente, não creio que iremos desaparecer. Me recuso a crer, acreditar. Mas, que aquilo ali no meio da praça é um sinal, um alerta, sem sombra de dúvida que sim. independentemente de qualquer coisa mais. Nós estamos na mira. Enquanto o mundo começa a nos encarar como uma espécie de Jurassic Park, não vemos o mundo. Melhor, nós estamos cegos para o mundo, para as mudanças que virão, que já não são uma possibilidade, mas uma realidade presente.
14 de janeiro de 2010
O CONSUMISMO E AS CRIANÇAS
REFLEXO - "Lacan assume que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significante latente que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente." Fernanda Mussalim (2006) | imagem: Maura Xerfan
SHIRLEY HUNTHER
Vivemos fazendo e ouvindo discursos. Muitos deles desiguais, superiores, repressores. "A classe dominante, para manter sua dominação, gera mecanismos que perpetuam e reproduzem as condições materiais, ideológicas e política." Althusser (1970). A prática social, através dos aparelhos ideológicos, carrega em si a desconstrução de um modelo de representação de valores e poder em cima das classes menos favorecidas.
Daí a relevância de se estudar gêneros textuais específicos da mídia, como a propaganda para o público infantil, que pode ser argumentada pela condição promocional da cultura contemporânea, que estabelece uma estreita ligação entre a publicidade, valores sociais e o papel ideológico da mesma. A propaganda possui um discurso persuasivo, tentando manipular as pessoas, nesse caso as crianças, para comprarem um estilo de vida além de sua realidade.
Atualmente é nítido o desinteresse das crianças por aquilo que lhes seria genuíno; O brincar passa a ser um hábito e o consumo exibicionista chega ao ápice da diversão. A televisão é um meio em que a publicidade mais atinge as crianças e a dificuldade dos pais driblarem a sedução dos anúncios voltados para o público infantil gera polêmica. Em todo o mundo há instituições para se combater abusos e até quem defenda a proibição desses comerciais, é o caso da ONG Instituto Alana. Segundo a Presidenta, Ana Lucia Villela, "as crianças ainda não conseguem criar um juízo de valores sobre o que vêem na televisão. Até os seis anos de idade elas não sabem o que é comercial ou programa."
Todavia, para que uma propaganda possa melhor convencer uma pessoa a comprar algo do que ela não necessita, ela é, em sua maioria, formada por um texto cuidadosamente selecionado em seus componentes lingüísticos e em seus componentes visuais. Assim devemos avaliar melhor o que lhe está sendo oferecido. Mas, como fazer com que uma criança entenda quando seu super herói está a frente da própria mensagem? Até os seus primeiros seis anos de vida elas não sabem distinguir isso, como afirma a Presidenta do Instituto Alana em São Paulo.
Sabe-se que é muito mais fácil fixar um hábito durante a infância, já que é nesta fase que a percepção está sendo estruturada tornando-se também mais difícil modificar algo assimilado nesse período. Hoje, enquanto a criança cresce, se estrutura, sua percepção é a do consumo como o grande prazer, gozo maior que o brincar, o aprender com a experiência, o construir seu conhecimento com o mundo da vida, das relações dialógicas, verdadeiras.
vídeo: Maura Xerfan
Com isso, as propagandas têm inovado sua apresentação de forma abusiva. A maneira que apelam para se obter a atenção de um possível consumidor é que prejudica a saúde e o desenvolvimento do caráter, personalidade e auto-elevação de consumo. A cada dia vemos nos intervalos dos programas de TVs, pontos de ônibus, lanchonetes, bancas de revistas, outdoor, concessionária de veículos, shoppings etc. "Mas, nosso foco é a televisão", fazendo propagandas para chamar a atenção dos consumistas e das crianças.
O discurso é usado como veículo para vender produtos, ideias, serviços, pessoas. Além disso, tudo que as empresas precisam naquele momento é atingir seus objetos, ou seja, o de "vender". Lacan (2002) mostrou que o inconsciente se estrutura como a linguagem. O inconsciente é o discurso do outro, assim o desejo é o desejo do outro.
Sendo dessa forma, há publicitários que, para criar suas peças, usam resultados de uma "testagem" que revela entre outros dados, desejos irrefletidos nas crianças, com estruturas levianas sobre as quais se movem. E com elas a publicidade trabalha na formulação dessas peças, numa ligação do inconsciente com o prazer que o produto irá remeter à criança.
A garotada aprende que só será reconhecida como parte desse universo, que é o imaginário construído a partir de um hábito adquirido pelos veículos de comunicação, se adquirir esses produtos. As sensações de "pertencimento", necessárias para a construção de sua identidade, passam pela incorporação, em seu funcionamento mental, de aspirações homogêneas e do padrão de consumo que as atende.
imagem: Maura Xerfan
Precocemente, a meninada é induzida a crer que os produtos de grife são sua identidade. Com essas marcas, como segunda pele, elas se sentem poderosas, meninas e meninos se tornam assim, propagandas sem custo, como outdoors ambulantes. Fantasias de completude, ideias de poder, domínio de ter acesso ao que o outro não pode ter, do que essa criança vale é o que acontece nesta maneira de viver. A vontade fala mais alto que a necessidade.
Para alguns falta o presente, pois em seu mundo mental o objeto de desejo é o ser consumível. Observamos, por exemplo, que em algumas escolas de classe média alta, as crianças já mostram status uma com a outra. Segundo a psicanalista Ana Olmos (2009), "as crianças, sem perceberem, consomem para dizer ao outro sobre elas próprias, para dizer para elas próprias quem são".
Difícil é negar um pedido de uma criança, principalmente se esta é nosso filho. Tiramos dinheiro do bolso pra comprar aqueles montes de presentes, pouco úteis e que em poucos meses vão ser largados nos cantos da casa para serem substituídos por outros. Uma emissora de TV Inglesa constatou que, por algum motivo, as propagandas veiculadas pela manhã têm impacto sobre o cérebro.
As pesquisas também estão descobrindo que as propagandas podem ter efeito oposto ao que pretendem, mas a verdade é que o consumo do público infantil vem aumentando. Criança é alvo fácil e de grande consumo, por isso, as empresas de publicidades estão investindo mais nos horários diurnos, onde o maior índice de programas voltados para esse público é bem maior. É pela manhã que aparece seu super-herói na tela e não no horário nobre.
As propagandas existem para influenciar pessoas, pensamentos e seu comportamento de acordo com o interesse do patrocinador. O segredo delas é o envolvimento emocional que elas tentam proporcionar a seu público-alvo e aplicar estas técnicas é fácil. Os propagandistas descobriram também que a falta do convívio dos pais com os filhos está diretamente ligada ao consumismo exacerbado dessas crianças. Os pais passam a realizar tudo o que o filho deseja, desde uma marca de celular a um hambúrguer.
Como atender então essas demandas ilimitadas se os nossos recursos são escassos? Isso mesmo, a nossa grana é curta e nada adianta ganhar um sorriso infantil se o cheque especial está no vermelho e o rotativo do cartão de crédito não mais pode ser usado. Ou, se o nosso plano de previdência anda de dieta há vários meses. Por outro lado recusar a compra de qualquer produto licenciados por personagens infantis acabaria dando um mal-estar muito grande com os garotos.
Dá um basta radical para esses apelos infantis não é a melhor saída. Uma sugestão do economista Mauro Halfeld, colunista da Revista Época e da Rádio CBN, "é fazer um bom acordo com as meninas e os meninos. Usar um desses produtos que eles querem adquirir como recompensa para as missões importantes. Por exemplo, um excelente resultado na escola, ou uma bela arrumação no quarto. Não estabelecer missão fácil e fugir dos prêmios mais caros".
As crianças querem usar roupas de grife, tênis de marca, porque neles estão expressos, embora que simbolicamente, a que meio social pertence, ou que a ele deseja pertencer, tudo isso pautado no consumismo. É como se fosse uma áurea que envolve o produto. Por que nesse jogo de interesse as crianças crescem com um novo pensamento, com novas ideologias, elas deixam de "Ser" para "Ter" e passam a "Ter" para "Ser".
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Shirley Hunther é relações públicas e jornalista da Graúna - Juventude, Gênero, Arte e Desenvolvimento; assessora direta do Programa Pedro Paulo na TV (TV NOVA); pós-graduada em Linguística do Texto e do Discurso.
12 de janeiro de 2010
SOBRE A CAFUSSAGEM
COMPLEXO - um dos maiores exemplos vivos de uma grande cafussagem: som pra estourar os miolos. Além de brega ao extremo, Freud já explicava que quanto maior o carro de um homem, menor é seu pinto ou sua funcionalidade. E eu completo: o mesmo vale pra o som do carro. Reparem nos cafussus na foto, se sentindo alguém pela primeira vez na vida... imagem: Consulado Social
VALDÍVIA COSTA
Escrevi esse texto em minha agenda de 2006. Estava em meio a uma comemoração de fim de semana numa cidade de pouco mais de 30 mil habitantes. Não vou citar detalhes pra não constranger quem estava comigo. Mas era numa mesa de um boteco onde eu estava, com uns colegas de trabalho. Todo mundo enchendo a cara, se esbaldando na cafussagem e eu filosofando... Tenho uma atração por observar esses exageros humanos. Por que os temos ou os cometemos? É natural do ser humano ser cafussu?--------------------------------------------------
*O termo cafussu é uma gíria bem conhecida no Nordeste brasileiro. Existe um bloco carnavalesco em João Pessoa (Cafuçu, com cedilha) que tem uma farta mostra visual do que seria este ser, que amedronta pela barbárie cafussônica, mas não morde. Para gerar os termos derivados que criei (cafussagem, cafussódromo etc.), tive que adaptar a palavra raiz com dois esses. Queria pesquisar os cafussus cientificamente...
Fazer parte do todo não é fácil. Como invisível partícula que integra o caos universal, estou absorvendo impurezas intelectuais... e vomitando pensamentos inúteis e dispensáveis para a ocasião. Mas o barulho que eles chamam de forró eletrônico, o sentido de falsa liberdade que eles têm e o meu rejeitar daquilo tudo me faz questionar o motivo e a existência das barreiras culturais.
Elas existem, impostas por nossas intolerâncias humanas. Elas afastam os seres humanos e se impõem entre as culturas. Misturá-las, de vez em quando, é uma opção psicodélica. Triturá-las no grande liquidificador que une tudo numa mistura consistente e humana é o preparo para se conseguir fazer parte do todo e assim não ser “besta”, orgulhoso ou arrogante.
O tolo, o superficial, o momentâneo, não é repelente ao ponto de me prender sempre ao meu intelecto ou de afastar outros pensadores até bem mais inteligentes. Mas me aproximo pelas pessoas, pelas relações sociais presenciais desgastadas, pelos risos e pelas despretensiosas amizades fugazes, sazonais. Não porque gosto.
Não quero dizer com isso que todos me fazem bem nesses contatos, mas quero querer bem a todos, sem descriminações de preferências, mesmo essas que nos são empurradas de goela abaixo. Acho importante os novos contatos pessoais. Procuro-os como quem procura adoçar o amargo para obter um sabor diferente. Como todo contemplador, odeio a rotina.
Interessa-me o oposto justamente pela possibilidade de perceber o diferente e tentar compreendê-lo com a mesma vontade que me fez conhecer o mundo o qual escolhi pra atuar, profissional e pessoalmente. Até porque não ficamos tão distantes assim da cafussagem. Quem nunca teve uma infância ou adolescência carregada de determinadas conturbações que atire a pedra da intelectualidade. Todo mundo foi alvo das breguices midiáticas globais.
No entanto, ocorreu-me um questionamento no momento de indecisão entre se escolher Calypso novamente ou a paraibana Magníficos pra se ouvir e dançar. A sensatez humana é para o homem proporcionalmente oferecida como o pão e o circo? Creio que não. Então não posso deixar de observar ou de criticizar as circunstâncias cafussônicas. Jamais deixarei de concatenar minhas ideias ou abandoná-las por essas banalidades. Até porque é tudo tão repetitivo que dá náusea na cabeça.
11 de janeiro de 2010
OS TRASTES E O SUICÍDIO
CUECÃO - Os trastes de Brasília e o suicídio altruísta de Durkheim | imagem: Blog da Mary
LUCIANO OLIVEIRA
Sabiam os senhores que em outras plagas - nos EUA, na França e mais recentemente até na Coréia do Sul - acontece vez por outra de um corrupto suicidar-se? Para Durkheim, eles estariam de tal forma identificados com os valores socialmente aceitos, que não suportariam conviver com a acusação de tê-los infringido.
Depois das esdrúxulas imagens dos corruptos de Brasília escondendo dinheiro nas meias e cuecas, e da surrealista oração conjunta de três desses cafajestes agradecendo a Deus a existência de um deles, a minha impressão é a de que não adianta esperar que cheguemos ao fundo do poço; que esse poço não tem fundo; que, portanto, qualquer indignação não tem mais sentido; e que, finalmente, para que os políticos brasileiros tomem jeito, é preciso romper a lengalenga das conclamações por “rigorosas punições” para esses trastes - porque todos no país, eles em primeiro lugar, sabem que elas não virão. Que fazer então? Como dizia uma marchinha de carnaval dos anos 50 - “pensar / professor / pensar...”
Pois bem, comecei a fazê-lo. Sabiam os senhores que em outras plagas - nos Estados Unidos, na França e mais recentemente até na Coréia do Sul - acontece vez por outra de um corrupto suicidar-se? Foi por aí que o meu pensamento começou a desenvolver uma reflexão que não sei se classifico no departamento da chanchada ou do drama. O leitor que decida! Os fatos, em primeiro lugar.
Fato nº 1: em 1988, na Pensilvânia, Budd Dwyer, ex-secretário da fazenda daquele estado americano, na véspera de ouvir a sentença judicial num processo de corrupção em que estava enrolado, convocou a imprensa e, na frente das câmeras de televisão, jurou inocência, sacou rapidamente um revolver, enfiou na boca e estourou os miolos.
Fato nº 2: em 1993, na França, num feriado de primeiro de maio, o ex-primeiro-ministro do segundo governo Mitterrand, um desconhecido entre nós chamado Pierre Bérégovoy (pronuncia-se “bêrrêgôvuá”), meteu também uma bala na cabeça por análogas razões: metido em acusações de corrupção, tinha sido duramente atacado pelos oposicionistas e sentia-se pessoalmente responsável pela fragorosa derrota do Partido Socialista nas eleições legislativas daquele ano.
Fato nº 3: em junho deste ano, na Coréia do Sul, um certo Roh Moo-hyun (não sei como se pronuncia), ex-primeiro-ministro daquele país, depois de admitir publicamente ter recebido seis milhões de dólares de uma fabricante de tênis, não conseguiu conviver com a vergonha: pulou de uma ribanceira de 30 metros e morreu. Como fatos, basta. Vamos agora à teoria.
Não sei se o leitor já ouviu falar em Durkheim. Um dos pais da sociologia, ele é autor de um livro instigante, O Suicídio, onde tenta demonstrar a tese de que esse gesto extremo, o mais pessoal que possa haver, também está submetido a determinações sociológicas. Pois bem. Para Durkheim, a auto-imolação de pessoas como Dwyer, Bérégovoy e Moo-hyun entraria na categoria do “suicídio altruísta”, porque eles estariam de tal forma identificados com os valores socialmente aceitos, que não suportariam conviver com a acusação de tê-los infringido.
Nesse caso, a inexistência de suicídios desse tipo na sociedade brasileira indicaria a ausência de valores cívicos suficientemente fortes para serem levados a sério.
É nesse sentido que precisamos de uma ruptura, um gesto heróico que seja, e que se torne um marco. Como sou contra a pena de morte, comecei a delirar com a possibilidade de um desses corruptos se matar! Seria um choque, sem dúvida. E indicador de uma mudança cultural da maior importância. O sujeito poderia entrar para a história como um dos vultos importantes do Brasil! Infelizmente não acredito que nenhum deles tope a proposta. Para isso, seria necessário que dessem alguma importância a valores que justamente não têm... Como romper esse nó? Socorra-me, Robespierre!
Depois de ter escrito isso, fiquei pensando na hipótese, altamente improvável, é verdade, de um suicídio altruísta ocorrer na “mundiça” do governo do Distrito Federal. E agora? Será que eu poderia ser criminalmente processado? Remoto bacharel em direito que sou, lembrei-me de que no Código Penal tem um delito de “induzimento ou instigação” ao suicídio. Consultei meus advogados e eles me confirmaram. A pena não é tão horrível assim: de 2 a 6 anos de reclusão. Mas mesmo assim... É verdade que tem um dispositivo que vem em meu socorro: segundo o artigo 65 do mesmo Código, se o crime é cometido em razão de “relevante valor social ou moral”, a pena é reduzida. Nesse caso, com sorte, posso pegar uns 4 anos no máximo, e aí eu poderia me beneficiar das chamadas penas alternativas, que evitam que o sujeito vá parar na cadeia. Um juiz compreensivo poderia me condenar a prestar serviços comunitários. Como sou professor, poderia ser condenado a fazer conferências pelo Brasil relatando minha história... O que acha, leitor? Topo?
Luciano Oliveira é professor da Universidade Federal de Pernambuco. (jlgo@hotlink.com.br)
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colaboração: Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Culturais - Cepec.
10 de janeiro de 2010
MUDANÇA IMEDIATA
imagem: Val da Costa
VALDÍVIA COSTA
Cena 1
Sheyla adorava rodar nos braços da mãe. O mundo passava rápido, o vento empurrava seus cabelos e, por fim, a tontura por rodar tanto a fazia rir. Quase todas as tardes, as duas loiras chegavam ao parquinho da cidade. Bolas coloridas passavam por elas, crianças e brincadeiras se encontravam num lugar bonito e verde. Com seis anos, Sheyla só queria saber de andar, brincar e sorrir.
Cena 2
Das memórias de Sheyla, a que mais lhe acariciava os cabelos era daquele passeio a uma praiazinha de Alagoas, não lembrava o nome. No passeio, ela e o irmão mais velho, a mãe e o pai. A família reunida num carro pesado de bagagens, cantando pela estrada. As paradas no caminho pra comer: uma diversão. Comidas deliciosas, com temperos diferentes, a cada horário de refeição. E aqueles dias acordando cedo, dormindo cedo, pra acompanhar um sol saudável, como recomendado pelos pais, foram pintados nela como uma lembrança eterna, desbotada, mas viva.
Cena 3
Ao chegar na escola, tudo novo. Gente nova, brincadeira nova, roupa nova, material escolar, carteira, professor... era tudo estranho a Sheyla, que só vivia com a mãe, única e primeira companhia. Não pode entender aquele aperto no peito. Não se conteve ao ver o sorriso da professora, caiu no choro. Alguma coisa estava errada. Sua mãe tinha lhe garantido que seria bom, mas não sentiu bondade. Pelo contrário. Por um instante, a pequena viu algo obscuro por trás do sorriso largo da professora...
Cena 4
Depois de duas semanas na mesma rotina, indo e vindo da escola, Sheyla já tinha repassado diversas vezes o dia escolar pra mãe. Já estava entediada. Queria provar algo mais emocionante. O mundo estava começando a ser descoberto. Ela já sabia que exsitiam mais coisas a saber dos nomes do que simplesmente ser criança. Essa fase era legal, mas ela começou a ver que havia diversos mundos entre ela e sua mãe. O próximo, depois da infância, era a adolescência. Pensou que seria legal ter segredos e compartilhar, com as mãos entre conchas, com as colegas. Sem que a mãe soubesse, devia ser mais emocionante bitocar um menino.
Cena 5
Antes dos oito anos, Sheyla pensava em navegar num barco, mergulhar, ver os bichos marítimos, saber da vida molhada e colorida que eles levam... havia uma infinidade de coisas a descobrir e contar a mãe. Perto de concluir a tarefa escolar, a mãe de Sheyla a chama com aquela voz lânguida e cheia de ternura. A menina vai imediatamente, por um impulso nunca antes experimentado. Sem falar nenhuma palavra, a mãe pega nos braços de Sheyla, a coloca entre ela, sentada à cama, e o guarda-roupas. Sempre meiga, a mãe afaga o rosto da filha com um sorriso e lágrimas nos olhos. Os braços da mãe de Sheyla caem em seu colo. A menina não entende, mas espera a explicação daquela tristeza em silêncio. Num gesto brusco, a mãe pega um revólver escondido embaixo do traveseiro coloca-o na boca e dispara.
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nota: esse roteiro é baseado em fatos reais. A menina de nome fictício é uma amiga que nunca mais soube dela, nem a encontrei no orkut...
5 de janeiro de 2010
CARNAVAL COM PAMONHA
VALDÍVIA COSTA
Admiro, cultuo e difundo o empreendedorismo porque temos, no Brasil, uma diversidade de gente criativa que nos surpreende com invenções raras. Preciso divulgar dois empreendedores da venda de pamonhas (ou curaus) do interior paraibano. Uma delas é a agricultora Isabel Cristina Barbosa, do sítio Barracão, na cidade de Queimadas, Cariri paraibano. E o outro é esse vídeo criado pelo nic hildfons, que mostra uma iniciativa de marketing divertida e inovadora da pamonha de Cajazeiras, no Sertão do Estado.
Soube da história da empreendedora pelo jornalista Tavares, do Studio Rural. Isabel disse que inovou pra contribuir na mudança da alimentação dos habitantes da região, que só comiam pamonha tipicamente no periodo junino. Ela achou isso desestimulante pra o negócio. Tinha que fazer o povo comer pamonha o ano inteiro. Aí começou a vender no carnaval, no Natal (que lucrou muito) e em todas as datas comemorativas de Queimadas.
Até no dia da Independência do Brasil, lá está ela, vendendo pamonha. A admirável garra, essa perseverança de vencer os obstáculos do cotidiano, sempre acompanhou a agricultora. Moradores de muitas cidades circunvizinhas, e de Pernambuco e Rio Grande do Norte, já conhecem a fama das pamonhas de Queimadas, as de Isabel.
A família dela encontrou na fabricação de pamonha e de canjica uma alternativa que a cerca de cinco anos tem gerado trabalho para o casal, quatro filhas e dois filhos. Além de exercer a atividade como um meio, os jovens também estudam. O milho verde utilizado no preparo das comidas vem das áreas produtivas por irrigação de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Ao contrário desse vendedor da pamonha de Cajazeiras, que investiu na criatividade pra atrair clientes, Isabel diz que o sucesso é devido a propaganda de boca. "É o que se diz da pamonha, a propaganda boca a boca, comigo aconteceu sempre, porque eu nuca fiz propaganda de foto, de nada, quem me comprou passou pra o pai, passou pra o irmão, pra o amigo, pra o vizinho e assim foi”, contou a agricultora ao programa rural.
CRIANÇAS: Não foi possível saber se as crianças eram filhas do vendedor promotor da pamonha (vídeo). O marketing do vídeo é interessante, mas se o vendedor for pai da molecada e didivir o tempo dos filhos como a agricultora faz, inclusive com filho universitário trabalhando com ela, fica melhor ainda.
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colaboração: Stúdio Rural / Programa Domingo Rural - "Agricultora inova..."
4 de janeiro de 2010
ZABÉ E MONTEIRO
imagem: Val da Costa
VALDÍVIA COSTA
Pense numa mulher inquieta! Zabé da Loca é a pifeira que foi descoberta midiaticamente depois dos 70 anos de idade. Em menos de dez anos de carreira profissional, com a vida toda tocando nos forrós de pé de loca, ela chega a um momento emocionante, o de ser homenageada em sua cidade. Apesar de tardia, como todas as homenagens feitas até o momento para a artista, a cidade de Monteiro, no Cariri paraibano, fez juz ao fenômeno do pife nomeando o Festival de Cultura Popular - Zabé da Loca. O evento é de 13 a 17 de janeiro, na Praça João Pessoa.
Quente, envolvente, aconchegante, hospitaleira e etc. Haja adjetivos lindos pra esse município, que tem quase 30 mil habitantes (29.980 pelo Wikimapia) não menos agradáveis. Tive o prazer de ir lá em 2006, pela primeira vez, quando conheci pessoalmente Zabé. Nesse dia ela estava muito simpática. Dizem que em outros ela não se soltou tanto. Conversou, tocou, contou os causos da onça, riu, fez café pra gente... uma máquina!
Isso aconteceu pouco depois da banda Cabruêra lançar o CD com a música Zabé Sabe. Na ocasião em que fui visitar Zabé estava assessorando a jornalista Fernanda Souza, hoje editora do Correio da Paraíba. Foi um apanhado histórico dos mais ricos. Rendeu uma bem comentada monografia, que não cheguei a ler, mas que obteve nota máxima na especialização, no mesmo ano.
Agora Zabé Sabe foi regravada por Toninho Borbo, que está preparando o novo CD aos poucos e já deixou uma boa mostra do som com o eletrônico do fHz0. Demais também.
EVENTO - A estrutura a ser montada para o Festival, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura de Monteiro, terá espaço com tendas para artesanato, gastronomia, palco para apresentações culturais e tenda de artes circenses. As oficinas de pífano, coco de roda e percussão acontecerão no prédio do PETI, localizado na Vila Santa Maria.
Quem apoia a iniciativa é o Banco do Nordeste e o governo federal, com a parceria do Sebrae, UEPB, IFPB, Projeto Dom Helder, Embrapa e Projeto Vínculus. O Festival terá várias atrações musicais, violeiros, bandas de pífanos, mazurca e coco de roda.
Uma vez perguntaram a Zabé porque ela ainda preferia morar na loca mesmo depois de ter uma casa própria. Ela respondeu, simplesmente 'porque eu gosto de lá'.
A loca de Zabé é muito louca. Tem paredinha de taipa na frente, fugareiro enteiadodearanha e design arrojado.
Também! Nem eu queria morar numa casa com um visu desse pra delirar, criar... por isso ela assovia | por isso ela toca pife | por isso ela compõe!
Carro no lajedo do Assentamento Santa Catarina, um pouco distante da loca de Zabé. "Eu tenho pressa de correr, eu tenho de pressa de vencer, eu tenho pressa de vingar..." (cantado por Mônica Feijó no CD 536, segunda faixa. ;-D
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colaboração: assessoria de imprensa de Monteiro
3 de janeiro de 2010
SURPRESA!
imagem-montagem: Val da Costa
VALDÍVIA COSTA
Voltei de surpresa. O ônibus ia chegando, as casas acanhadas aparecendo como pontas de lápis coloridos na caixa e eu ancioso por encontrar os parentes depois de uma década nos Esteites. Veio à mente aquele frescor juvenil que me impulsionou numa aventura sertaneja quando adolescente desbravador.
Nada como chegar em casa. Home sweet home! Conheço cada ruazinha curta dessa cidade. Sei o quanto elas recebem as fofocas de verão. Nunca me importei. Nem quando era o centro dos rumores com minha rebeldia. Chegava a achar pitoresco o falatório.
Moradores novos. Notei que eles estão chegando. Junto, a modernidade também já está por aqui, com suas novas tecnologias. Muitas lan houses e adolescentes. Será que aumentou a poluição por aqui? Haveria possibilidade de algum "banho" das redondezas ter secado? Essa droga de computador tirou todo mundo dos seus hábitos. Tenho tanta raiva que nem postei um scrap pra minha irmã avisando que vinha.
Tínhamos dois rios cortando a cidade, uma cachoeira e vários açudes sangravam no inverno pra dar banho na gente no verão. Pi! Dona Lourdes acenou pra mim. Deve pensar que sou meu pai. Ou minha mãe. Pareço com os dois e tenho cabelos compridos. Isso deve confundir a quase cegueira dela.
Minha casa. Um pouco abandonada, a pintura se descascando das paredes, das portas... Deve ser porque meu pai andou doente esses últimos anos. Eu entendo. A solidão que invade os idosos é como um monstro oculto pelos cantos: aterroriza calada.
Tão quieto quanto aquela casa. Saí chamando todos pelos cômodos, desarrumados pela manhã que mal estava começando. As ocupações devem ter tragado os meus parentes a ponto deles se tornarem estranhos pra mim, às vezes. Uma mulher baixa, simpática e desmantelada (igual à casa) me encontrou. "Você deve ser o filho mais velho de Dona Carmem, né?", perguntou sorrindo completo.
Só podia pensar que era alguma amiga da família. Respondi que sim, perguntando imediatamente pelos meu pais. "Eles alugaram essa casa pra mim e foram morar no Rio de Janeiro. Ninguém te avisou? Isso faz dois anos...". Pra não parecer um analfabeto digital e doido, inventei uma desculpa, frustrado na minha própria surpresa. A mulher me olhou, balançando a cabeça meio pra cima, meio pro lado, um sorriso morto no canto da boca... Por que eu não liguei?!
2 de janeiro de 2010
ANIMAIS SOFREDORES
TREZE - hamsters que vendi hoje de manhã numa das lojas mais sujas e feias do mundo... os bichinhos! | imagem: Val da Costa
VALDÍVIA COSTA
Procurar um comprador de animais de estimação, em Campina Grande, é uma tormenta pra pessoas sensíveis. Só temos duas lojas de animais, as duas na Feira Central, uma delas na rua onde moro. Sei que esses são até limpinhos e organizados, pois o dono da loja é empreendedor. Mas a lojinha da feirinha de flores... afff! Um nojo.
Falo mal porque fui vender 13 hamsters pra essa loja e fiquei algumas horas com o vendedor, que nem fiz questão de saber o nome. O homem é um bárbaro. O lugar um chiqueiro. Aves, roedores, cães, peixes... todos convivem juntos e no maior aperto fedorento. Devia haver fiscalizações nesses lugares, feita pela Vigilância Sanitária, afinal compramos bichos, muitas vezes doentes pelos maus tratos, e corremos riscos de contaminação. Sem falar no sofrimento maior, dos animais.
Hamster, por exemplo, que tem hábitos noturnos, ele coloca uns dez logo na entrada da loja, todo dia, levando sol. Como o local é bem movimentado, com passagem de turistas(!), logo são vendidos. Mas ele cria todas as raças juntas, em gaiolas acabadas, remendadas embaixo, com buracos gigantes, por onde os bichinhos devem fugir sempre, pra servir de alimento aos gatos rueiros que invadem o local à noite.
O tempo todo, dentro dessa loja, o mau cheiro de fezes e urina dos bichos se mistura a indignação de quem entra pra comprar algum animalzinho. Dá náuseas. Os aquários são peculiarmente imundos. Nunca vi tanto peixe nadando em lodo. Um dos aquários grandes está com uma criação de baratas que se confunde com as pinturas, entre o vidro e o papel. É digno de foto (talvez, um dia, faça, dependendo das "brechas").
Já na outra loja, a da minha rua, o proprietário tem uma preocupação com os animais, gosta deles, a gente percebe. Mas também, até o ano passado, os bichos sofriam com o empilhamento. Como essa deve ser a loja que mais rende bufunfas, ele está investindo no negócio, alugou três estabelecimentos pra abrigar os animais. Vejo-os limpando diariamente, tratando, alimentando etc.
No entanto, nessa loja há mais pássaros. Inclusive, a rua é conhecida como "dos passarinhos" há muito tempo. Muitas espécies se misturam, talvez propositalmente, pra confundir conhecedores das raças silvestres, proibidas de comercialização. Acho que valeria a pena também esse negócio ser observado, mesmo eles possuindo Alvará de comercialização dos animais.
REGRAS - Quem não conhece a lei de proteção aos animais, pode se informar e modificar hábitos, como o de cultuar nos filhos a preservação da fauna e da flora. Criação doméstica só de animais pequenos, menos pássaros, que voam, e são criados presos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou consulta pública sobre os bichos brasileiros que podem ser vendidos. Entre no site e peça a lista.
1 de janeiro de 2010
imagem: YabloG!
VALDÍVIA COSTA
Analisando friamente, entramos o ano bem. Todos produziram muito no Estado da Paraíba. Do Litoral ao Sertão, todos os profissionais de diversas áreas plantaram muito. E é sobre uma boa colheta que andei pensando hoje. Começo de ano, vêm as promessas e estacionam na cabeça. Mas a ideia de fazer postagens (quase) diárias, é pertinente e vou tentar pô-la em prática. É sério: pelo que vi no histórico desse blog, no começo do ano há um gás maior, mas é possível, agora, publicar ao menos um texto por dia.
Até porque tenho muito o que falar. Quem quiser que leia, mas minha vontade de blá blá blá blá blá é grande. Hoje, por exemplo, terminei a parte mais punk das ferramentas de comunicação que criei: deixá-las no ponto de só abastecer. Agora tenho Facebook e Twitter, além deste blog e do Flickr que já possuía. Todas vão me enlouquecer, mas serei atenta e diversificada no assunto.
Acabei com o fotoblog do Uol e estou tentando ao máximo enxugar tudo nessas quatro ferramentas básicas pra destilar minhas quisilas pela net. Sim, não tenho mais vergonha de dizer: estou submersa na blogosfera, olhando, catando... Por falar nisso, numa dessas viagens achei um canal legal de tamplates, que são lay outs pra blog com temas específicos. Ainda não sei se este que baixei é refugo. Se alguém vir o mesmo por aí, me avise pra gente mudar rapidamente.
A ideia desse blog agora é mandar ver nos textos opinativos. Recebi grande quantidade de artigos científicos no ano passado e vou depositá-los mais aqui. Mas vou escrever também e provocar os colegas pra que eles colaborem.
Por favor não saia do blog sem olhar todas as mudanças que fizemos pra você. Os links estão mais comportados. Ainda serei especialista em divulgá-los, mas 50 por vez, tudo junto, sem separação de segmento nem sessão. Bem clean.
Esperamos renovar as pilhas e as amizades. Manter os seguidores, convidar outros observadores da cultura brasileira. Em breve teremos um post super bacana sobre pinturas digitais, algo realmente envolvente e com a cara dos internautas.
Se na Paraíba o primeiro cidadão a nascer este ano foi um menino negro, filho de uma descendente quilombola, da comunidade Caiana dos Crioulos, isso é um bom sinal. Esperemos enfrentar a vida com a garra dessa gente, que lutou, sofreu e sobreviveu às perseguições. O coco das Caianas, um folguedo centenário, pode ser conhecido no meu flickr. Eles têm um tesouro em sua história. Um 2010 resistente e colorido!
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