14 de abril de 2010
PENSAMENTOS GALINHAIS, DE BOFF
CUTUCÃO - Total desprezo pelo padrão de homem comum, que enterra os sonhos pra alimentar o corpo e esquece de nutrir o pensamento. Texto de 2001. | imagem: Fernando Balão
VALDÍVIA COSTA
Fazer planos é arriscado. O futuro nos chega, amanhã ou agora, de maneira brusca. Arrebata a sensatez dos gestos e consegue por na vida a leve noção do imprevisível. Improvisar é preciso, às vezes. Essa sensação distante, nostálgica, de que o tempo é pouco para tantas realizações frustradas, nos castra, impede-nos de sermos livres.
Os nossos sonhos são nossos piores carrascos. Vão além das medidas nas torturas, que nos deixam zonzos entre a realidade e a ilusão. Almejamos saúde e uma imensa disposição para nunca pararmos de produzir. Num dia a dia de rato correndo atrás de migalhas, o cansaço transforma qualquer desejo em coisa supérflua.
É quase impossível achar motivações que nos empurrem pra longe das regras mercadológicas, pautadas numa praxe que só retroalimenta o capitalismo. Há limites demais, interesses escusos e situações de dureza mental que impedem de alcançarmos o outro lado da vida, o de sonhar e querer.
Tudo gira em torno desse suposto culpado. Mas o tempo só anda e a gente continua correndo. Desespero e sofreguidão ao alcançar as 15 horas trabalhadas. Então ele passa, calmamente, humilhando-nos.
Com orgulho conseguimos algumas vitórias. A maior parte vieram-nos por imposição da localidade ou por amizade. Jamais pensamos em planejá-las. Essas conquistas vieram junto com os improvisos. Fizemos algumas substituições e concluímos, saudosos, nossas tarefas. Recebemos, com "a boca escancarada, cheia de dentes", uma aposentadoria.
É nesse trecho da vida que nos vem um velho companheiro nos inquietar. O passado nos chega à mente sem convite, abre álbuns empoeirados, desperta sentimentos de revolta. E vem com ele toda a velharia que esprememos entre a necessidade e a vontade, dentro de nós. Velhos ideais, que nem foram pegos pela prática. Assombros, ecos, sopros, assovios... Vieram de todo lugar, de nós mesmos.
E apontam para a contagem do tempo que fizemos despercebida. São entidades cruéis que saem da mente enfraquecida. Castigam-nos. Criticam-nos por não termos tentado a originalidade. Mesmo sem saber o que poderiamos ser, se fôssemos diferentes. Mas não falemos disso. Sentemos no banco da vida e esperemos um medíocre fim, como o das galinhas de Leonardo Boff.
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2 comentários:
Salve, Valdívia! Ler De Acordo Com, ao meu ver, já é uma prova da inteligência pura, da sensibilidade serena e da provocação responsável que é possível praticar no universo jornalístico e virtual.
Com sua incessante batalha, podemos, sim, nos ver mais águias e menos galinhas. Não há como esmorecer depois das suas constatações tão pertinentes.
E quanto ao tempo, minha colega, é submeter-se mesmo. O resto, lutemos para fazer diferente no que for possível. Como você mesma tem feito desde que seu blog nasceu.
Abraço!
Saulo Queiroz
"... e quando eu tiver saído
para fora do seu ciclo,
tempo, tempo, tempo,
nem serei nem terás sido..."
(Caetano)
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