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19 de março de 2010

BIU, 50 ANOS DE GELADA NA FEIRA


IMUTÁVEL - Sem se transformar muito, esse treiler está no lugar há exatos 50 anos e, pela freguesia que frequenta ou conhece a Gelada do Biu, vai ficar mais uns 200 no mesmo canto. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Alguém já pensou, atualmente, com tudo expresso, em passar 50 anos trabalhando no mesmo lugar, produzindo a mesma coisa? E gostar desse ritmo de vida? Se a resposta foi sim, mesmo sabendo que muitos disseram não, é bom ir visitar o conhecido Biu da Gelada, na Feira Central de Campina Grande-PB. Ele também é assim. Com 75 anos de idade, Biu, é Severino Pereira de Araújo e se orgulha em vender lanche no mesmo ponto há meio século.

"Sou diferente", disse Biu, que não gosta de arte, detesta política e só dá um pouquinho de moral para o seu time de coração, o Campinense. Apesar de todo esse tempo trabalhando ali, o negativo Biu diz que o negócio "já foi bom". Em 2006, ele saiu com essa pra cima de mim, durante reportagem especial da Feira. "Meus rendimentos caíram 1000%. Antes, eu desmanchava 35 kg de açúcar/dia. Hoje eu desmancho 5 kg”. Essa semana ouvi a mesma conversa. Parece até que o calor desse Verão não motivou à gelada.

Mas Biu é pessismista não só sobre o próprio negócio, que concorre injustamente com os sorvetes, mercados públicos descentralizados, falta de cliente, mas sobre a política também, que ele "tem nojo". Segundo ele, os políticos são péssimos nos relacionamentos com os eleitores, "só vivem mentindo, só visitam os pobres no tempo das eleições". Por causa desse discenso entre o discurso político e a prática politiqueira, Biu só votou duas vezes nas sete décadas e meia de existência. E nem lembra em quem votou.

Informado, Biu aponta a crítica para o atual cenário político, assistido pela TV e debatido frequentemente entre os feirantes. "Veja o que o Arruda fez lá em Brasília", comprova, revoltado. Exemplo de empreendedor e administrador zeloso, como todo homem honesto, ele econselha os políticos: "depois de ser eleito, eles deveriam manter o contato pessoal com o povo".

O pacífico e organizado Biu é um Buda da Feira. Todo mundo que quer ouvir suas recomendações dá um tempinho na Gelada. "O futebol está muito violento. Eu não sinto mais vontade de assistir a um jogo", justifica. Ele retirou os milhares de adesivos que enfeitavam o seu treiler pra evitar as pileras nos pós-derrotas do Campinense e do igualmente querido Flamengo. Hoje, só dois adesivos e muito silêncio pra evitar os atritos futebolísticos.


Quanto à cidade onde nasceu, se criou e viveu esse tempo todo, Biu se enternece, dá até um sorriso (o que é difícil, de tão sério). "Tenho amor à cidade", confessa. Para ele, o clima é um dos melhores. Mas o feirante não é apático a sua história. Ou não se apercebeu dessa importância humana ou, para Biu, isso não o fascina. Ele nem sabe como se deu a mudança da antiga Campina para uma cidade projetada como um grande e moderno centro comercial, que foi no período em que ele nasceu (1930-40).

Mas Biu guarda com carinho na memória os tempos áureos da Feira Central, seu universo. "Comecei a vender lanche na antiga feira central de Campina, no famoso Beco dos Bêbados. Lembro bem da alegria dos feirantes com a mudança para um mercado público (há 50 anos), coisa que me emocionou muito", declara o sentimental.

Depois de tantas perguntas sobre o gosto desse super-homem, confesso que fiquei sem ter o que questionar quando Biu disse que o seu passatempo predileto era visitar os filhos que moram na cidade e ir à igreja. O viúvo e solitário Biu me ensinou que a discrição é a alma da simplicidade. "Meu xodó, a coisa que mais me dá prazer, é olhar as fotos da minha netinha de quatro meses de vida no computador da minha filha".

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