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31 de março de 2010

SERES MAL ENCAIXADOS


RARO - Um dos grandes ícones da juventude nesse período a que me refiro no texto abaixo foi Caetano Veloso, com o movimento tropicalista, que mudou a maneira de vestir e pensar de milhares de jovens brasileiros... E ainda tinha a ditadura militar no tempo desse LP Pipoca Moderna (raro & inédito)... | imagem: Psicodelia brasileira

VALDÍVIA COSTA

Somos fortes e fracos, o tempo todo. Geração estranha essa nossa, que nasceu pós revoluções, pós acentuação do capitalismo, com maior parte das grandes invenções... Vivemos divididos entre valores e tendências, entre ser e estar, entre ideia e matéria. Antes de nós, a densidade humana se formando com pensadores e descobertas inéditas. Depois de nós, a virtualidade e toda a sua complexidade tecnológica.

Viveremos um período no qual o centro de tudo será uma máquina, talvez um aparelho celular? Sim, pois já tivemos Natureza e Deus como centros de nossa existência e nada de além-humano foi consolidado (salvo para os que creem em suas doutrinas). Parece que, em todo lugar, vai haver agrupamento humano e divisões de crenças e ideologias. E nós, geração de 70-80, entendemos os processos, participamos, mas nos sentimos mal encaixados.

"Sinto falta de diálogo, de humanidade, de coisa que só gente sabe fazer, ensinar e gostar". Escuto reclamações assim e me sinto partida ao meio: metade quer ser isso, sabe ser assim e pode passar esse costume adiante; outra metade recusa tudo e já se preocupa no próximo passo à permanência social como competência de alguma coisa.

Felizes são nossos filhos, que vão ganhar o mundo desse milênio. Ou infelizes, depende da ótica e do jeito que vamos continuar mantendo a Terra. Sinto-me arrumando a casa para meu filho. O sentimento de pertencimento não me invade. Vivo pensando num progresso material que não vai me servir, depois de idosa, por exemplo. Mas sim, será do meu filho, talvez mais ainda de meu neto.

Que grandes invensões verá meu neto! Se ele vir... Do jeito que caminhamos, cada vez mais definhando enquanto espécie racional (que cria sua natureza dentro da natureza já criada), imagino a evolução cibernética atrofiadamente desumana que teremos. Talvez sufoquemos o mundo! E talvez o planeta nos expulse com uma sacodidela qualquer em sua crosta. Ainda assim, prefiro estar vivendo.

"Samba devagar..." Disse-me Jam da Silva esta semana. Acredito nele e vou me esquivando das certezas e das verdades. Elas acorrentam e não dá para construir, reorganizar e arquitetar sem liberdade. A divisão entre o bem e o mal seguirá adiante. Somos frutos de um tempo em que os hábitos eram gestos simbólicos. Hoje, os costumes são fragmentários, como o fast food ou a literatura de auto-ajuda.

30 de março de 2010

LOBONA NA ESCOLA


INFORMADA - Sem se deixar pegar por nada, Lobona lida com a vida acumulando conhecimentos e vivências e transformando-os em tapete para não machucar os pés na caminhada. | imagem/montagem: Val da Costa

A pedidos, eu vou testar por um tempo as charges da Lobona. Ela se modernizou. Afinal, já estamos em pleno século 21! Mas ela continua adolescente e vai deixar alguns adultos espantados com sua postura contestadora e entediada da mesmice. Veremos se essa antenada personagem consegue dialogar com algum humano de sua idade...

Lobona chega ao ambiente que será mais abordado nessas charges, a escola. De cara, ela já entope a diretora de perguntas pra testar sua capacidade marketeira. Lobona acredita que, com um pouco mais de criatividade, as escolas poderiam aproveitá-la bem para algum programa científico ou esportivo ou cultural. Afinal, não é todo dia que uma reles escola de Ensino Médio recebe um gênio como ela...

29 de março de 2010

VERDE ESPERANÇOSO


DESERTO - É assim que muitos cientistas prevêem o futuro de algumas localidades, como regiões secas, que serão 75% das terras áridas e semi-áridas da América Latina, um quarto da superfície da região. | imagens: (Cariri paraibano) Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Ah, se pudéssemos voltar o tempo e começar a discutir nossos poluentes há, pelo menos, 100 anos atrás. Talvez pudéssemos mudar nossos costumes. Com todas as espécies vivas, do céu, da água e do ar, a gente se acha exclusivo e dominador de tudo, inclusive de algumas dessas vidas. Por não pensarmos nos bichos e nas plantas produzimos uma enorme e excedente quantidade de lixo que começa por entupir vias e termina enojando mares.

O que é difícil e quase impraticável por uma boa parcela da população é desusar, reaprender novas formas de uso e descarte. Apenas usar comedidamente. Lembro que, quando criança, o plástico era artigo desusado. Meu pai trazia a feira em sacolas de panos de açúcar grandes, que viravam panos de prato ou de chão, por isso eram a febre.

Só bastava esse hábito ter ficado em nossas vidas para reduzirmos, acredito, uns 50% do nosso lixo, composto a sua maior parte por sacos. Hoje, pra se reeducar um monstro comedor de sacolas de supermercado, é preciso mais do que "incentivos visuais". Algumas cidades já ameaçam o dono do supermercado a usar a sacola de pano com multas. E dá certo. Mas não são todas as cidades que seguem esse bom exemplo. E o calor aumentando.

Com tanto uso de outros milhares de poluentes, como o desodorante diário e até os gases dos bois pastando, a Terra esquentou demais este ano. O Verão mais quente dos últimos anos em alguns estados brasileiros. E haja catástrofes naturais, tsunamis e vulcões dizendo "surpesa! ainda estou ativo!". Por falar nisso tudo, não se fala em nada disso!

Até Copenhague silenciou. Ministro Carlos Minc diz que o acordo é melhor do que zero absoluto. Será? O "Acordo de Copenhague", documento firmado por Estados Unidos, China, Brasil, Índia e África do Sul, recusado ano passado pelo plenário da 15ª Conferência das Nações Unidas (COP-15), simbolizou o fracasso de duas semanas de negociações diplomáticas entre os 192 países participantes.

A organização climática global WWF estava preocupada com a desobrigatoriedade sobre os compromissos assumidos, "uma brecha entre a retórica e a realidade poderá custar milhões de vidas, bilhões de dólares e uma grande quantidade de oportunidades perdidas", afirmou Kim Carstensen, diretor da WWF.

Desertificação - Como uma das consequências de estarmos num mundo cada vez mais quente e inóspito, entupido, sobrecarregado, esfumaçado, a desertificação será a realidade de milhões de pessoas. Um relatório da Universidade das Nações Unidas (UNU) revela que até 50 milhões de pessoas terão de migrar nos próximos 10 anos por causa da desertificação na África Subsaariana e na Ásia Central.

América Latina - O relatório da UNU aponta que a desertificação ameaça 75% das terras áridas e semi-áridas da América Latina. Os pesquisadores criticam a forma de se fazer política, "estadualizada, limitada, de resultados que poderiam ser alcançados se a política fosse feita em coletivo".



Mudanças climáticas - O estudo estima que, no mundo, um terço da população já seria vítima potencial dos efeitos da desertificação, que leva à degradação das terras, tornando-as improdutivas. Para os estudiosos, "as alterações do clima estão fazendo da desertificação o maior desafio ambiental dos nossos tempos". Aconselha-se o reflorestamento, uso da energia solar e incentivo ao ecoturismo.

A Conferência - Essas e outras questões serão tratadas de 26 a 29 de maio de 2010, em Olinda-PE. Centenas de pesquisadores estarão reunidos na realização da Conferência da Terra - Fórum Internacional do Meio Ambiente. O evento vai apresentar as conquistas na qualidade socioambiental e principais medidas adotadas para controle e redução dos impactos socioambientais.
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colaboração: BBC Brasil

26 de março de 2010

TATARANA E O SERTÃO SUTIL


ENVIEZADO - jagunço poético Riobaldo Tatarana dá moral a um iniciante em reportagens especiais, João Guimarães Rosa, que enfrentou cavalgadas e viagens gigantescas com um grupo sertanejo e transformou tudo numa poesia de mais de 500 páginas. | imagem: Michel Carlos

VALDÍVIA COSTA

Ouvir as histórias de um jagunço, dividido entre a brutalidade da lida com saqueadores e pensamentos sensíveis que o amolecem, é surpeendente. De imediato, até duvidamos dessa destreza do homem comum, mas o jagunço Riobaldo Tatarana prova o contrário. Com as histórias vivas, saltando em visão idosa, o cabra macho que matou e se apaixonou pela morte entra em cena.

Riobaldo quer contar algumas de suas experiências de vida. Se abriu pra um repórter também de idade avançada, mas iniciante na técnica de apuração em expedições, João Guimarães Rosa. Sem máscaras, o vaqueiro, acostumado a entender as pequenas mudanças de comportamento de cavalos e mosquitos, mostrou seus dois lados, o acre e o doce.


Pra falar a verdade, essa entrevista foi uma forma de reavivar tantos e tão bons ensinamentos de simplicidade que precisamos até em tempos de avanços humanos e de desenvolvimento econômico. Afinal, o homem tosco também é professor. Viva Grande Sertão: Veredas! | imagem (Rosa, de saída pra entrevista com Riobaldo): Blog do Escriba

DE ACORDO COM " - Como grandes conhecedores das paisagens sertanejas, os jagunços, como os vaqueiros, são parte da natureza. O que você tem a dizer sobre a fauna e a flora do Sertão?

RIOBALDO TATARANA - (...) Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa ainda encontra. Vaqueiros? Ao antes - a um, ao Chapadão do Urucuia - aonde tanto boi berra... ou o mais longe: vaqueiros do Brejo-Verde e do Córrego do Quebra-Quinaus: cavalos deles conversa cochicho - que se diz - para dar sisado conselho ao cavaleiro, quando não tem ninguém perto, capaz de escutar. Creio e não creio. Tem coisa e cousa, e o ó da raposa. Dali pra cá, o senhor vem, começos do Carinhanha e do Piratinga filho do Urucuia - que os dois, de dois, se dão as costas. Saem dos mesmos brejos, buritizais enormes. Por lá, sucuri geme. Cada surucuiú do grosso: voa corpo no veado e se enrosca nele, abofa - trinta palmos! Tudo em volta é um barro colador, que segura até casco de mula, arranca ferradura por ferradura. Com medo de mãe-cobra, se vê muito bicho retardar ponderado, paz de hora de poder água beber, esses escondidos atrás das touceiras de buritirana. Mas o sassafrás dá mato, guardando o poço; o que cheira um bom perfume. Jacaré grita uma, duas, as três vezes, rouco roncado. Jacaré choca - olhalhão, crespido do lamal, feio, mirando na gente. Eh, ele sabe se engordar. Nas lagoas aonde nem um de asas não pousa, por causa de jacará e da piranha serrafina. Ou outra - lagoa que nem abre o olho, de tanto junco. Daí, longe em longe, os brejos vão virando rios. Buritizal vem com eles, buriti se segue, segue. Para trocar de bacia, o senhor sobe, por ladeiras de beira-de-mesa, entra de bruto na chapada, chapadão que não se devolve mais. Água ali nenhuma não tem - só a que o senhor leva. Aquelas chapadas compridas, cheias de mutucas ferroando a gente...

" - Todo jagunço é corajoso, desbravador. Você é assim?

RT - Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso, isto é: coragem em mim era variável. Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah, basta se olhar um minutinho no espelho - caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade! Mas minha competência foi comprada a todos custos, caminhou com os pés da idade. E, digo ao senhor, aquilo mesmo que a gente receia de fazer quando Deus manda, depois, quando o Diabo pode, se perfaz.

" - Você consegue ser poeta em suas memórias e histórias, ainda que duras, em algumas horas. Como você lida com a violência?

RT - A gente viemos do inferno - nós todos - compadre meu Quelemém instrui. Duns lugares inferiores, tão monstro-medonhos, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance de graça de sua sustância alumiável, em as trevas de véspera para o Terceiro Dia. Senhor crer? Que lá o prazer trivial de cada um é judiar dos outros, bom atormentar; e o calor e o frio mais perseguem; e, para digerir o que se come, é preciso de esforçar no meio, com fortes dores; e até respirar custa dor; e nenhum sossego não se tem. Se creio? Acho proseável. Repenso no acampo da Macaúba da Jaíba, soante que mesmo vi e assaz me contaram; e outros - as ruindades de regra que executavam em tantos pobrezinhos arraiais: baleando, esfaqueando, estripando, furando os olhos, cortando línguas e orelhas, não economizando as crianças pequenas, atirando na inocência do gado, queimando pessoas ainda meio vivas, na beira de estrago de sangues... Esses não vieram do inferno? Saudações. Se vê que subiram lá antes dos prazos, figuro que por empreitada de punir os outros, exemplação de nunca se esqeucer do que está reinando por debaixo. Em tanto, que muitos retombam para lá, constante que morrem... Viver é muito perigoso.

" - Esse seu compadre Quelemém é seu mentor, como um filósofo da vida árida?

RT - ... é um homem fora de projetos. O senhor vá lá, na Jijujã. Vai agora, mês de junho. A estrela D'alva sai às três horas, madrugada boa gelada. É tempo da cana. Senhor vê, no escuro, um quebra-peito - e é ele mesmo, já risonho e suado, engenhando o seu moer. O senhor bebe uma cuia de garapa e dá a ele lembranças minhas. Homem de mansa lei, coração tão branco e grosso de bom, que mesmo pessoa muito alegre ou muito triste gosta de poder conversar com ele.

" - Como jagunço, homem que entende as linguagens naturais, empíricas, você acha importante a educação e seria um professor, por exemplo?

RT - ... eu não sabia ler. Então meu padrinho teve uma decisão: me enviou para o Curralinho, para ter escola e morar em casa de um amigo dele, Nhô Maroto, cujo Gervásio Lé de Ataíde era o verdadeiro nome social. (...) Vai, acontece, ele me disse: "Baldo, você carecia mesmo de estudar e tirar carta-de-doutor, porque, para cuidar do trivial você jeito não tem. Você não é habilidoso." Isso que ele me disse me impressionou, que de seguida formei em pergunta, ao Mestre Lucas. Ele me olhou um tempo - era homem de tão justa regra, e de tão visível correto parecer, que não poupava ninguém: às vezes teve dia de dar em todos os meninos com a palmatória; e mesmo assim nenhum de nós não tinha raiva dele. Assim, Mestre Lucas me respondeu: "É certo. Mas o mais certo de tudo é que um professor de mão-cheia você dava..." E, desde o começo do segundo ano, ele me determinou de ajudar no corrido da instrução, eu explicava aos meninos menores as letras e a tabuada.

" - E Diadorim? Foi sua grande dúvida ou o sentimento mais puro que conseguiu ter na vida de jagunço?

RT - Era, era que eu gostava dele. Gostava dele quando eu fechava os olhos. Um bem-querer que vinha do ar do meu nariz e dos sonhos de minhas noites. (...) Diadorim - dirá o senhor: então, eu não notei viciice no modo dele me falar, me olhar, me querer-bem? Não, que não - fio e digo. Há-de-o, outras coisas... O senhor duvida? Ara, mitilhas, o senhor é pessoa feliz, vou me rir... Era que ele gostava de mim com a alma, entende? O Reinaldo. Diadorim, digo. Eh, ele sabia ser homem terrível. Suspa! O senhor viu onça: boca de lado e lado, raivável, pelos filhos? Viu rusgo de touro no alto do campo, brabejando; cobra jararacuçu emendando sete botes estalados, bando doido de queixadas se passantes, dando febre no mato? O senhor não viu o Reinaldo guerrear!... Essas coisas se acreditam. O demônio na rua, no meio do redemunho...

25 de março de 2010

O HOMEM QUE ESTÁ EM FORMAÇÃO

VALDÍVIA COSTA | imagens: Insustentável

Sonhos de Alice à parte, sempre quis uma turma de alunos interessados nas minhas experiências de vida. Como professora de Jornalismo ainda não tive a realização desse desejo. Ou os jovens têm uma inteligência supra-sumo da pós-modernidade que não me deixa alcançá-los ou o que falta-lhes é mais conteúdo, principalmente cultural.


Partimos em busca de uma competição sem fronteiras e sem linha de chegada há muitos anos, desde que instituimos o dinheiro como selo de qualidade para tudo o que fazemos. Desde então, os filhos passam pela lavagem cerebral de conseguir uma carreira sólida, que dê muito dinheiro sem nenhum sofrimento humano, desde a casa dos pais.


Na escola, reunidos em grupo com outros que recebem ensinamentos até mais frios e lucrativos, temos noção do quanto isso nos levará a um mundo esgotável. Mas em que nos diferenciamos do homem do passado, por exemplo? Um cérebro maior, com mais desejo de possuir, mas com um condicionamento físico de um mosquito?


No livro Manthropology – A ciência do homem moderno incapaz -, do antropólogo australiano Peter McAllister, há essa observação. Ele fala da perda do homem de hoje, que não sabe mais conviver com a natureza. Segundo o blog Tempo de Correr, muitos homens da Pré-História poderiam vencer o jamaicano Usain Bolt em suas condições atuais.


Alguns membros da tribo Tutsi (Ruanda) superaram o atual recorde mundial de salto em altura (2,45) em cerimônias de iniciação, saltando o superior à sua própria altura para atingir a maturidade. Além disso, o livro ainda afirma que qualquer mulher do período neandertal poderia derrotar o fisiculturista e governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.


Não é à toa que estamos com tanta produção de lixo. Quem tem grana não desenvolve mais nenhuma função extra fora ganhar dinheiro, além de expelir muito detrito, tanto material, quanto subjetivo. Mas, de qualquer forma, quem acaba se sujando mesmo somos nós, que adotamos outro tipo de vida ou que não conseguimos "evoluir" materialmente.


Sem esse conteúdo ideológico, o ser humano continuará escravo da imagem criada a partir da ganância. E, quando os olhos são maiores do que a barriga, sempre traçamos metas infidáveis baseadas em vontades desnecessárias. O nosso campo de visão é amplo, mas podemos limitar o querer, do consumo e do poder exarcerbados.

24 de março de 2010

QUADRINHOS NELES!


DOIDONA - A personagem que criei tinha um pouco de mim, tinha um pouco dos heróis bonachões que admirava nos HQs raros, que só encontrava em cidades maiores. Tinha episódios dela parecer super feminina, mas sempre com esse cabelo eletrizado. | imagem: (de 1990) Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Posso até estar enganada, mas me apaixonei por arte na adolescência, através, principalmente, da comunicação. Tive sorte de poder ir a uma lanchonete me refrescar com um picolé e ler as revistas e gibis que quisesse. Na cidade onde nasci nunca houve muito incentivo às artes e eu achava que era privilegiada de ser colega dos vendedores de revista.

Via quadrinhos como o Chiclete com banana e acompanhava os roteiros inacabáveis de Conan, o Bárbaro. E assim, colando pedaços de memórias com tantinhos de histórias criei minha primeira e única revista em quadrinhos. A HQ era sobre uma menina irreverente, mas antenada com a realidade, chamada Lobona (em homenagem a quem???).

Bastava esse pequeno incentivo diário de leitura, antes e depois da aula, pra viver em companhia dessa personagem. Andava com Lobona na cabeça e corria pra casa para rabiscá-la em situações surreais de opressão e desdobro da heroína. Parte dessa criatividade ganhava ao ler os quadrinhos na lanchonete.

Ando pelas ruas e esbarro, às vezes, em adolescentes ocos de inspiração, vazios de arte e crentes em correntes eletrônicas, como seguidores do vácuo da ignorância. Como não ser insensível sem a noção da realidade? Eles não tiveram a chance de saber que a arte é o fio condutor da catarse, nem sentiram tal envolvimento com uma obra de arte.

Sem as percebermos, sem deixarmo-nos tocar por elas, sem as entedermos, seremos adultos estúpidos que não sentiram o prazer da contemplação. Cegos dessa parte quase abstrata da vida, os insensíveis se questionam o que é arte, confundindo-a com um produto descartável, até imitável, mas jamais igualável. A arte nos pega num arrebatamento e nos põe no colo, acalentando nosso gosto com luz, cor, forma, som, textura, poesia...

Independente de sermos jovens ou velhos, a arte pode se apresentar na vida. Mas não são todas as pessoas que entendem uma obra ou um artista. De tão exclusiva, a arte é elitizada. Não por ser boa demais. Mas por causa do nível rastejante de conhecimento da maior parte dos habitantes do planeta. A luz do saber é fosca em determinados casos.

Depois dessa definição não totalizadora do significado da arte, imagine então um sujeito sem estudo (de vida e de língua), totalmente metido a moderno e chic por ter grana, ganhando uma obra de Salvador Dalí, por exemplo. Ele vai fingir felicidade por algo que ele nem conhece, nem entende, nem faz a menor questão em saber.

Em dois dias, ele decide pendurar "o quadro" na sala menos usada da casa. Não pra esconder a raridade do público, mas por achar "aquilo" muito esquisito e pensar que os amigos vão perguntar demais pra que serve uma galinha, um relógio, tudo derretendo... Aí é quando eu completo a ideia da minha personagem Lobona, de que "tudo é um tédio", principalmente por causa da minha intolerância à cafussagem.

23 de março de 2010

TRANCADA EM SI


INTROSPECTIVA - Ela nem sabia ao certo as delicadezas da vida, pois nunca havia se aberto, nunca, sequer, tinha beijado, mas julgava o contato físico desnecessário e a frieza uma doutrina de encher seus balões interiores. | imagem: Les Vacances de Hegel

VALDÍVIA COSTA

Sou toda e tão profundamente egoísta que não paro para pensar nos outros todos os dias. Sou tão centrada em mim que preciso que me toquem para despertar do meu universo. Mergulho demais nas minhas entranhas. Mas, mesmo sendo essa devoradora de mim mesma, me sinto só. Embora muitas vezes ou quase sempre não admita, tenho receio de levar um não.

Tenho receio de me abrir e me invadir de outro ser que não seja eu. Tenho medo mesmo de ser invadida. Lidar comigo mesma, com o que eu quero, com o que eu gosto, é moleza. Duro é ter que encarar o outro. Ter que ceder, que dividir, que combinar, que ajustar... é muito cansativo rever meus conceitos e preconceitos. E, em contato com o outro, eu preciso fazer isso sempre, diariamente.

Não gosto de lutar por qualquer outra pessoa. Parece-me demasiadamente suplicante ter que cuidar desse sentimento, correr atrás dele quando ele fugir ou convencê-lo a ficar antes dele partir. Não posso abrir mão dos meus objetivos pelos de outra pessoa. Não quero ficar triste ou entristecer alguém, por isso, escondo-me em mim mesma, encho-me comigo mesma, acabo-me de tanto que me consumo, sem altruismo algum.

22 de março de 2010

O(S) JACARÉ(S) DO AÇUDE VELHO


LENDÁRIO - Além de ser uma bela paisagem, o Açude Velho é habitat de jacarés que uns acreditam e outros duvidam. Crônica de junho de 2006. | imagem/montagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Dizem que eles vivem no Açude Velho desde que Campina Grande-PB começou a atrair gente, como ponto de apoio aos viajantes, comerciantes, tropeiros, que passavam pelo manancial. Alguns até comentam que quem os colocou lá foram os tropeiros. Os jacarés do açude e suas lendas!

Já ouvi tantas narrativas com esses lendários bichos que nem lembro qual foi dita por quem. Muitos chegam a duvidar que eles existam. Os que já os viram, seja um, seja o grande, ou dois, ou um pequeno, se sentem angustiados por contarem o episódio e os que não viram nada (além dos sacos de pipoca, peixes podres e pneus velhos), não acreditarem.

Com essas novas tecnologias tudo cai no Orkut. Uma amiga criou a comunidade Eu já vi o jacaré do Açude Velho. Mais de duas mil pessoas estão lá dizendo que já viram, contando suas histórias mirabolantes. A maioria dos participantes conta ter visto o jacaré (ou os jacarés) de dentro do ônibus, quando passam pelas imediações do açude.

Outro dia, conversando com o vigia do Cuca (antigo Ceu), seu Lima, ele relatou algumas histórias sobre os jacarés. Seu Lima trabalhou, curiosamente, muitos anos por perto do açude. E ele conta que, na década de 1970, havia um jacaré enorme, meio amarelado, que vivia tomando banho de sol em uma parte mais rasa do açude, sob umas pedras.

- A gente passava e via ele lá (apontando para o local), parado, por horas se banhando. Um dia, acharam ele morto, com tiros. Levaram o caso para a polícia e desconfiaram que tinha sido algum pescador revoltado porque o bicho se alimentava dos peixes que também eram pescados pelos moradores das redondezas, como fonte de renda e de alimento.
(Seu Lima fez pausa para refletir sobre a crueldade e egoísmo do homem)

- Tive pena quando vi aquilo...
Ele contou também que, em épocas de chuva, os jacarés menores escapolem pelos dutos que levam ao canal. - Eles vivem fugindo. Chegam pelas bandas do José Pinheiro (bairro da zona Leste). Os meninos fazem a festa! Jogam pedras, espantam os bichos... e os caras tentam matá-los para provar da carne.

Nesses casos, seu Lima explicou que alguns moradores mais assustados e defensores da fauna acionam os bombeiros e eles vão lá, recapturar os bichos e trazê-los de volta ao açude ou dão para o Ibama guardar os animais. A história mais mirabolante sobre os jacarés do açude, seu Lima deixou para o final da nossa conversa:

- Uma vez, um homem que era do sítio e era doido para ter um jacaré no açude da sua propriedade ofereceu uma certa quantia para quem pegasse um jacaré desses fujões para ele. E um cara do Zepa conseguiu. Amarrou o bicho e o ofereceu ao interessado em pagar por ele. O cara do sítio foi lá, pagou ao homem que o capturou e o levou. Mas antes dele chegar ao sítio, os bombeiros o interditaram e resgataram o jacaré.

Questionei a seu Lima sobre o que o comprador tinha feito. Ele riu e continuou:
- O cara ficou indignado porque já tinha pagado, mas os bombeiros não quiseram nem saber! Mandaram que fosse procurar o "vendedor de jacaré". Ele foi! Mas nunca achou o cara. Ninguém sabia quem era esse... tão misterioso quanto quem informou aos bombeiros!

Eu mesma já vi o "jacaré do Açude Velho". Recentemente, uma pequena aglomeração de pessoas me chamou a atenção. Perto do antigo Dom Luiggi, ele estava com metade do corpo em cima de uma pedra, se exibindo. Mas, como toda estrela que detesta assédio foi lentamente submergindo e deixando um caminho de pequenas bolhas na água.

Nos fundos do Cuca, a parte que fica na borda do açude, seu Lima achou um jacaré filhote, que media aproximadamente um metro e meio. Orgulhoso, ele passou o dia todo levando quem entrava no Cuca a ver o bicho, que ficou lá, parado, até anoitecer. Bichos esquisitos esses jacarés. Aparecem, desaparecem... Ninguém sabe ao certo quantos existem, as espécies e porque vivem ali, no centro da cidade? Quem coloca tanto jacaré nesse açude?

19 de março de 2010

BIU, 50 ANOS DE GELADA NA FEIRA


IMUTÁVEL - Sem se transformar muito, esse treiler está no lugar há exatos 50 anos e, pela freguesia que frequenta ou conhece a Gelada do Biu, vai ficar mais uns 200 no mesmo canto. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Alguém já pensou, atualmente, com tudo expresso, em passar 50 anos trabalhando no mesmo lugar, produzindo a mesma coisa? E gostar desse ritmo de vida? Se a resposta foi sim, mesmo sabendo que muitos disseram não, é bom ir visitar o conhecido Biu da Gelada, na Feira Central de Campina Grande-PB. Ele também é assim. Com 75 anos de idade, Biu, é Severino Pereira de Araújo e se orgulha em vender lanche no mesmo ponto há meio século.

"Sou diferente", disse Biu, que não gosta de arte, detesta política e só dá um pouquinho de moral para o seu time de coração, o Campinense. Apesar de todo esse tempo trabalhando ali, o negativo Biu diz que o negócio "já foi bom". Em 2006, ele saiu com essa pra cima de mim, durante reportagem especial da Feira. "Meus rendimentos caíram 1000%. Antes, eu desmanchava 35 kg de açúcar/dia. Hoje eu desmancho 5 kg”. Essa semana ouvi a mesma conversa. Parece até que o calor desse Verão não motivou à gelada.

Mas Biu é pessismista não só sobre o próprio negócio, que concorre injustamente com os sorvetes, mercados públicos descentralizados, falta de cliente, mas sobre a política também, que ele "tem nojo". Segundo ele, os políticos são péssimos nos relacionamentos com os eleitores, "só vivem mentindo, só visitam os pobres no tempo das eleições". Por causa desse discenso entre o discurso político e a prática politiqueira, Biu só votou duas vezes nas sete décadas e meia de existência. E nem lembra em quem votou.

Informado, Biu aponta a crítica para o atual cenário político, assistido pela TV e debatido frequentemente entre os feirantes. "Veja o que o Arruda fez lá em Brasília", comprova, revoltado. Exemplo de empreendedor e administrador zeloso, como todo homem honesto, ele econselha os políticos: "depois de ser eleito, eles deveriam manter o contato pessoal com o povo".

O pacífico e organizado Biu é um Buda da Feira. Todo mundo que quer ouvir suas recomendações dá um tempinho na Gelada. "O futebol está muito violento. Eu não sinto mais vontade de assistir a um jogo", justifica. Ele retirou os milhares de adesivos que enfeitavam o seu treiler pra evitar as pileras nos pós-derrotas do Campinense e do igualmente querido Flamengo. Hoje, só dois adesivos e muito silêncio pra evitar os atritos futebolísticos.


Quanto à cidade onde nasceu, se criou e viveu esse tempo todo, Biu se enternece, dá até um sorriso (o que é difícil, de tão sério). "Tenho amor à cidade", confessa. Para ele, o clima é um dos melhores. Mas o feirante não é apático a sua história. Ou não se apercebeu dessa importância humana ou, para Biu, isso não o fascina. Ele nem sabe como se deu a mudança da antiga Campina para uma cidade projetada como um grande e moderno centro comercial, que foi no período em que ele nasceu (1930-40).

Mas Biu guarda com carinho na memória os tempos áureos da Feira Central, seu universo. "Comecei a vender lanche na antiga feira central de Campina, no famoso Beco dos Bêbados. Lembro bem da alegria dos feirantes com a mudança para um mercado público (há 50 anos), coisa que me emocionou muito", declara o sentimental.

Depois de tantas perguntas sobre o gosto desse super-homem, confesso que fiquei sem ter o que questionar quando Biu disse que o seu passatempo predileto era visitar os filhos que moram na cidade e ir à igreja. O viúvo e solitário Biu me ensinou que a discrição é a alma da simplicidade. "Meu xodó, a coisa que mais me dá prazer, é olhar as fotos da minha netinha de quatro meses de vida no computador da minha filha".

18 de março de 2010

ESTADO ANTERIOR AO EXISTIR


PROCESSANDO - Tem dias, como hoje, que o pensamento vai longe e trafega na órbita terrestre por horas, livrando cometas e observando planetas estéreis de uma vida que conhecemos. Entramos no território anterior a esse formato material de viver para entender um pouco sobre coisas que não significam tanto, aparentemente. | imagem: Sue Dias

Da boca, não saíram as meias verdades com as quais eu estava acostumada a lidar. Vazia está essa textura. Assim como eu, não encontra consolo no dizer. Lembrei daquelas nuvens escamosas do Zangarelhas, passando, esparramadas, soltando pedaços indecisos entre o vermelho e o laranja da tarde, como imensa toália de renda esfumaçada a sobrevoar por cima das minhas primeiras observações da beleza celeste.

Eu era só canoa
balançando na água da tarde
cruzando o Zangarelhas
pequena como uma piaba...

Meu pai pescando
olhos grelados no pronfundo
e o céu ignorando tudo
com nuvens escamosas.


Hoje eu queria estar, talvez, em forma de átomo, a girar, enérgica e luminosamente... Talvez no universo, ainda, caindo em partículas minúsculas, formando-se, chegando à Terra, entrando em consonância com outra energia, que me atraísse cegamente para um útero. Antes desse mergulho num começo de vida, passariam por mim outros bilhares de restos de estrelas, circulando, eufóricas, comentando sobre um reagrupamento.

Não me animaria, apesar de ser tão invísivel quanto às outras poeiras celestiais. Faria serão no breu da galáxia, mas não aceitaria companhia. Hoje é meu o silêncio. Guiaria minha força granicular, por mais que as energias me seguissem, viraria no vácuo das curvas dos grãos, pra prolongar meu não-estado de ser. Não queria ser matéria... hoje não.

17 de março de 2010

DAS FASES E DAS VONTADES


ANTE-ANSEIO - Não querer é uma fase do existir, mas que faz a pessoa entrar em paranóia, pensando muito no que desejar ou se esconder as vontades vai aniquilar o direito delas surgirem. (texto confuso, de 2007) | imagem: Menina de trapos

VALDÍVIA COSTA

Fases que escapolem ao sol do meio-dia. Pensar nelas me causa uma angústia desmedida. E pensar que eu já senti muita vontade, que eu a causei ou que ela veio ao meu encontro é como afundar naqueles pufs fofos gigantes. São temerosas essas fases silenciosas, ocultas entre as ocupações da rotina e as preocupações do amanhã. Mas eu as encaro. São frias, porém verdadeiras, nos mostram o quanto nossos desejos podem nos desmotivar.

Para onde vai a vontade quando não se sente mais à vontade em vivê-la? Ponderar sobre o que queremos me dá equilíbrio, embora tenha gratidão pela revolta, pois só ela transforma. Por isso renego as fases frágeis e não me sujeito mais a guardá-las. Afugenta-se em mim, agora, o orgulho. Lembro-me das tantas vezes que esperava, anciosamente, as respostas.

Respostas não dadas, mas tomadas aos solavancos, devido à falta de encaixe nas vontades dos outros. Eu escalei minha própria montanha de questionamentos sobre a vida e sobre os momentos que enfretamos, com dúvidas e inseguranças. Não atingi o topo da irreverência, pois ainda preciso de gente, de trabalho, de tudo o que construimos. Mas criei meu escudo contra o que já vem pré-estabelecido, empacotado ou simplesmente entregue como verdade absoluta.

Pensar que posso querer e esse desejo me afetar direta ou indiretamente me deixa quieta, sem ação. Porém não faço dessas fases evitadas tormentas. Não as quero me assombrando por toda a vida. Por isso, às vezes, solto os meus receios pela casa... monstruosos são os quereres, tanto nos maltratam, tanto nos impugnam com seus rostos cálidos de desejos, pedindo, implorando nossa atenção.

Queria poder parar de querer. Parar a vontade para que o instante seja levado levemente, sem interferência planejada, direcionada ou apontada. Ligo a TV e vejo as cooptações publicitárias e marketeiras a pular na minha frente, alegres como crianças. Todas armadilhas de tantas outras vontades que se uniram e perfilaram os tipos de produtos de consumo.

Quero não querer mais assim, dessa forma predestinada. Queria ter um desejo limpo, nunca antes usado, nunca antes sugerido pelas mídias modernas ou pelo homem. Como não o consigo fabricar, nasce, consequentemente, a frustração por não aspirar. Essa é a fase que devo evitar, comentam. O que pretender, afinal?

16 de março de 2010

EPISÓDIO DA COVA DA ONÇA


NEGOCIAÇÕES - A Cova é um lugar dominado pelo feminino, pelo underground, pelo proibido e por negociações antiguíssimas, como a venda do próprio corpo. À margem, o beco sobrevive sob as sombras de uma época de novidade, quando era passagem obrigatória dos boêmios e dançarinos do Cassino Eldorado na Serra da Borborema de 1950. (texto de janeiro de 2007) | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

A Cova da Onça parece calma à noite. Tem madrugadas que o lugar mostra cenas bucólicas da pobreza material e de espírito que acometem seus habitantes, meio urbanos, meio suburbanos. São experts na vida. Qualquer tiração de onda e o problema se resolve rapidamente. A líder em brigas da área que o diga, uma das putas que trabalha no beco estreito, que dá pra ser visto de boa parte do apartamento onde moro.

Ela está grávida e em breve nascerá o herdeiro da sua baixaria, que crescerá distante da mãe, mas provavelmente numa realidade não muito distinta da dela. Mesmo com sete meses de barriga, a mulher não pára em casa. Ela tem que seduzir, envolver, atrair e aplicar pequenos golpes até conseguir um parceiro pra dividir um quartinho imundo, alugado por dois reais a hora. Ela satisfará um desejo carregado de ódio de um macho.

A puta caucula o lucro daquela trepada. Os três reais do ato em si, um "papai e mamãe básico", vai se juntar aos outros seis que começou a levantar desde cedo do dia pra comprar uma pedra de crack pra passar a noite. O crack a deixa mais revigorada. Na "instiga" que a pedra dá, ela cria coragem pra vencer a concorrência, que é diversa na Feira Central. Afinal, a puta de hoje luta pelo mesmo espaço do travesti, do garoto de aluguel... Acirrado é o competitivo mundo da prostituição.

Mas a puta da Cova da Onça tem a lábia certa. Precisa comer pra dar de comer ao bebê. Por incrível que pareça ou demasiado argumento aplicado, ela tem conseguido manter uma clientela. Homens que têm fetiche por grávidas estão aparecendo mais no pedaço. Os idosos da zona rural, que as visitam no sábado, sempre chegam com sacolas de verduras e legumes. Vejo esperanças penduradas em suas cabecinhas solitárias.

Lá pelo quinto homem daquele dia puxado, e depois do cansaço de encontrá-los, trazê-los ao quartinho, a puta da Cova passou por um calote. O cliente se fartou e a deixou na mão com a desculpa de todo pobre, o liseu. Naturalmente, ela se aborreceu. Deu-se pra ouvir, até o fim da Rua Manoel Pereira de Araújo, os gritos da puta: "comeu, pagou, meu irmão! Não tem essa de liso não. Liso um caralho, tá ligado?!"

A mulher teve que entrar numa luta corporal com o cliente. O cara saiu correndo e sorrindo da peça que pregou em mais uma puta da Cova. E ela já corria em seu encalço quando a dona do quartinho, sempre alerta nas mutretas, a brecou gritando: "Tá pensando que vai pra onde sem pagar o uso do quarto?!". Bastou pra briga mudar o foco. As duas putas se degladiaram verbalmente. A confusão reiniciou, veio até o início da Cova e voltou pra dentro do beco.

Uma soltava palavrões agressivos e a outra revidava com mais meia dúzia de insultos, dos mais baixos calões. Deu pra ver a puta grávida se aproveitando dum momento em que a dona do quartinho disse que ia entrar pra pegar uma faca: correu pra dentro da escuridão noturna, Cova adentro. Ainda ouviu-se ela resmungar na fuga: "oxe, o caba me come de graça e eu ainda vou pagar o aluguel do quarto! É ruim!".

15 de março de 2010

AÇÕES PARA O UMBIGO


PORCOS - Pensei num castigo não muito impressionante para pessoas egoístas. Um texto engraçado, mas bem ingênuo, de 2006. | imagem: Ah Negão!

VALDÍVIA COSTA

1. pensamentos
- Quanto custa?
- Cem reais.
- Aceita cartão?
- Sim. Visa, Master Card, Hipercard, Credcar, American Express e mais alguns que eu não decorei. Passe a nota naquele balcão ali com o cartão e volte aqui para pegar sua compra. Obrigado, volte sempre! – A atendente abriu um sorriso daqueles que todo caixa ensaia quase 24 horas por dia.

“Pena que a minha vida não é assim, prática”. Neném saiu do supermercado com a sensação de estar se metendo numa enrascada. Em algumas horas, ela iria se encontrar com Mô. Traçou na cabeça um “roteiro exterminador” com todas as tarefas do dia. Como uma figura responsável não queria deixar rastros de negligência pelo caminho. Cuidou para que os filhos não sentissem sua falta deixando um dinheiro gordo para as despesas em suas contas-poupanças até a maioridade onde já estariam, ela esperava, na faculdade.

Ao companheiro que iria abandonar, que viveu com ela os últimos 12 anos, deixaria uma bela carta desculposa para estimular o perdão e instigar a enfrentar o futuro solitário (ou acompanhado, quem sabe?!). Neném imaginava que, se houvesse o perdão, haveria o sentimento de liberdade para ambos e, consequentemente, a paz entre os dois, evitando consequências drásticas como um duplo homicídio seguido de suicídio. Tudo parecia certo em sua cabeça e Neném chegou em casa para aprontar tudo e encontrar o seu novo amor.

2. decisões
- Xaaano...? Pisiuuiu... “Onde esse filho da mãe se meteu? Esse gato safado só some na hora mais difícil. Vou deixar a comida dele no prato e ele que se vire”.
- Mãããe!
- Que é? Tou na cozinha!
- A senhora vai sair?
- Vou.
- Vai onde?
- Vou encontrar uma amiga. Porquê?
- Nada. Eu só queria saber... Eu vou sair também.
Neném não estava nem um pouco interessada se Richele ia se lembrar de usar a camisinha. Ela própria não sabia se ia ou não usar! Pensar na camisinha a deixou com uma cara cínica...
- A senhora tem o quê? Eu nunca vi isso! A senhora não falar nada e ainda dizer que tá certo eu sair à noite!
- É? Eu nunca agi assim, né?
- Tá doidona, é mãe?
- Não. Só mudei um comportamento. O que é que tem?
- Nada. Eu acho ótimo que tenha mudado... Posso ir mesmo vou indo!
- Deve ir. Meninas como você têm mais é que descobrir a vida sozinha mesmo. Para que serve uma mãe perguntando as coisas, né? Vocês só respondem o que querem...
Pasma com a atitude desenvolta da mãe, Richele resolve ir antes que ela “varie as ideias” de novo!

3. sem chance
“Mô deve atrasar como sempre. Vou beber um vinho, depois adormeço nua...” Neném saiu de casa imaginando as possibilidades eróticas que lhe vinham às enxurradas na cabeça confusa de paixão, desejo e expectativa. Antes disso, avistou o filho pré-adolescente, Ricardo, assistindo besteira na TV. Não se alterou. No quarto, se assustou com a figura do marido Tião sentado na cama, pensativo.

-Ai, que susto, Tião! Que foi? Perdeu dinheiro de novo no jogo?
Tião respondeu com um sorriso cansado. Se levantou, pegou os ombros dela suavemente... Neném gelou. Ficou a tremer e a temer. Pensou na possibilidade dele saber dos planos dela.
- Que é Tião..? – Ela nem sabe como saíram aquelas frágeis palavras.
- Neném, eu...
- Hum?
- ...vou sair hoje à noite.
- Ah, é?! - Alívio... Neném nunca se sentiu tão leve!
- Vou encontrar um amigo que não vejo desde a faculdade...
- Certo. Eu também vou.
- Hã?! Comigo? Ah, querida, eu não posso...
- Não!!! Não é com vocês que eu vou sair! É com uma amiga. Vou passar na casa da Regina para fofocar. - Os dois sorriram.

Ambos tomaram banho e se arrumaram em silêncio. Neném tentou cantarolar uma música que ouviu no rádio à tarde, mas era muito desentoada, deu enjôo. Tião parecia que estava cumprindo a tarefa de casa: emburrado, concentrado e abusado, calçando os sapatos.

4. partida
Neném deixou que Tião saísse antes. Fez questão de olhar se estava tudo trancado. Não entrou no quarto de Richele porque sabia que ela havia saído também. Além da porta do quarto de Richele, voltou e lembrou que Ricardo tinha ficado. Entrou no escuro. Acendeu a luz e viu seu filho caçula ressonando. Ficou um pouco ressentida. Mas havia uma meta, agora. Somente depois de tanto cuidar dele, ela tinha a vida dela. Mais forte que qualquer instinto materno. “Seria a menopausa?”, questionava-se Neném.

Partiu às 20h00. Todos os bilhetes contavam tudo. Neném esperava, pelo menos, não causar tanto desespero saindo sorrateiramente de casa. As justificativas eram plausíveis, mas passíveis de protesto. Sem violência ou total transtorno. No meio das frases marcantes, Neném lembrava a que mais retratava o seu momento particular, único: “Tem dias que a necessidade de cuidar da própria vida fala mais alto”.

5. chegada
Quando Neném chegou, a casa de Mô estava praticamente no escuro, como ela previu. Ele só chegaria no outro dia e ela planejava uma surpresa “quente”. Apesar de Mô não ter dado a cópia da chave da casa dele para Neném, ela copiou escondido, justificando para si mesma que a folga era por uma causa nobre: a satisfação sexual dos dois. Depois de dar uma com Mô, ela pensaria nas desculpas.

Abriu a porta com cautela. Deixou a bagagem na parte de baixo da casa. Subiu a escada. Na metade do caminho, ouviu um barulho no quarto. “Será que ele tem gato também?” Neném subiu mais três passos e ouviu mais um sussurro. O medo já estava chegando na boca do estômago quando ela pensou na possibilidade de ser uma alma penada. “Será que morreu alguém nessa casa?!”. Mesmo transbordando de medo, Neném subiu mais um degrau, já a dois da porta do quarto. O terror se espalhou por todo o corpo numa tremedeira barulhenta, pelo menos para ela mesma. Ela segura as mãos contra o peito e encosta o ouvido na porta. Ouve, baixinho, a voz de Mô. - Calmaa... assim é melhor...

O frio que deu milhares de voltas gélidas pelo estômago de Neném motivou-a a ficar mais um tempinho parada, escutando. Novamente, ela ouve o amado soltando gemidos eróticos e aquele tradicional “sss” que deixa todo mundo excitado. Mas Neném não estava excitada. Ela estava irada!

6. surpresa
“Ele tá transando?! Filho da puta! Fudendo no escuro e eu achando que ele tava viajando!” A indignação transformou essa mulher de um jeito, que Neném abriu a porta de supetão, acendeu a lâmpada e flagrou um inesgotável e suado Mô se esbaldando em cima de uma figura branca, de peito cabeludo...
- Tião! Môô... – a voz de Neném foi desfalecendo junto com ela.

7. explicações
Desde a saída de casa que a vida estava se tornando cada vez mais parecida com um cenário de infinitos labirintos. Depois de ter acordado no sofá e ter se negado a conversar naquelas condições, Neném saiu primeiro da casa de Mô, com bagagem e o aspecto de choque. Deu saudade dos filhos. Ligou para casa e falou com Ricardo, o caçula abandonado.

- Voltar?! Nem pense nisso! Eu não quero e tenho direito a essa casa com todos os móveis, depois do abandono. Tá pensando o quê? Eu sou de menor! A senhora, pai e Richele deixaram bilhetes para mim dizendo que estavam me deixando para cada um cuidar de sua própria vida no dia do meu aniversário! Isso são provas! No de pai, eu ia ficar com a senhora. Mas a senhora deixou escrito que vou ficar com ele. E ainda a Richele, que acreditou me deixar com vocês dois. Não deu nada certo, foi?! Pois agora quem não quer ninguém aqui sou eu! (tu-tu-tu...)

13 de março de 2010

SEGUNDO DEVANEIO SOBRE A MORTE

ISOLAMENTO - Essa é a sensação de qualquer pessoa que é pega de surpresa com um fato drástico, aterrador. | imagem: Deivy Costa, no blog Universo HQ

VALDÍVIA COSTA

Glauco desenhou um de Los três amigos que eu mais curtia na adolescência. Era o único que, na revista Chilete com banana, parecia ter movimento. Suas várias perninhas e cara de lesado me cativaram. Foi por causa dele e dos desenhistas de HQs dessa revista que eu desejava ser uma deles, até os 14 anos. Hoje revi esses personagens de duas décadas e me deu uma sensação triste de solidão.

Não temos certeza mais humana do que a morte. Mas a realidade, muitas vezes, nos faz questionar a tudo e a todos. Tem coisas que nos soam, na vida, como contracensos. No caso do Glauco, ele era um líder espiritual do Santo Daime, morto com tiros à queima roupa, como prega o jargão policial. Soa-nos uma injustiça esse violento fato devido ao outro pacificador, de que ele era religioso, vivia com divindades, ou acreditava nelas, pelo menos.

Dá-nos uma sensação de querer vingarmo-nos, de querer entendermo-nos, ao mesmo tempo, descobrir porque somos assim, humanamente mortais. Temos tanta importância para uns, acreditamos tanto nos ensinamentos desde pequenos, construimos vidas interessantes aos olhos humanos, criamos, amamos, firmamos nosso nome na história, para, um dia, pura e simplesmente, acabarmos sem explicações.

Acredito ser essa ausência, esse vácuo de conhecimento, que nos faz pensar se pai e filho se encontrarão no mundo espiritual o qual eles cultivavam aqui na Terra. Não sou tão cética ao ponto de me perguntar isso sem respeitar o que os daimistas creem. Já participei de duas reuniões do Santo Daime, como curiosa, e vi que há uma ligação muito forte entre pessoas, plantas, animais e divindades. Quem sou eu para duvidar?

Porém fiquei cobrando de algum deus os porquês. O primeiro, bem maniqueísta, era: por que eles eram religiosos, estavam tentando fazer um 'bem' para um ser humano desequilibrado e receberam o 'mal'? Pode ser ignorância espiritual, pode ser preconceito religioso, pode ser até burrice de sensibilidade mesmo. Mas ninguém consegue entender porque a mão dura e contraditória da morte atingiu pai e filho, desviando-se do assassino.

Fiquei com o silêncio do nada me cercando, me provocando e me fazendo escrever meias-revoltas. Somos um nada mesmo. Mas, é como escreveu Nietzsche: "facilmente ninguém tomará por verdadeira uma doutrina porque ela torna felizes ou virtuosos os homens (...)". Isso porque, para ele, "a felicidade e a virtude não são argumentos".

Há algo mais do que o bem e o mal na ideologia daimista, eu sei e percebo isso. Talvez o pai e o filho já soubessem dessas respostas e eu, tola descrente, desconheça. Tomara que sim, que eles tenham encontrado o sentido da vida, mesmo depois da morte. E que eles sintam-se em casa, misturados ao verde da paz, do amor e da luz, como um dia idealizaram e desejaram.

12 de março de 2010

"VOCÊ TÁ DOIDA PRA ME DAR..."


TIETAGEM - Numa conversa entre dois observadores, Totonho, um dos músicos paraibanos que mais conseguiu repercussão em seu trabalho, nacional e internacionalmente, confessou que Monteiro, sua cidade natal, tem tudo pra bombar nas artes. E eu concordo. O músico está com novo CD e várias histórias interessantes. | imagem: divulgação / Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

O que acontece quando dois apaixonados por um lugar vão conversar? Muitas histórias memoráveis, lógico. Foi assim essa entrevista com o músico paraibano Totonho. Ele nasceu e se criou em Monteiro, no Cariri, mas mora no Rio de Janeiro. Eu não sou de lá, mas descobri suas riquezas culturais desde 2006 e reverencio a cidade. O bate-papo foi bom, rendeu surpresas: Totonho só conheceu sua conterrânea, a pifeira Zabé da Loca, no Rio.

Outra novidade é o segundo disco do inquieto músico, Sabotador de satélite, que tem uma visão do Nordeste a partir de um ônibus espacial. O primeiro CD de Totonho (2001), pela Trama, é mais terrestre. No atual, ele entrou em órbita e se inspirou para criar Jaspion do Pandeiro, A Era Espacial, O Homem Pisou na Lua, entre outras. O trampo tem uma parceria da dupla produtora indie Berna e Kassin. Como poucos, o músico mistura ritmos como xote, ciranda e carimbó com o eletrônico.

Totonho viajou na órbita terrestre para criar sonoridades como o brega Você Tá Doida pra me Dar, que vem chamando a atenção do internauta no projeto Brazil More Than Samba. Depois de faltar com uma entrevista, o auto-brado heróico "Totonho, Venha Salvar o Mundo!" serve para o blog.

DE ACORDO COM "- Sua cidade natal, Monteiro, é um destaque no Estado pela expressão da cultura e das artes. O que você acha que ela tem que as outras cidades, principalmente as caririzeiras, não têm?

TOTONHO - Monteiro possui um vínculo ancestral com a palavra. Foi criada a partir de uma fazenda dos Monteiros, os portugueses da Região dos Tras dos Montes, os criadores de cabra e bodes. Então, a palavra virou game na cidade. Mesmo os que não falam muito bem, são poetas, sabem colocar a palavra. E, como a música brasileira tem acento substancial na Palavra, é a palavra portuguesa que dita o som, quem pastora o som, que processa a sonoridade. O lugar foi se desenvolvendo em torno do seu tesouro que é a palavra. Levamos esta pequena vantagem no Cariri. Mas acho que hoje já influenciamos toda a região.

" - Sua cidade tem cerca de 30 mil habitantes e é cheia de poetas, declamadores populares, como fazia Pinto de Monteiro e como faz ainda Expedito de Mocinha. E também possui expoentes da música, como a respeitada Zabé da Loca. Você acha que essas personalidades te influenciaram no fazer artístico, na música, ou Monteiro inteira contribuiu, com sua imensa vida rural (a maior área da Paraíba) e suas belas paisagens? Ou não veio do Cariri suas inspirações provocadoras da aspiração na arte?

T - Repare Val: dizia Dostoiévski, "O interior é universal, se parecem, é onde o curioso nasce. As Capitais são iguais e cada vez mais se esforçam pra isso". Minha nocão de arte e cultura nasceu das anedotas contadas por minha mãe e meu pai. São histórias de crendices e heroísmos de caboclos simples. Isso já herdado do que falavam de Camões e coronel Ludugero, entres outros. Mas a sociedade monteirense sempre foi metida, atirada, ousada. Na poesia, eu admirava Abelardo dos Santos, Firmo Batista, Pinto, que inda ouvi cantar umas duas cantorias, e Flávio José, com quem fui basicamente criado musicalmente, asistindo aos ensaios dos Tropicais. Agora, o ar de Monteiro é impregnado de poesia. Respeita-se isso. Acho que deveria se investir mais pra consolidar a cidade como um corredor cultural do Cariri. É preciso saber escoar a produção e isso Monteiro tem feito, estamos nos quatro cantos do País com nosso jeito e astúcia...

" - Você gosta de cabras, isso é notável em algumas composições. O que você acha dessa cultura caprina que também toma Monteiro, a ponto de se ter a maior produção de leite de cabra do Brasil? Como é sua relação com a caprinocultura? Também é criador desse exótico e totalmente aproveitável animal, como seu conterrâneo caririzeiro, Ariano Suassuna?

T - Como já relatei, Monteiro descende de um povo da região de Portugal que são os maiores conhecedores desse animal no mundo, os Tras dos Montes, que curiosamente são chamados de Os Monteiros. O meu pai se chamava Chico Buchada. Minha mãe foi uma das maiores especialistas no prato, por isso tinha um bar muito frequentado por poetas e cantadores, e também a jovem guarda musical de Monteiro. Meu irmão tem uma fazenda de embriões e cria bodes de raça. Eu só faço firula, porque o tema me foi empregnado desde a infância...

" - Fale um pouco dos seus projetos musicais. Tem CD, show novo por aí? Como você tem administrado sua carreira morando no Rio de Janeiro? Tem alguma gravadora tocando e distribuindo seus fonogramas? Totonho agradou aos cariocas a ponto de não sair do Rio?

T - É, o Rio me tomou de assalto (risos). Sempre tive vontade de viver aqui. Mas me sinto em casa. Ou seja, foi daqui que tomei fôlego pra atirar as sementes da minha música para os mais de 20 paises em que já toquei. Minha gravadora, a Trama, foi vendida para a Sony. Vi que, dentro de uma grande gravadora, eu poderia ficar na geladeira. Recuperei os direitos de imagem e agora estou concluindo o terceiro CD, CANÇÕES PRA MACHO CHORAR E ROER UNHAS, com participações de Zeca Baleiro, Lenine, Chico César. São baladas densas, algumas de auto flagelo, pra fazer o homem pensar na vida e o que de fato quer com as parceiras (ou parceiros). Mas um disco, também, muito politizado, digo: onde me exponho em algumas opiniões políticas. A gravdora atual é a francesa COMETA RECORDES/SELO TOTEM. No Brasil, inda sem definições, mas com boas conversas com a carioca Dubas, do compositor Ronaldo Bastos.

" - Você ainda faz um trabalho social com crianças em situação de risco no Rio de Janeiro? Se sim, quais os maiores gargalos desse tipo de projeto? Se não, cite algum outro trabalho que você conhece e o que isso tem mudado na realidade das pessoas.

T - Olha, durante 15 anos participo de ações sociais aqui no Rio. É um trabalho apaixonante e perigoso. Minhas últimas músicas são impregnadas desses assuntos. Atualmente só colaboro com a Madame Satã FM, que eu próprio criei. Tenho tido outros assédios pra voltar à linha de frente, mas tive que dar uma chance à minha carreira, que estava ficando em segundo plano. Mas continuo dando cursos em comunidades, favelas e assessorando grupos de novos educadores.

" - Pra encerrar, como você mesmo sugeriu, só falta contar como foi o seu primeiro contato com outro grande nome da música monteirense, a Zabé da Loca. Você chegou a conhcê-la ainda quando morava em Monteiro?

T - Ouvi falar de Zabé pela primeira vez quando estava já vivendo no Rio. Foi um filme feito pelo pessoal do Paraiwa, chamado (acho que) "Casa de Morada". Fiquei impressionado. Mesmo sabendo que a sociedade nordestina é estremamente matriarcal, no caso daquela senhora com pele cabocla e olhos de holandês, a impressão iria muito mais além. Depois, coincidentemente, minha empresária, a Lu Araujo na ocasião, começou a reprersentar a Zabé, e nos conhecemos numa festa de aniversário no bairro de Santa Tereza, aqui perto de casa. Tomamos uma cana brava e carreguei aquele precioso exemplar de humano nos braços até o hotel em que estavam. Conheci o finado Beiçola, que veio a morrer no dia em que fiz meu primeiro show em Monteiro, depois de ter ido embora. Expedido de Mocinha só de nome, depois ouvi algumas coisas, e o talento me entusiasmou. Hoje sou muito mais ligado a Monteiro do que no tempo em que morava em João Pessoa. Me interesso pelas expressões e novidades. Penso gravar cenas do meu primeiro DVD, ATENÇÃO! CABRAS NA PISTA, por lá este ano. Não sei como, mas é um trabalho delicado por conta das distâncias e equipes de produção. Sem apoio estatal seria quase impossível. Mas, se observa que, impossível foi chegar onde cheguei. As coisas rolam. Me sinto um artista acanhado diante da impulsão criativa do lugar. É um dos raros exemplos em que a estrela é a cidade e não os artistas.

11 de março de 2010

LÁ FOI LÍVIA

FOLGA - Depois de tentar entender uma população interiorana com suas imposições religiosas e de concluir suas análises filosóficas, Lívia descansa na praia, tomando sua caipirinha enfeitada. | imagem: Zeca

VALDÍVIA COSTA

Lá foi Lívia, escorregando de cuidados pelos degraus da igreja matriz.
Horas parava para olhar as mulheres,
organizadas em filas.
Tudo limpo. Como seus olhos tristonhos.
Lívia estava em plena procissão de um santo de uma cidade pequena.
Misturada ao povo, olhando a fé, as devotas, freiras, padres...
a filha que pensa, mas inexiste.

E, lá, Lívia, com um dos fones de ouvido estourando um Tony Allen.
De tempos em tempos, ela variava para Portishead...
O povo cantando aqueles cantos religiosos, as loas,
E Lívia lá, viajando noutro mundo,
mas antenada nesse.
Pelo iPod, junto com os sons sinuosos e mântricos das cantoras da igreja,
uma fusion de sons e ritmos a fizeram suar feito pano de cuscuz.

Lá caiu Lívia na realidade.
Sem se sentir a encomenda do Diabo,
ela saiu da procissão e ficou acompanhando,
preguiçosa e divorciadamente, o cortejo religioso.
“O povo só sabe acreditar, desejar, querer...
tem vontade demais neles,
um transbordante desejo que expulsa a realidade.”
Achou melhor pular essa nova pasta de música...
o som não tinha nada a ver com passeios analisadores religiosos.

10 de março de 2010

VISAGEM NUM SOM DO MUNDO

CONCEITO - Na cultura popular, a visão de um fantasma; na música, um som gostoso de se ouvir, dançar, acreditar e passar a vista nas sonoridades mundiais. | imagem: Augusto Pessoa

VALDÍVIA COSTA

Crenças à parte, canções ao todo, Visagem sintetiza um som nordestino modernamente envolto pela música do mundo. Sentimos a nossa cultura afro brasileira pulsar, por exemplo, em Xangô (faixa 5) e acompanhamos com a cabeça a sutil escaleta ecológica de Passarada. O baixo, a bateria e os metais pra lá de buliçosos compõem os novos ritmos da Cabruêra em seu quarto CD. Ah! Esqueci do original style do violão esferográfico. Hipnotizador.

Não tenho cacife para avaliar artisticamente nenhuma obra de arte. Por isso não faço crítica de música, cinema ou qualquer outra coisa aqui no blog. Mas fiquei me coçando pra dizer que esse é um dos melhores CDs da banda (difícil escolher), não só pelas músicas, mas pela arte gráfica, zelo e ligação com o que temos de mais sensível, nossas histórias religosas e sustentáveis, visto que somos ligadíssimos à terra, à fauna e à flora.

Acompanho o trabalho dos cabras paraibanos desde a primeira aparição inesquecível na efervecente faculdade de Comunicação Social. Nesses remotos tempos, a galera curtia, fazia e inventava arte o tempo todo. Desde o primeiro CD, a Cabruêra conseguiu trazer novidades musicais embaladas nas nossas tradições. Se alguém acha que é só rock, é preciso abrir mais o ouvido. Tem pássaros acompanhando Arthur Pessoa na faixa seis, a que mais curto.

Para não deixá-los somente com essas superficiais impressões de uma mera fã, uma coitada que só sabe dançar e achar bom um trabalho caprichado, vou mostrar a vocês a crítica de um blog especializado no assunto:

(...) Pra mim sobra especular que “Visagem” é um trabalho conceitual, seja no trato visual, no poético e no rítmico, expostos nas doze composições diversificada entre temas instrumentais, abordagens folk-regionalista e mantras típicos nordestinos. É música, mas é também poesia e imagem. Tem um trabalho gráfico maravilhoso, cuja arte tem a assinatura do fotógrafo Augusto Pessoa.

Conheço a Cabruêra desde seu começo. Hoje talvez seja o grupo que melhor une, se não for o único, a tradição musical nordestina em conjunção com a modernidade cosmopolita. Se não é o disco mais vibrante, ele tem nas suas entrelinhas sonoras a execução de algo mais complexo e cativante. A produção de luxo do músico e produtor João Parahyba (Trio Mocotó) atualizou, com leveza e sofisticação, a sonoridade sem interferir, contundente, no regionalismo particular que é a marca registrada da banda.

Esse novo trabalho comprova que sua atual formação é a mais coesa e enxuta. Arthur Pessoa, único original, conseguiu reunir excelentes músicos – Edy, Pablo e Leo – que, além disso, são bons compositores, resultado obtido na parceria do quarteto na composição e produção de todo o disco. E um detalhe importante: esses três novos membros são de formação roqueira, dando uma maior e mais interessante amplitude musical. (...)

Veja o resto da crítica no blog Meus Sons.
Tem mais declarações apaixonadas no Overmundo.
Contato: arthur_pessoa@yahoo.com.br

9 de março de 2010

GLOBALIZADOS E DERRETIDOS


TRADUÇÃO - Sua atenção por favor. Obrigado por escolher a terra como seu veículo planetário. Esperamos que desfrute deste maravilhoso planeta como você através do cosmos. Por favor, note, entretanto, que, no caso da inação continuada em face do aquecimento global, sua almofada assento pode ser usada como dispositivo de flotação. Também aproveite o momento presente e busque as saídas de emergência do planeta. Como você pode ver não há qualquer saída. Terra para América! Você pode ouvir? Envie uma mensagem alto e claro. Você pode ouvir? (Blue man group)

VALDÍVIA COSTA

Estamos derretando. Não consigo mais raciocinar com este calor. Faz dois dias que sinto o vento do ventilador me refogando. O Brasil todo passa pela temperatura torrificante de um dos períodos mais quentes dos últimos tempos. Cidades como Campina Grande-PB, que, 10 anos antes, costumava fazer de 23 a 25 graus até o outono, hoje pegam fogo.

Mas não serei apocalíptica. Há quem duvide do fim do mundo em 2012, sabia? Afinal, depois do filme que leva o nome do ano marcado pela profecia Maia, muitos cientistas do clima (que aproveitam os holofotes para pipocarem em todo canto do planeta) afirmam, com gráficos amedrontadores, que as alterações climáticas estão doidonas e que vamos passar por tempos mais áridos.

Suando e pensando num banho de cachoeira, li algumas coisas pra tentar colocar visões drásticas aqui sobre previsões definhativas da humanidade. Mas, depois de ver que tudo está se tornando uma guerra midiática de informações desencontradas, resolvi postar soluções simples, que no dia a dia fazem uma pequena diferença. Vamos descarregar as consciências poluidoras, que todos têm e nem ligam, até assistirem algum vídeo-apelo-mortal-melodramático.

A primeira delas é pra se fazer da terra um condomínio. Isso mesmo, precisamos organizar a vizinhança global. Portugal tem uns sites bem interessantes sobre as alterações climáticas e nesse do condomínio se encontra o maior desafio que se colocou até hoje à humanidade. Sintam o drama e depois terminem de ler esse texto no link do Terra Condomínio.
Ao descobrirmos que entre a crosta terrestre, o mar, a atmosfera e os seres vivos, existe uma rede complexa de interligações permanentes que sustentam a vida no planeta, temos de adaptar o nosso modo de vida e organização a este funcionamento global da Biosfera. Somos todos vizinhos, dependemos de todos, e problemas globais não se resolvem de forma isolada.
Desde o começo deste mês, outro canal português, o Quercus TV, divulgou o lançamento do documentário THE COVE - A Baía da Vergonha, já em exibição em Lisboa. Sara Campos escreveu no site que o filme revela um grave crime ambiental cometido no Japão. A produção é do fotógrafo da National Geographic, Louie Psihoyos. Entre muitos outros, este filme conquistou o Prêmio do Público no Festival de Sundance 2009.

Sobre o verde, achei no Quercus um blog que aposta nos bosques, o Criar Bosques. Isso é muito legal. Aqui onde moro pouca gente tem uma consciência ecológica. Do nosso pequeno grupo de amigos, só nós não levamos sacolas plásticas pra casa, por exemplo, e usamos a eco bag. Tem ainda o artista plástico Júlio Leite, que planta árvores na cidade há anos, pra criar "micro climas" como ele mesmo explica.

Por último, mais uma dica para quem está com a mão na argamassa para construir uma casa: que tal uma ecocasa? Copiei o que precisa para se ter esse padrão consciente de moradia do site Ecocasa. Vejamos o que precisa para uma construção sustentável:
* substituição de iluminação
* anulação de stand by e off-mode
* comparação de equipamentos de frio
* comparação de máquinas
* comparação de equipamentos
* solar térmico
* bomba de calor de subsolo
* fotovoltaico
* emissões de CO2

8 de março de 2010

RECORTES DE MENINA


AS IRMÃS - As duas das pontas precederam as duas do meio. As mais jovens entrelaçadas e reavivadas pelas matriarcais figuras que instigaram a vida feminina. Para homenagear tais ilustres figuras mergulhei num conto empoeirado de 2003. Aqui as denomino apenas mãe, tia e irmã, pra fugir da rotina dos nomes | imagem: Roberto Lucena

VALDÍVIA COSTA

CAPÍTULO I - ETERNA AUTORA DE NOSSAS VIDAS

Uma das recordações infantis que me cercam hoje é das rosas de minha mãe. Tão belas e perfumadas quanto ela, a mãe seridoense. E sempre muito bem cuidadas. Observando minha mãe cultivando essas belezas naturais (dela e das plantas) comecei a ser cuidadosa também comigo e com minhas coisinhas. Aquele capricho dela ao espalhar uma belezea singela pela casa me deixava fascinada. Fui criando o hábito de arrumar minha gaveta, minha caixa de brinquedos e até meus origames tinha uma pasta organizada e elogiada.

Nessa época, minha mãe era apaixonadamente calma e nós, os três filhos, muito distintos em comportamentos. Naquele tempo, de descoberta para mim e de introspecção para ela, eu a via como uma deusa. Nunca mais eu senti admiração por uma mulher como senti por ela naquela época. Eu fazia questão de ser o que ela quisesse, apesar de não entender nada de futuro e outras coisas que ela falava. Mas existia ali a entrega total de uma mulher a outra, de uma filha a uma mãe.

O ser que ilumina tudo e o que se sente abdusido por ela. Sem demagogia, sem interesse ou sem qualquer noção de perigo ao se render assim. Eu me orgulhava quando me confundiam com ela. Achava que estava me parecendo com uma mulher bonita, que sabia alimentar flores e deixá-las igualmente lindas. Porque isso para mim era o padrão máximo de beleza e soberania feminina. No universo masculino não havia cor, perfume ou forma. Mas no meu mundo, mãe e natureza estavam acima do bem e do mal.

Questionar minha mãe? Nem morta! Ela falava e eu concordava. Ela fazia e eu copiava. Um amor incorruptível. Naquela encantadora época nem TV tinha chegado em casa de pobre. Talvez por essa falta de informação só tenha vindo enxergá-la com os olhos da crítica depois que minha mente expandiu à procura de livros. Nesse momento, os programas televisivos e revistas falavam do diálogo na educação dos adolescentes.

Como senti falta de chão quando percebi que minha querida e admirável mãe era voltada ao monólogo. Nossas desavenças começam com os pais justamente no ponto em que os mais novos se deparam com o conhecimento. Nem os pais querem ceder ao novo, nem os filhos cogitam a possibilidade de haver certeza em pensamentos "arcaicos e estagnados". Ainda lembro, depois de toda a revolução que foi crescer, tornar-me adulta e mãe, daqueles puxões nos dedões dos pés para acordarmos e irmos a escola. Acordávamos com um largo sorriso de mãe confortando uma vida de batalhas.

Minha mãe vive num mundo próprio de divagações e sonhos sobre a realidade. Procuro não mais chocar nossos conhecimentos e não subestimo mais a inteligência emocional que a move, incansavelmente, para a proteção materna. Aconchegante forma de carinho é o modo ingênuo e totalmente dela de aconselhar-nos ou vigiar-nos, como eterna autora de nossas vidas, editando, corrigindo e difundindo nossos comportamentos.

CAPÍTULO II - TIA E SEUS MISTÉRIOS EM CAIXAS

Como não ser mulher precocemente vivendo cercada de mulheres tão fortes e poderosas? Outra figura que contribuiu para minha formação foi minha tia materna. Desde que me entendo por gente, "Tia" sempre viveu conosco. Acho que já ouvia sua voz estridente, anasalada, cheia de cuidados, desde o tempo em que estava na placenta da minha mãe.

Fiz tantas fantasias a respeito de seus mistérios. Ela sempre escondia um pouco a sua vida dentro de umas caixas e eu tentava espiar quem a fazia sorrir quando ela revirava essas coisas. Bom mesmo eram os passeios com ela na feira. Provando um pouco as frutas e esperando o tão sonhado momento dos doces. Como o chiclete que ela me dava a caminho de casa era gostoso... um tutti-frutti cheiroso e macio!

Ouvíamos suas cantigas de ninar até bem crescidos. Nada era pior do que não a ouvir cantar para dormir. Tinha dias que ela estava melancólica, cantava umas músicas antigas. Outros, ela tirava umas cinco músicas de Luiz Gonzaga; noutros eram as tradicionais cantigas de ninar, com sua interpretação pessoal, imitando as cantoras do rádio.

No almoço, os pratinhos sempre arrumados por ela, que adorava mimar a gente nessa hora. Rodelas de banana cortadas no círculo maior do prato e a carne assada no círculo do meio. Tudo isso por cima de um prato de feijão com arroz de leite, misturado feito rubacão. Essa arrumação parecia enfeitar as nossas vidas, além de despertar o apetite.

Como podia um coração caber tantos sobrinhos e ela distribuir amor do mesmo jeitinho a todos? O interessante era observar o parentesco nada em comum com minha mãe, sua irmã. São totalmente diferentes! Minha mãe é um pouco maior e morena, tipo índia, de olhos castanhos escuros, possessiva, um pouco materialista. Já a minha tia é baixinha, de pele clara, olhos castanhos claros e totalmente livre. Se pudesse, tia dava o corpo aos outros e vivia em energia, vagando por aí.

As únicas irmãs de uma família de quatro irmãos, com apenas três vivos. Por isso, quando se perguntava à tia porque ela nunca casou, teve filhos ou morou sozinha, ela dava de ombros e dizia rispidamente, como as mulheres seridoenses mais velhas: "porque Deus não quis!" Se bem que, quando crescemos mais, descobrimos o real motivo que a fez escolher morar conosco. Mas isso é outra história.

Tia foi uma fortaleza que nos manteve unidos. Sempre nos deu amor procurando achar o amor dos filhos que não pode criar em nós, seus sobrinhos. Era uma figura que me fazia refletir sempre sobre a tolerância e o abandono de objetivos próprios para a subserviência do sentimento familiar. Olhar para nossa casa, nossa família, e não lembrar de tia movendo-se dentro delas, com seus resmungos rotineiros, soa-nos estranho e oco.

CAPÍTULO III - BONECAS DE PANO E BIQUINIS DE TECIDO

Tinha um universo feminino riquíssimo na minha vida de menina. As bonecas de pano e os biquinis de tecido eram confecionados em casa mesmo, dos restos de panos das costuras de minha mãe. Minha irmã mais velha já costurava bem. Minha mãe fazia questão de nos formar prendadas para o casamento ou vida independente. Então era incumbuda a irmã mais velha ensinar o que aprendia a irmã mais nova.

Crochê, bordado e outros artesanatos não me atraiam. Minha irmã adorava tudo, fazia com ternura o crochê e ficava tudo lindo. Eu não conseguia. Éramos tão diferentes que ficava pensando se realmente éramos irmãs. Seria eu mesma filha adotiva?

Ela era tão recatada e eu tão rueira. Ela adorava o dia, dormia cedinho e eu já dava indícios de uma vida boêmia na infância, assistindo a filmes de madrugada, com uma insônia. Está certo que há uma diferença de idade de cinco anos, mas ela, ainda assim, tentava ao máximo fazer parte do meu mundo acanalhado. E eu gostava daquela história de ser mocinha. Sempre dava um jeito de escutar a tal conversa dela, de adolescente.

A melhor forma que achei de agradá-la foi usando suas roupas para parecer mais chegada dela. Com as reclamações, desisti. Fazer o quê! Paciência, né? Um dia eu iria andar mais com ela, iríamos conversar mais sobre coisas do mesmo interesse... Foi um engano. Minha irmã engravidou aos 15 anos e eu perdi a companhia. Eu não tive tempo para aproveitar a vida com ela.

Na primeira infância ficamos afastadas. Eu morava no sítio com os pais, ela na casa da avó paterna na cidade com meu irmão, por causa dos estudos. Nos econtrávamos apenas nos fins de semana. Brincávamos de boneca na casa da madrinha da minha irmã, em frente à casa de minha avó. O porão das bonecas. Todas estavam ali, inteiras, despedaçadas, novas, velhas... Mas a diferença de idade sempre nos deixou, nessa época, separadas, em grupinhos distintos, das meninas maiores e das menores.

Ainda lembro dos presentinhos que ela me dava no Natal: colarzinhos de continhas cloridas que usei até a adolescência. Acompanhei o nascimento e crescimento dos meus dois primeiros sobrinhos graças a ela. Como a maternidade amolece a mulher! Pude ver a relação sincera dela com os meninos, o amor, o cuidado, o zelo...

Uma nova forma de orientação familiar surgia a minha frente. Pude comparar a filha, minha irmã, passar para a condição de mãe de família. Isso foi uma transição feminina interessante. Ela foi pra sua própria casa, onde eu adorava estar, com seu cheiro de novidade. O próprio quarto dela era agradabilíssimo, com seu cheirinho de nenem e de vida nova começando. Minha irmã abriu uma porta para outro mundo e eu cheguei junto, para brincar com ela de realidades diversas.

5 de março de 2010

AFAGO DA REVISTA LIS


VAI-LÁ-VEM-CÁ - Em meio a nossa introspecção eletrônica virtual fomos vistos pelo mundo físico, através da feminina revista Lis, que também está na net e destaca os blogs "antenados", interagindo com a blogosfera e ampliando as redes. | Desenho: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Pois é... (ruborizada, sorrindo amarelo). Faltei com a entrevista hoje. Isso porque continuo com o mesmo probleminha de descrédito. Já enviei pauta demais pra diversos artistas. Ninguém me retorna (:-() Devo ter perguntas horríveis (hi-hi-hi). Mas vou cuidar e postar outra coisa. É notório que estou sem assunto plausível. Por isso falarei do afago que a revista Lis nos fez hoje, dia 5, numa matéria sobre "o mundo dos blogs em Campina Grande-PB".

A matéria diz que o DE ACORDO COM é um blog destacável, "que vem aumentando o número de acessos e cada vez cresce mais. Em 2009, o blog foi indicado ao prêmio Top Blog e ficou entre os 100 melhores blogs pessoais sobre cultura do Brasil". Foi bom eles terem tocado nesse assunto. Já foi lançada a campanha para o prêmio deste ano. O Top Blog 2010 está sendo divulgado num formato revista eletrônica, lindinho e cheio e novidades.

A revista Lis acertou em destacar a blogosfera, pois é um nicho de mercado, antes de tudo, e estará bombando nos próximos anos. Além de diversificados estilos de escrita, design e conteúdo, os blogs possuem a chave para abrir a porta dessa clausura que foi a comunicação até os dia de hoje. A blogosfera dá voz ao povo. Isso é tão novo, tão revolucionário, que quase ninguém ainda se acostumou e poucos comentam posts.

Digo isso porque pouco vemos o leitor participar do DE ACORDO COM. E somente aqui navegam cerca de 50 internautas por dia. Mas o fato de um site que está em expansão, como o da revista Lis, notar esse poder e dar um espaço semanal para os blogs, já é um começo de conversa. Muitos vão ler e aprender a usar essa ferramenta potente que dá voz e vez ao cidadão.

As pessoas ainda entendem os blogs como sites, lendo o que está lá e indo embora, desperdiçando a feliz oportunidade de interagir com o blogueiro e sua rede de gente que está conectada ali. Um dos vídeos recentes que achei interessante sobre a blogosfera segue bem essa linha de pensamento de união, de agregamento, de rede, que penso trabalhar nesse blog. O canal se chama Ferramentas Blog, de dicas para quem quer montar ou difundir um blog.