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3 de agosto de 2006

Educação, cidadania e direitos humanos


Imagem do Google


A educação como direito humano tem sido privilégio de poucos ao longo da história do Brasil e de muitos países. Embora na segunda metade do século XX tenhamos avançado, é notório que o equacionamento da progressão quantitativa com a necessária qualificação dos processos educativos ainda não se vislumbra num horizonte próximo. O fato de que em algumas “ilhas” a qualidade tenha avançado consideravelmente não modifica a regra geral da baixa qualidade e o caso brasileiro é emblemático nessa constatação.

Ao analisarmos a educação brasileira com o foco centrado nas desigualdades sociais, individuais e coletivas, podemos afirmar que as várias formas educacionais das camadas populares (imensa maioria) - da educação infantil ao ensino superior, passando pelo fundamental, médio, profissional e outros -, deixam muito a desejar em termos qualitativos. Se considerarmos as desigualdades regionais, por outro lado, certamente encontraremos diferenças e insuficiências abismais. Essas diferenças e desigualdades, como todas as outras, são produtos sociais, econômicos, políticos, culturais próprios de um país marcado secularmente por perversos modelos de renda, de classe, de ausência participação efetiva nas decisões públicas e, ainda, uma nação invadida por culturas hegemônicas que tendem a eclipsar, cooptar e/ou submeter culturas locais mais ou menos resistentes. A este quadro somam-se nas últimas décadas os impactos de uma globalização hegemônica excludente e avassaladora.

Podemos dizer, então, que a “cultura da exclusão” (Arroyo, 1997), consolidada desde a colonização e continuada pela “modernização conservadora” do século passado, esteve permanente atrelada a um país social e economicamente abismal, politicamente depauperado, voltado para valores típicos do capitalismo atrasado e submetido às metrópoles e aos grandes conglomerados internacionais. É do conhecimento geral este quadro brasileiro, que não apresenta muitas diferenças em relação a tantos outros países da América Latina e da África, por exemplo. Mesmo na maioria dos países mais avançados econômica e socialmente as desigualdades são visíveis e grandes contingentes da população sofrem conseqüências bastante graves da não consolidação dos direitos fundamentais que constroem a cidadania plena dos homens e das mulheres, das crianças, dos jovens e dos adultos. Na base desses problemas que negam direitos básicos da grande população mundial todos reconhecem a proeminência e a importância estratégica da educação e da escolarização de qualidade.

Neste sentido, a educação enquanto processo de conquista de direitos da cidadania plena deve ser erigida como direito à informação e ao conhecimento e como processo contínuo, “ao longo de toda a vida”, no qual o aprender a aprender, a fazer, a viver juntos e a ser não seja mais um slogan mas se efetive por completo. E que, também, nos leve a compreender que a aprendizagem não é um processo neutro, mas um jogo político de saber/poder no qual as camadas populares tem levado desvantagem e precisam reverter esse jogo.

A educação como direito também precisa superar as dicotomias crônicas entre as quais se destacam as relações quantidade versus qualidade e discurso versus prática, apontadas no texto anterior. Essas dicotomias têm penalizado as camadas já inferiorizadas socialmente e, não raramente, constituem o que Bordieu (1998) chama de gerações de “excluídos do interior” do próprio sistema educacional.

Destarte, a educação como direito ao trabalho digno e às suas recompensas, ao lazer e à saúde e como respeito a todas as diferenças não-opressoras tende, sim, a contribuir para a construção de uma outra história ou um outro mundo possível como nos acostumamos a dizer. Um outro mundo que rechace e combata a civilização do oprimido e seja o soerguimento cotidiano dos direitos civis, políticos e sociais que têm na educação popular um dos sustentáculos principais.

Devemos ainda enfatizar a tese do gradativo deslocamento do poder na sociedade atual da informação e do conhecimento. Durante séculos, o poder esteve fatalmente atrelado à posse da terra e aos desígnios da nobreza e da Igreja. Posteriormente, emanou do desenvolvimento da indústria e da sua burguesia. Embora esses poderes não tenham se dissipado, já não têm a mesma força hegemônica. Sabemos, por outro lado, que nas últimas décadas ganhou força, como nunca ocorrera antes, o poder conectado à informação e ao conhecimento. E, mais uma vez, esse poder concentrou-se nas mãos de poucos. Todavia, a emersão desse poder determina a possibilidade e a oportunidade de democratizá-lo e de socializá-lo. Se os poderes da terra e da indústria nunca foram divididos, hoje está em pauta um novo poder que apresenta chances reais de ser disseminado e apropriado em larga escala. E se o poder do conhecimento nunca foi tão importante e decisivo como na atualidade, podemos defender a tese de que, concomitantemente, a educação e a escola nunca foram tão importantes e decisivas como hoje. Afinal, a educação e a escola são os lugares específicos e privilegiados das produções dos conhecimentos elaborados. Do mesmo modo, são espaços por excelência da transformação das informações em conhecimento.

Por conseqüência, podemos afirmar que a educação e a escola nunca foram tão importantes e decisivas como nos nossos dias! E, também por conseqüência, podemos afirmar que nunca os educadores e as educadoras foram tão importantes e decisivos como hoje! Mesmo que os nossos dirigentes não o reconheçam e mesmo que a sociedade brasileira ainda não tenha aprendido o valor da educação e da escola. E mesmo que, por isso mesmo, o nosso país não consiga fazer decolar seus projetos de desenvolvimento traçados desde os anos 1930.


Afonso Scocuglia
scocuglia@terra.com.br

Professor e pesquisador do Departamento de Fundamentação da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB. Mestre em Educação (UFPB) e Doutor em História (UFPE) e Assessor Internacional do Instituto Paulo Freire (São Paulo). Publicou vários livros e artigos.

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