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30 de novembro de 2009

*opinião - Apáticos Patetas


ISOLAMENTO - Viver e trabalhar num lugar onde se vê a cidade, as pessoas, mas só se relaciona com eles virtualmente, está se tornando uma constante na vida do jornalista de Web. Por causa do seu perfil arrojado, de abarcar várias funções na comunicação virtual, ele não se encaixa em coletivos que não sejam eficientes, não se adapta, se desinteressa, cai fora rapidinho. Aliás, qualquer um age assim quando o efeito não surge. Foto e montagem: Val da Costa

Por Valdívia Costa

Ouço vozes dos jornalistas paraibanos. Eles acabaram de realizar, pela primeira vez, a Conferência Estadual de Comunicação, que me parece ter acabado em bate-boca sindical ou qualquer coisa do tipo. Sairam da esfera do individualismo reinante e absoluto para tentarem dialogar os novos mercados.

Participei da conferência em Campina Grande, coordenando o grupo de Conteúdo dos meios. Depois que vi as mesmas caras e posturas, os mesmos discursos e a mesma falta deles, resolvi me individualizar novamente.

Diante da total falta de identificação com o perfil dos colegas e com o próprio evento, que foi democrático e parará, mas não trouxe nenhuma comunicação extraordinária além do que se acompanha nas reuniões enfadonhas e desagregadoras habituais, acho melhor investir em mim. Meus ideais solitários e empreendedores reinam agora.

Sinto-me diferente de uma classe que, verdadeiramente, só enxerga os iguais nas intenções de perpetuar o poder de lideranças que não me representam em lugar nenhum do mundo. Como o miolo de uma conferência é a sociedade civil e a própria classe trabalhadora (jornalistas e empresários) conversando sobre um assunto, pensei, ingenuamente, que seria possível ver alguma mudança significante durante esse momento de discussão na nossa área. Me enganei.

Posso estar com uma certa negatividade, mas passei para o time dos descrentes em relação a novidades no jornalismo paraibano. Pelo que pude saber, o diálogo na Capital foi, mais uma vez, tumultuado.

Para que se entenda melhor, existem dois tipos de jornalistas no Estado: o engessado nos preconceitos, na forma de trabalhar, de pensar ou de realizar o debate; e o corajoso, o foca ou o profissional com menos de 10 anos de batente, que busca avidamente uma mudança, mas sem saber bem qual delas.

Esses dois perfis vivem se degaldiando assistidos por um outro tipo de jornalista que menos aparece na cena das discussões, por isso é menos representativo, o apático. Esse tipo quer apenas garantir o seu emprego ou sustento sem refletir a nossa situação ou sequer esboçar um comentário.

Antes, eu apoiei o movimento dos jornalistas mais catadores de mudanças, o Novos Rumos. Acho que fui militante até a Confecom de Campina Grande. Depois notei que éramos vozes avulsas, sem nenhum discurso formando opinião ou força nas atitudes conjuntas.

Contudo, não acho prudente fazer coro na turma dos jornalistas parasitas (me perdoem os parasitas) que só falam, não se movimentam sem um patrão ou um padrinho. Com esse texto, acredito que nem a turma do fundão, que só faz olhar tudo e ridicularizar mais o momento (esperando o contracheque), vai me expugnar, caso eu quisesse ser como eles.

Então a única solução para quem se preocupa com uma ideologia que fugiu da profissão na Paraíba, e acredito que em todo o Nordeste, é se jogar no mundo virtual. Acredito que o meu trabalho será o único fruto incontestável do meu esforço para sobreviver como uma jornalista interessada na comunicação entre os colegas.

Aqui nesse Estado, os discursos perderam o valor diante das disparidades entre esses dois perfis profissionais, o tradicional e o moderno. O empresariado acha ótimo esse apartaide na categoria paraibana, mas eu entendo esses momentos como uma guerra entre nós mesmos. Como meu perfil não se encaixa mais nem de um lado nem de outro dessa categoria esfarelada, ficarei na blogosfera falando bem da cultura e da arte, já que os meios de comunicação excluem assunto tao importante de suas páginas.

Sei que é difícil retroceder. Afinal eu também procurei a mudança no sistema de trabalho escravista e comercial dos jornais, na apatia e anonimato das assessorias de imprensa e em tudo de comunicação que vejo faltar organização, honestidade e fiscalização trabalhista. Mas não posso compactuar com essa pasmaceira medíocre que vivemos no Nordeste, do esmagamento intelectual famigerado que acomete os jornalistas.

Minha reação é individual porque os coletivos estão dominados de gente atrasada no raciocínio, que prefere fechar acordos brandos com empresários ricos e detonar com os colegas de profissão, desvalorizando cada vez mais serviços e produtos. De certa forma, quem entrou na Confecom na Paraíba pode perceber que, com esses representantes que vão à Brasília, o jornalismo estadual precisa melhorar.

Eu até espero me equivocar, voltar aqui, com o rabinho entre as pernas, e dizer o contrário. Mas essas sentenças comunicacionais viciadas já são tão rotineiras que acredito voltar a falar do assunto sim, mas talvez em tom de escárnio.

28 de novembro de 2009

*opinião - Reconceituar o jornalismo


MIL EM UM - O jornalista pós-moderno, pós-queda do diploma e pós-novas tecnologias, tem que se transformar em vários para estar num mercado cada vez mais saturado do pseudo jornalismo| imagem: Informe Parasita

Marcelo Salles*

Não faz mais nenhum sentido chamar de Jornalismo o que fazem as corporações de mídia. Quem se preocupa com o lucro em primeiro lugar não é uma instituição jornalística. Não pode ser. Quando uma empresa passa a ter como principal meta o lucro, essa empresa pode ser tudo, menos uma instituição jornalística. E aí não importa a quantidade de estrutura e dinheiro disponível, pois a prática jornalística é de outra natureza.

Exemplo: eu posso passar uma semana no Complexo do Alemão com um lápis e um bloco de papel. Posso chegar até lá de ônibus. Posso bater o texto num computador barato. Mesmo assim, se a publicação para onde escrevo for jornalística, vou ter mais condições de me aproximar da realidade do que uma matéria veiculada pelas corporações de mídia.

Essas podem dispor de toda a grana do mundo, de carro com motorista, dos gravadores mais caros, das melhores rotativas, de alta tiragem e de toda a publicidade que o dinheiro pode comprar. No entanto, se não forem instituições jornalísticas, elas dificilmente se aproximarão da realidade da favela, isso quando não a distorcem completamente.

Existem outros exemplos para além da questão da favela. É o caso dos venenos produzidos pelas Monsantos da vida, que nunca são denunciados pelas corporações de mídia. Ou da retomada dos movimentos de libertação na América Latina, vistos como “ditatoriais”; a perseguição aos movimentos sociais e aos trabalhadores em geral; a eterna criminalização da política, de modo a manter as instituições públicas apequenadas frente ao poder privado. Enfim, você pode olhar sob qualquer ponto de vista que não vai enxergar Jornalismo.

Isso precisa ficar bem claro. Claro como a luz do dia. Pra que as corporações pareçam ridículas quando proclamarem delírios do tipo: “somos democráticas”, “únicas com capacidade de fazer jornalismo”, “imparciais” e por aí vai. Fazer Jornalismo não tem esse mistério todo. Em síntese é você contar uma história. Essa história deve ter alguns critérios que justifiquem sua publicação. Alguns deles aprendemos nas faculdades e são válidos; outros são ensinados, mas devem ser vistos com cautela. E outros simplesmente ignorados. Mas, no fundo, o importante é ser fiel ao juramento do jornalista profissional:

“A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na sua luta por dignidade”.

Essa frase, quase uma declaração de amor, não é minimamente observada pelas corporações de mídia. Vejamos: elas não têm espírito de missão, não respeitam nada, nem as leis, estimulam o preconceito, discriminam setores inteiros da sociedade, violam os direitos humanos e não sabem o significado da palavra “dignidade”.

Mas por que o Jornalismo é tão importante para uma sociedade? Porque hoje, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação – são praticamente onipresentes nas sociedades contemporâneas –, a mídia assume uma posição privilegiada no tocante à produção de subjetividades. Ou seja, a mídia, mais do que outras instituições, adquire enorme poder de produzir e reproduzir modos de sentir, agir e viver. Claro que somos afetados por outras instituições poderosas, como Família, Escola, Forças Armadas, Igreja, entre outras, mas a mídia é a única que atravessa todas as outras.

Fica claro, portanto, que uma sociedade será melhor ou pior dependendo dos equipamentos midiáticos nela inseridas. Se forem instituições jornalísticas sólidas e competentes, mais informação, dignidade, mais direitos humanos, mais cidadania, mais respeito, mais democracia. Se forem corporações pautadas pelo lucro, ou seja, entidades não-jornalísticas, menos informação, menos dignidade, menos direitos humanos, menos cidadania, menos respeito, menos democracia.

É por isso que eu sempre digo aqui, neste modesto, porém Jornalístico espaço: as corporações de mídia precisam ser destruídas, para o bem da humanidade! Em seu lugar vamos construir instituições jornalísticas. Ponto.

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*Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da Caros Amigos no Rio de Janeiro e editor do Fazendo Media.

24 de novembro de 2009

*Sertão - O reino da cultura popular


DESTAQUE - cidades como as sertanejas e caririzeiras podem mostrar mais seus trabalhos e divulgar suas tradições folclóricas interesdualmente, graças aos instrumentos de fomento à Cultura criados pelos governos | imagem: organização do Encontro

por Valdívia Costa

Uma das participações mais intensas este ano em editais nacionais de fomento à Cultura foi da Paraíba. É através desses subssídios governamentais que regiões como o Sertão tem se beneficiado com os investimentos. Muitos grupos folclóricos, da música popular e histórias tradicionais foram subsidiados por esses recursos. Uma das cidades que é destaque para o Ministério da Cultural é a pequena Poço José de Moura. A Ong Associação Cultural Pisada do Sertão vai realizar o 3º Encontro Sertanejo de Cultura Popular nas próximas sexta-feira e sábado, dias 27 e 28, com apoio federal.

O evento do Sertão, segundo a organização do Encontro, surgiu para reforçar o processo de difusão das raízes e tradições. Para isso, a iniciativa conta com as manifestações culturais da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte. Com a ideia de inserir os participantes da arte popular no meio sociocultural, fortalecendo a auto-estima dos artistas e da população local, o evento será um grande intercâmbio entre as comunidades e a divulgação das artes produzidas na região.

Graças ao desprendimento e capacidade dos membros da associação de Poço José de Moura, as apresentações de dança, teatro, música, repentistas e violeiros, além da exibição de vídeos, oficinas, exposição de artefatos da cultura popular e da Conferência Livre de Cultura serão a bola da vez na pacata cidade.


PACATA - Poço José de Moura fica no Alto Sertão paraibano e possui 3.944 habitantes numa área de 98 km², segundo IBGE de 2007 | imagem: site da prefeitura

VANTAGEM - Quem desenvolve a Cultura, quem apoia qualquer que seja a inciativa cultural, leva vantagem num país onde pouco as pessoas dão importância a sua história. No caso desse evento, desde a primeira edição do Encontro, a região do Alto Sertão Paraíbano vem se fortalecendo, aprendendo a valorizar, incentivar e reconhecer a cultura popular.

"O Encontro proporcionou uma visão ampla e conscientizadora da cultura popular. Toda a comunidade de Poço de José de Moura e cidades vizinhas esperam a realização do evento a cada ano. Eles querem ver a participação de manifestações culturais dos três estados. Podemos considerar que, durante o Encontro, a cidade vira um calderão de diversidade cultural", exclama uma das organizadoras do evento, Ana Neiry de Moura.

PÚBLICO -
Para comprovar que as pessoas gostam de ver e participar de eventos culturais é só pegar esse Encontro do Sertão e fazer a contabilidade do progresso na área cultural. Segundo Ana Neiry, no primeiro ano do evento foram 150 artistas que atrairam cerca de 2 mil pessoas. Já no segundo ano houve uma duplicação, tanto de números artísticos, que chegou a 300, quanto de público, com a participação de 4 mil pessoas durante três dias.

"Este ano esperamos superar nossa meta, mesmo diante das dificuldades", espera a confiante Ana Neiry. Ela explicou que a manutenção da produção cultural não é fácil. A produção conta apenas com patrocínios de comerciantes (que doam a alimentação), de amigos (que realizam as apresentações culturais), e do trabalho dos integrantes da Associação, que vendem artesanatos e material do grupo Pisada do Sertão, além de promoverem eventos beneficentes.

REFERÊNCIA - A cidade de Poço José de Moura hoje é identificada como um centro de discussão, incentivo e produção da cultura popular, segundo Ana Neiry. Tanto na área artística, quanto na área religiosa, o município consegue agregar um grande número de artistas e produtores do saber popular só com a força da sua própria história.

As práticas artísticas culturais da cidade e da região polarizada são diferenciadas porque estão enraizadas nas tradições populares vivas até hoje. Conforme a organizadora do Encontro, através dos festivais de repente e de programas de repentistas transmitidos pelas rádios locais, vários poetas populares, peças teatrais, reisados e o famoso Grupo de Xaxado Pisada do Sertão puderam se destacar no Nordeste.

Para mostrar o respeito que a sociedade sertaneja tem por realizações como esta, o Encontro conta com o apoio do Banco do Nordeste (BNB) e do Sebrae. No Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) de Sousa os integrantes da Associação realizam oficinas gratuitas de formação artística para o publico em geral.

HISTÓRICO - A iniciativa do Encontro Sertanejo de Cultura Popular surgiu a partir de um potencial cultural existente no município de Poço de José Moura, como em toda região sertaneja. Ana Neiry conta que, após a realização dos eventos Festival de Xaxado do Alto Sertão Paraibano e Simpósio de Cultura Nordestina e Religiosidade Popular (2006), a cultura popular se ressaltou.

"Descobrimos que tanto na comunidade local como em toda região do Alto Sertão Paraibano e estados vizinhos existia um enorme potencial cultural a ser incentivado, valorizado e mostrado para todas as gerações", completa. A partir daí, eles usaram metodologias de trabalhos que envolvessem toda a família, da criança ao idoso, no processo de reconhecimento de sua identidade cultural.

PROGRAMAÇÃO
sexta-feira, dia 27
5h00 - alvorada cultural
8h00 às 17h00 - oficinas artísticas variadas de fotografia, artesanato e artes circenses;
17h00 - desfile cultural pelas ruas;
18h00 às 22h15 - apresentações de grupos de violeiros, xaxado, reisados e outros folclores.

sábado, dia 28
8h00 às 12h00 - oficina de danças folclóricas;
8h00 às 17h00 - oficina de tácnicas circenses;
13h00 às 17h00 - Conferência Livre de Cultura;
18h00 às 23h00 - apresentações artísticas e exibições de filmes.

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Informações: neiry.ana@hotmail.com | 83.3564.1095 / 9114.0201

20 de novembro de 2009

*opinião - O Amor de Si


EGO - a difícil tarefa de amar outra pessoa passa pela negação do amor próprio, ou de parte dele, para só então haver a doação afetiva do entregar-se | imagem: Picasso no blog Transformar-se

por David Hume*

[O egoísmo psicológico] diz-nos que toda a benevolência é simples hipocrisia, que a amizade é uma intrujice, que o espírito público é uma farsa, que a fidelidade é uma armadilha para conquistar o crédito e a confiança, e que, embora no fundo todos nós persigamos apenas o nosso interesse privado, usamos estes disfarces encantadores para fazer os outros baixar as suas defesas e expô-los ainda mais aos nossos estratagemas e maquinações.[…]

Constatamos que os animais são capazes de ser generosos tanto para a sua própria espécie como para a nossa. Além disso, neste caso não há a menor suspeita de disfarce ou artifício. Deveremos também explicar os seus sentimentos em termos de refinadas deduções de interesse próprio? Ou, se admitirmos uma benevolência desinteressada nas espécies inferiores, por que regra de analogia podemos recusá-la à superior?

O amor entre os sexos gera uma satisfação e uma boa vontade muito distintas da gratificação de um apetite. Em todos os seres sensíveis, a ternura para com os filhos geralmente é capaz de contrabalançar por si os mais fortes motivos do amor de si e não depende de maneira alguma dessa afeição. Que interesse pode ter em vista uma mãe dedicada que perde a sua saúde ao cuidar assiduamente do seu filho doente, e que depois, libertada pela sua morte da escravatura desse cuidado, definha e morre de desgosto? […]

Além disso, se considerarmos o assunto correctamente, descobriremos que a hipótese que admite uma benevolência desinteressada, distinta do amor de si, na verdade possui uma maior simplicidade […] do que aquela que procura reduzir toda a amizade e humanidade a este último princípio. Todos reconhecem que há necessidades ou apetites corporais que precedem necessariamente toda a satisfação sensual e nos levam directamente a procurar a posse do objecto. Assim, a fome e a sede têm como fins os actos de comer e de beber, e da gratificação destes apetites primários surge um prazer que pode tornar-se objecto de outra espécie de desejo ou inclinação secundária e interessada. Da mesma maneira, há paixões mentais pelas quais somos imediatamente impelidos a procurar objectos particulares, como a fama, o poder ou a vingança, sem qualquer atenção ao interesse, e, quando conseguimos esses objectos, segue-se uma satisfação aprazível em consequência das nossas afeições saciadas. […]

Ora, onde reside a dificuldade em perceber que as coisas podem passar-se da mesma forma com a benevolência e a amizade, e que, em virtude da estrutura original do nosso temperamento, podemos desejar a felicidade ou o bem de outrem que, através dessa afeição, se torna o nosso próprio bem e é depois procurado pelos motivos combinados da benevolência e da satisfação pessoal? Quem não vê que a vingança, pela simples força da paixão, pode ser avidamente perseguida ao ponto de nos fazer ignorar conscientemente todas as considerações de conforto, interesse e segurança, e, como em alguns animais rancorosos, infundir na nossa própria alma as feridas que infligimos ao inimigo? E que filosofia maligna terá de ser aquela que não dá à humanidade e à amizade os mesmos privilégios que concede indiscutivelmente às paixões mais negras da inimizade e do ressentimento?

*David Hume - Investigação sobre os Princípios da Moral, 1751, trad. de Pedro Galvão, pp. 175-181.
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colaboração: Centro de Estudos Políticos Econômicos e Culturais (Cepec)

17 de novembro de 2009

*quilombos - famílias paraibanas ganham terras


PROPRIETÁRIOS - Quilombolas recebem terras por reconhecimento de ocupação territorial desde a época da escravatura no Brasil | imagem: Incra

Na próxima sexta-feira, dia 20, o Dia da Consciência Negra no Brasil, o presidente Luiz Inácio, Lula, assina um decreto regularizando cerca de 120 hectares de terras que serão de 22 famílias quilombolas paraibanas. A comunidade de Engenho do Bonfim, no município de Areia, Brejo paraibano, será beneficiada com o reconhecimento por meio da declaração de interesse social do território que ocupam, onde seus antepassados estiveram se refugiando da escravidão.

Atualmente, outros 20 processos de regulamentação estão em andamento no Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na Paraíba.

No total, o presidente assinará 30 decretos regularizando mais de 342 mil hectares de terras e beneficiando 3.818 famílias em 14 estados brasileiros. A cerimônia de assinatura dos decretos está marcada para às 17h, na Praça Castro Alves, no Centro Histórico de Salvador (BA).

A propriedade do Engenho Bonfim, atualmente desativado, foi vendida há cerca de sete anos e se transformou em área de conflito. Os novos donos tentaram retirar os 66 moradores que estão na área há pelo menos 25 anos. Algumas famílias moram nas terras há mais de 90 anos.

Pioneiros - Estes são os primeiros decretos de áreas quilombolas que envolvem desapropriações de áreas que não são em terras públicas no País. Segundo o governo federal, a partir daí é possível dar inicio aos processos de avaliação dos imóveis. Após a indenização aos proprietários, as famílias terão acesso a todo o território e posteriormente terão o título de domínio definitivo de suas terras, que é coletivo e inalienável.

O título coletivo da terra dá a possibilidade de levar políticas públicas básicas, como as desenvolvidas pelo Bolsa Família, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por exemplo, a essas comunidades.

Lei - A Constituição Federal, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade definitiva das terras ocupadas, cabendo ao Estado a emissão dos títulos.

O norteamento legal dado pela Constituição foi detalhado com o Decreto 4.887, de 2003, a partir do qual o Incra ficou incumbido de realizar os procedimentos administrativos. Antes do decreto, era o Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares (FCP), o órgão responsável pela aplicação das políticas voltadas aos remanescentes de quilombo.

Títulos - Segundo a coordenação geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) e Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas, de 2003 a 2009, foram expedidos 59 títulos regularizando 174.471 hectares em benefício de 53 territórios e 4.133 famílias quilombolas.

Atualmente, existem 851 processos em praticamente todas as superintendências do Incra. Até hoje, já foram publicados 90 editais de Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID), com a identificação de 1.327.641 hectares, em benefício de 11.656 famílias.
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colaboração: Incra

13 de novembro de 2009

*música - coletâneas paraibanas pelo mundo

Depois de passar por vários processos de produção e difusão de música, a Paraíba agora chegou num nível de fazer sons para exportação. Duas coletâneas foram produzidas e lançadas recentemente no Estado e uma delas, o CD Brazil More than Samba, já foi espalhado pelo mundo. Já a coletânea PB Pop mostra outros trabalhos gravados no Estado.

O produtor da coletânea Brazil More than Samba, Arthur Pessoa, reuniu 20 artistas paraibanos que fazem som nas mais diversas vertentes. O material chegou a Womex na semana passada. O evento tem tudo relacionado à música que circula no mundo, com grande mostruário de sons, além da parte capacitatória e de negociação de praxe em toda feira. E a Paraíba teve o seu espaço garantido por causa dessa coletânea cheia de estilo.

A outra coletânea ainda nem foi divulgada no blog do PB Pop, mas sabemos que ela foi formatada e que já está à venda no carrinho do projeto. Onde encontrar um carrinho que toca som paraibano? Em qualquer evento cultural ou onde ele for convidado. O bom desse carrinho é isso, a locomoção. Isso permite que muito mais pessoas tenham acesso a música produzida aqui, já que o rádio só toca jabá.

Ah, se todo carrinho de som de rua virasse um PB Pop... Íamos ter menos poluição sonora e mais ouvintes do que é produzido no nosso Estado. Se não conhece nenhum som paraibano, acesse nossa coluna à direita, embaixo, na sessão 'música', pra sacar alguns dos nossos trabalhos mais profissionais.

9 de novembro de 2009



Por Ciro Campos*

A nova usina de etanol da Amazônia não é boa para Roraima nem para o Brasil, e pode comprometer a conquista do selo verde que o etanol brasileiro precisa. A nova usina não ajudaria o Brasil porque tem tudo que o mercado internacional não quer: é uma nova usina, fica na Amazônia, vai gerar desflorestamento e disseminar o impacto da cana em uma das maiores bacias hidrográficas da Amazônia.

É uma nova usina: a nova usina ainda não existe e nem obteve autorização para começar as obras, ao contrário do que foi informado aos ministros Minc e Stephanes em agosto do ano passado. Os canaviais para a produção da usina ainda não foram plantados, e os plantios que existem ainda se destinam apenas à produção de mudas.

É na Amazônia: se for aprovada, a nova usina e os canaviais seriam implantados na maior savana do bioma Amazônia, que fica no estado de Roraima, na região conhecida como Lavrado. Segundo os cientistas e também o IBGE, o Lavrado faz parte do bioma Amazônia, que inclui não só florestas, mas também savanas, campinas, bambuzais, várzeas, etc.

Vai gerar desflorestamento: desflorestamento não significa apenas a derrubada de florestas, mas também a retirada de qualquer vegetação natural, seja floresta ou campo, seja na Amazônia ou em qualquer outra parte do Brasil. Se a usina for aprovada, seus canaviais seriam plantados sobre a vegetação nativa do Lavrado, considerado pelo governo federal como área prioritária para conservação da biodiversidade.

Vai disseminar a cana em nova uma bacia hidrográfica: a nova usina seria implantada às margens do rio Tacutu, formador do rio Branco, principal afluente do rio Negro. A bacia do rio Negro é uma das maiores, mais ricas e mais conservadas da Amazônia. A nova usina, portanto, seria instalada nas cabeceiras da bacia do rio Negro, elevando em muitas vezes o volume de insumos tóxicos aplicados nesta parte da Amazônia, e na vizinhança de terras indígenas. A densa rede de rios localizada nos arredores na nova usina tem pouca água no período seco, que coincide com o período de aplicação dos bilhões de litros de vinhoto e agrotóxicos, potencializando o impacto de uma possível contaminação.

Com essas características, essa nova usina coloca em risco o esforço do governo federal, empenhado em garantir ao mercado internacional que o etanol brasileiro não ameaça a Amazônia, o Pantanal, e não compromete as águas, a biodiversidade e a qualidade de vida dos povos. O custo-benefício se revela inviável, pois ela aumentaria em apenas um por cento a área plantada com cana, mas colocaria em risco o valor de todo o etanol que o país produz. O necessário esforço para reduzir as emissões de carbono não pode resultar em novos problemas ambientais, e não deve justificar a expansão do etanol sobre as savanas amazônicas. As riquezas naturais dessa região, assim como o petróleo do pré-sal, são ativos estratégicos que pertencem ao povo brasileiro e que, portanto, precisam servir ao conjunto da nação, e não apenas a este ou aquele estado da federação.

Existem outros meios para o governo federal ajudar o povo de Roraima a viver com dignidade. Fortalecer a produção rural que já existe e investir em indústrias de beneficiamento aumenta a renda no interior, gera empregos nas cidades e fixa a família na sua terra, para que ela não seja vendida ou arrendada em favor da nova usina. Aproveitar o cenário favorável ao comércio internacional e a vocação natural para o turismo também pode gerar divisas. A copa de 2014 será uma boa oportunidade para firmar o estado como potência sócio-ambiental e abrir as portas para o turismo internacional. A produção de biodiesel a partir do inajá, palmeira nativa que é praga na região, pode ser interessante. O Lavrado de Roraima também é campeão amazônico em potencial de geração de energia a partir do sol e dos ventos, potencial que pode ser aproveitado. Além disso, ainda podemos receber a compensação ambiental pela água, o carbono e a biodiversidade, compensação que não é esmola, mas justo pagamento para quem protege os tesouros da nação.

As iniciativas do governo federal para desenvolver Roraima, como a Zona de Processamento de Exportação, a Área de Livre Comércio, a ligação Brasil-Guiana e a regularização das terras, devem ajudar na criação de um modelo de desenvolvimento realmente novo, com democracia econômica e fundiária, aonde a terra cumpra o seu papel de melhorar a vida do povo e esse povo cumpra o seu papel de contribuir para a grandeza do país. Não é cobrindo a paisagem natural de savanas amazônicas com cana e soja que o estado estará dando sua melhor contribuição ao país. O principal papel de Roraima para a grandeza e o futuro do país é proteger e usar com sabedoria as riquezas naturais que podem fazer do Brasil a potência do século vinte e um. Essa é a maior contribuição que, com muito orgulho, Roraima pode dar ao Brasil.

Para votar nesse manifesto basta acessar a Petição Online.

*Coletivo Ambiental do Lavrado – Roraima. ciro.roraima@yahoo.com.br. (95)9902-9067.

7 de novembro de 2009

*opinião - Democracia e Utopia


DEBOCHADO - conceito de democracia, quando entendido por habitantes de países pobres, cai na ridicularização | imagem: Café Margoso

Por Nagib Anderaos Neto*

Para ser livre, o ser humano precisa exercer o livre arbítrio, pensar com liberdade, desenvolver sua inteligência, da mesma forma que para ser ético necessita desenvolver a sua moral, os seus sentimentos de humanidade e fraternidade, senão tudo é mera representação, mistificação.

Quem pensa não se deixa levar ingenuamente por qualquer predicador. Talvez seja por isso que as escolas não ensinem a pensar, senão repetir coisas, decorar fórmulas e tabelas, treinando a memória, mas fracassando a inteligência em suas principais funções como as de entender, julgar e pensar, e vamo-nos aproximando de certos animais como o papagaio que repete e o mico que imita, embora sejamos de outra natureza potencialmente falando -, pois animal algum cometeria as crueldades que o ser humano comete.

A democracia seguirá sendo uma utopia até que as mentes humanas despertem deste sono milenar que as submerge no pesadelo dos preconceitos, do materialismo, das guerras e da ignorância.

Ninguém poderá fazer pelo ser humano o que somente a ele incumbe nem livrá-lo de seus erros e de suas culpas, nem pensar por ele, pois tal hipoteca equivale à escravidão, e não há maior submissão do que a mental.

Um antigo general disse em tempos remotos que o preço da liberdade seria a eterna vigilância. Possivelmente tenha adaptado as palavras ouvidas ao acaso aos seus insanos sonhos de poder. Uma interpretação diferenciada poderia nos levar a concluir que para ser livre deveremos pensar e estar constantemente a vigiar os pensamentos que em nossas ou em outras mentes possam estar atentando contra o que de mais sagrado temos: a vida com suas amplas possibilidades.

Já se disse que os homens são livres, mas não o sabem, quer dizer, nascem livres e vão perdendo aquela liberdade que lhes fazia sentir imortais, plenos, verdadeiros super-homens naquele formidável universo infantil. Este seria o tão bem-guardado segredo dos tiranos, dos déspotas, o fato de saber que os homens são, em princípio, livres, mas não o sabem.

A liberdade, como tudo o que recebemos ao chegar neste mundo, é um dom que, se não utilizado, pode desvanecer-se, da mesma forma que a inteligência e a sensibilidade humanas.

É comum ouvir-se dizer que o ser humano usa um quase nada de sua capacidade mental; que uma mente preparada poderia realizar verdadeiros prodígios. Por que isso acontece? Por que a mente humana é subutilizada? Quais as causas desta deficiência? O que fazer para tornar a própria mente mais eficiente?

Essa falta de liberdade é como um cárcere mental cujos barrotes são o temor de pensar por própria conta, os preconceitos, a ignorância sobre si mesmo e sobre as Leis que regem o Universo.

Todos querem a liberdade, todos a trazem dentro de si como algo que não se realiza. Todos, no fundo, sabem que o ser humano não deve curvar-se perante poderes quaisquer.

Se o homem, como diziam os gregos, é a medida de todas as coisas, por que o ser humano vive tão esquecido de si mesmo? Por que tão ausente? Por que tão entretido com o que não é essencial por ser passageiro e efêmero?

A verdadeira liberdade é a de pensar. É assim como o ser humano, o espírito humano, respira, pensando com liberdade, que é o mesmo que criar, que é o mesmo que ter um domínio sobre os pensamentos que habitam a própria mente ou que perambulam por aí de mente em mente fazendo os estragos que todos sabemos quais são.

Ser livre é usar com liberdade a inteligência, todas as suas faculdades, e não somente a memória e a imaginação como nos têm pretendido impor aqueles que nos querem manter atados às rédeas da submissão e da imposição.

Os tiranos, os ditadores, os inimigos da liberdade não querem que o ser humano pense porque tal grito de liberdade, tal oposição às imposições, é a ameaça ao onímodo poder que as ânsias de domínio desenham em suas mentes doentias.

Pensar, observar, raciocinar, refletir, combinar e julgar são algumas faculdades da inteligência que não têm sido muito exigidas ou desenvolvidas pelo ser humano que pode, num grito de liberdade, deixar de ser joguete ou escravo de pensamentos alheios que nada têm a ver com a felicidade almejada pelos que sonham com a liberdade, fundamento de uma verdadeira democracia.

*Nagib é engenheiro Civil e escritor com um livro publicado e centenas de artigos sobre literatura, logosofia, filosofia e desenvolvimento sustentável.
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colaboração: Centro de Estudos Políticos Econômicos e Culturais (Cepec)

5 de novembro de 2009

* música - Zabé da Loca na FEIRA MÚSICA BRASIL 2009


ÍMPAR - Zabé foi a única artista da Paraíba a ser selecionada para tocar na Feira, evento de grande porte, do Recife, que selecionou um número altíssimo de pernambucanos | imagem: Val da Costa

por Valdívia Costa

Ponto de encontro do mercado da música atual, a Feira Música Brasil 2009, evento que será realizado em Recife (PE) no final do ano, terá a presença marcante da pifeira paraibana Zabé da Loca. Não se iludam, essa senhora de 85 anos de idade ainda tem muito o que mostrar e a força da sua arte desbancou todos os trabalhos contemporâneos musicais da Paraíba. Dentre os 800 trabalhos inscritos na Feira, apenas 24 artistas (33%) foram selecionados e só Zabé representa o Estado.

O resultado da participação nusical foi divulgado na última quinta-feira, dia 29, pelo Ministério da Cultura (MinC), por meio da Fundação Nacional de Artes. A lista de bandas e músicos selecionados para se apresentarem no evento foi publicada no Diário Oficial da União (Seção 1, páginas 19 e 20). Além de um cachê de R$ 4 mil, os selecionados receberão passagem, estadia e estarão em contato com artistas de renome. Confira a lista completa dos artistas selecionados.

Muito mais anos de vida para nossa guerreira do pife e da loca nos Cariris do assentamento Santa Catarina, em Monteiro. O resultado foi merecido para ela, mas vale ressaltar o descuido do MinC nessa seleção com a multidão participante. Para que fazer tantas inscrições sem a intenção de utilizar, ao menos, uns 40% dos trabalhos avaliados? Para gerar falsas expectativas nos concorrentes? Sem contar que o processo não contemplou trabalhos diversos em todos os Estados brasileiros, tornando o processo restrito ao casting musical nordestino que vem se destacando atualmente.

Tirando as desconfianças de arranjados culturais de lado e analisando cada trabalho selecionado, o processo poderia ser mais contemplativo de ritmos variados de outros Estados. Nessa perspectiva de localidade (e não de qualidade), Pernambuco, por exemplo, que conseguiu aprovar seis trabalhos renomadíssimos, a Orquestra Contemporânea de Olinda, DJ Dolores, Josildo Sá, A Trombonada, Aurinha do Coco e Mundo Livre S/A, choveu no molhado com tanta gente do Estado onde o evento é realizado.

Nesse caso, o público não terá tanto prejuízo, afinal são trabalhos profissionais. Mas fica valendo o adendo para que o projeto abranja outras localidades além do próprio território, já que é de ambito nacional e acolhe tantas inscrições. Se não, pouco essa cena musical independente aqui no Nordeste vai se reoxigenar das características sonoras pernambucanas. Eu gosto do som latinobregapoprockregional, mas temos mais diversidades do que isso na música popular brasileira.

4 de novembro de 2009

O MOSQUITO DA DENGUE E O CAVALO MARINHO



INDIFERENTES imagem: mosquito Plenarinho, cavalo Lua. montagem: Val da Costa

Vou mostrar uma série de escritos que tenho guardados... assim preenchemos o tempo com coisas atemporais, poéticas, reflexivas... chega de tanta opinião. Literatura, né?.


O mosquito da dengue e o cavalo marinho
Val da Costa

Eram seres de ambientes distintos, mas com o objetivo comum de aparecer. Por isso, não cabia a eles serem fraternos, unidos ou solidários. A vida traz a urgência do tempo e faz com que seres vivos como o mosquito da dengue e o cavalo marinho confundam valores com defeitos. Daí a questão da depreciação dos iguais, de perseguição política, das picuinhas pessoais se atrelando ao campo profissional. Tudo isso acontecendo entre o céu e o mar.

Um dia, o mosquito da dengue chegou furioso porque descobriu que sua espécie não tinha quase nenhuma representação política em seu habitat. Tentando ele próprio ser este ser megaloblástico, o mosquito avistou o cavalo marinho, que vivia boiando, porque é um bicho aquático mesmo. O inseto, como um animal do ar, não se dá muito com a água, a não ser para nascer, crescer a aterrorizar uma população. O mosquito não sabia o que fazer. Resolveu desabafar com aquele ser aparentemente tranqüilo.

Unindo a situação de aflição do mosquito com a ganância disfarçada do cavalo, os dois confabularam um plano: o domínio de um outro mundo. Como o ar era um ambiente vazio demais e pouco utilizado como front de guerra e o mar já era um local propício ao marasmo, mesmo com uma população plural e barulhenta, os dois novos comparsas resolveram fazer terrorismo em outra praia.

Descobriram, assim, numa busca incessante, que leva qualquer alma ao cúmulo do ridículo, o mundo perfeito para se dominar. Quando encontraram no mundo perdido da fantasia, o denominaram de bojos de sanitatius. Como o nome era muito extenso, prolixo, eles abreviaram-no para rádio, o reino do descaramento.

A fuga parece algo estranho, às vezes. Chegamos a pensar que as coisas estão realmente acontecendo, sendo que tudo não passa de uma “viagem”, como diriam os mais descolados. Não foi diferente para o mosquito da dengue e o cavalo marinho. Mesmo sabendo de suas próprias habilidades e limitações, os dois resolveram atacar de qualquer maneira os inimigos, fugindo a suas realidades.

Pelo Rádio, os dois destroçaram cidades inteiras. O mosquito - com seu ferrão sutil, mas poderoso, capaz de derrubar qualquer sujeito na cama por uma semana – atacou de “entendedor das pobrezas dos insetos”. O cavalo marinho – potente e majestosa figura marinha, cuja a funcionalidade só o mar entende – atirava com boa pontaria em prol das figuras mais anônimas dos anônimos do mundo. Tão trivial e bobo foi o trabalho dos dois que em pouco tempo ninguém acreditava mais neles.

Voltaram para seus mundinhos insignificantes e foram lamentar as mágoas de uma péssima sociedade com os seus ente antipáticos. Persistentes do jeito que são, os dois não abandonaram a idéia do rádio. Pelo contrário, disseram para os outros (e para eles mesmos) que o mundo no qual eles viveram continuaria a existir. E assim é até hoje.

Fevereiro de 2007

3 de novembro de 2009

*opinião - Ler e aprender


LIQUIDIFICADOR - A experiência de viver na Era da Informação nos traz inúmeras vantagens como viajar non stop pelo mundo do conhecimento. Porém, torna-se impossível lembrar-se de tudo o que vemos durante essa viagem | imagem: Nagüeva

Por Sérgio Cyrino da Costa*

Há mais de 2 mil anos, toda a cultura que um cidadão da Grécia Clássica acumulava durante sua vida inteira caberia num jornal de domingo da era atual.

A sede de saber é um atributo humano. O apetite pelo conhecimento e informação se origina na curiosidade da criança sobre sua origem; vem crescendo geometricamente desde a infância da humanidade. O saber transmitido oralmente por um filósofo ou sábio aos seus discípulos era muito difícil de ser guardado, catalogado. Os papiros, as pedras, o trabalho persistente dos monges copistas, nos transmitem uma versão distante da história daqueles tempos remotos.

A obsessão pelo conhecimento estimula a necessidade de mudança que existe em cada um de nós, para nos mantermos vivos como indivíduos e como espécie, descobrindo e transmitindo antes de morrermos. Estagnação é sinônimo de morte, de marasmo, de apatia.

Da tribo selvagem às universidades, pontifica a figura idealizada do sábio, o dono do saber. "Só sei que nada sei", dizia Sócrates. Isto quer dizer que a busca pelo saber não termina nunca. A maior sabedoria consistia em reconhecer que o saber era uma estrada da qual não se via o fim. A boa teoria é aquela que pode ser contestada, levando a novas respostas por meio da pesquisa e discussão. Os debates públicos sempre fizeram muito sucesso com os contendores procurando surpreender um ao outro por meio de informações inéditas.

Babel de ofertas - Há alguns anos, o saber, que estava confinado a poucos afortunados frequentadores de bibliotecas e livrarias, ganhou as ruas por algumas publicações traduzidas, em bancas de jornal. Um pequeno número de revistas deu lugar a uma verdadeira explosão de imagens, termos científicos elaborados, curiosidades, literatura, desde física quântica até criação de cachorros e lutas marciais.

Se um viajante do tempo entrasse hoje na banca da esquina, não iria acreditar que aquela barraca onde comprava suas revistas e fascículos se transformou numa babel de ofertas. Os fascículos semanais tinham um efeito curioso sobre o psiquismo do leitor: fazer que ele se imaginasse um bibliófilo, um imortal, cercado de volumes em que beberia na cultura completa do mundo. Ressalte-se aqui a palavra "completa". O formato atual traz justamente a ideia de um saber infinito, oceânico.

Os antigos programas de perguntas da TV, como O céu é o limite e Absolutamente certo, prometiam fortunas aos candidatos que se especializavam em determinados campos do conhecimento, devorando todo o material disponível sobre o assunto escolhido. Eles despertavam a admiração da plateia pela quantidade de informações que conseguiam assimilar e reter.

Os assuntos variavam desde a vida das formigas e figuras ilustres até a Bíblia. Quem se propõe a estes desafios já traz previamente dentro de si o hábito ininterrupto da busca por informações novas. Filmes como o atual sucesso Quem quer ser um milionário?, dirigido por Danny Boyle e distribuido por Fox Searchlight Pictures e por Europa Filmes, são o avesso da compulsão pela informação. Aqui, o que importa são a inteligência e a experiência de vida a serviço do poder mágico da sorte, que atuam em favor do personagem principal. Jamal está mais para adivinho, à maneira do Édipo grego que decifrou as perguntas da Esfinge para não ser devorado. O público vibra porque se identifica com a esperteza e coragem do Jamal anônimo, não com seu saber obsessivamente acumulado. Triunfo retumbante ou sarjeta.

A obsessão pelo conhecimento estimula a necessidade de mudança que existe em cada um de nós. O que moveria a compulsão à informação? Como já foi dito neste artigo, o homem já nasce curioso. A criança explora avidamente seu mundo imediato e vai ampliando sua capacidade de observação, à medida que se desenvolve. Enfia o dedo nas tomadas, leva os objetos à boca, move os olhos em todas as direções, acompanhando as luzes e ruídos do ambiente, extasiada com as primeiras informações que vão se acumulando dentro de sua mente. Um dos maiores discípulos de Freud, o brilhante húngaro Sándor Ferenczi, escreveu um pequeno trabalho em 1923 intitulado "O sonho do neném sábio".

Nele, Ferenczi diz que os pacientes adultos frequentemente relatam sonhos nos quais crianças pequenas, e até bebês, são capazes de ensinar aos adultos com extrema erudição e locução perfeitas. O tema não é inédito, já que aparece em vários mitos, inclusive na história do próprio Jesus Cristo, em que ensinava aos sábios do templo. Ferenczi interpreta que estes sonhos representam o desejo da criança de ultrapassar os adultos em sabedoria e ciência, invertendo, assim, a posição de inferioridade. Um adulto que se sentiu humilhado na infância ou atualmente, também poderia desejar vingar-se dos que tivessem criticado suas palavras ou atos.

Em muitos casos a obsessão pela informação e pelo conhecimento representa um exercício de preparação para uma contenda verbal. Traços obsessivos são absolutamente necessários à nossa organização psíquica normal. Um dos grandes méritos de Sigmund Freud foi ter percebido que as patologias mentais fazem parte dos componentes no psiquismo normal de todos os indivíduos, em doses pequenas. Tudo que aprendemos passa a ser catalogado em compartimentos de nossa mente, como gavetas de um arquivo.

Algumas pessoas possuem o impulso irresistível de encher suas gavetas mentais até entupi-las de registros novos que não conseguem digerir. O colecionismo é a obsessão dos normais.

Os fascículos semanais tinham um efeito sobre o psiquismo: fazer que ele se imaginasse um imortal. Afinal, o que quer o compulsivo por informação? Em primeiro lugar, aprender tudo, alimentar- se de conhecimento, saciar sua sede de saber. Em segundo, que este saber responda a todas as perguntas, como uma coleção de figurinhas que se completa, adquirindo os números faltantes. O problema é que, na realidade, sempre falta algo, porque o saber não é estático. Os compulsivos não se conformam com isso. Com o aumento gigantesco do acesso à informação, boa parte das pessoas liberou seu lado compulsivo adormecido.

Triunfo do novo homem - A partir dos anos 1980, com a necessidade de competir num mercado superlotado, as novas gerações desenvolveram o hábito ou a capacidade de focar sua atenção em vários objetos simultaneamente, com prejuízo do rendimento shutterstock sobre cada um deles. A compulsão à informação colocou-se a serviço da corrida profissional. É o triunfo do novo homem, dos jovens sobre os velhos, da geração do computador sobre os ratos de biblioteca. Contudo, todo excesso tem seus efeitos colaterais. O limite extrapolado pode fugir ao alcance da organização mental. "É ilegal, imoral e engorda", já diziam Roberto e Erasmo Carlos. Os consultórios de profissionais de saúde mental recebem um número crescente de pacientes que, durante anos a fio, se submetem a um regime espartano de estudos. Vivem trancados em casa por exigência dos concursos públicos. É a promessa da garantia da emancipação, da liberdade, em troca da perda da própria liberdade. O resultado, muitas vezes, é o colapso mental pela obsessão de quebrar uma corrente de reprovações ao longo de anos. No caso, a compulsão pela informação obedece ao jugo de um severo interrogador.

Cada reprovação é um martírio que obedece exatamente à definição da compulsão: voltar ao começo, estudar tudo de novo, suportar a espera, pensar continuamente no assunto, dando voltas sobre o mesmo tema e culpando-se dia e noite. A culpa, no caso a de não saber, é um elemento presente no sistema compulsivo. Reparar uma falta. Vale lembrar o mito de Sísifo, paradigma da compulsão, condenado por Zeus a rolar uma grande pedra de mármore montanha acima. Castigado por suas artimanhas, toda vez que estava prestes a chegar ao topo, a pedra despencava, obrigando-o a um árduo recomeço. A enciclopédia virtual mais utilizada atualmente pelos compulsivos à informação, a Wikipédia, é feita com contribuições dos próprios internautas. Por este motivo, precisa ser revista sempre, obsessivamente, devido à maior possibilidade de erros em função da pletora ininterrupta de acréscimos.

A internet, esta grande feiticeira, é o centro das discussões sobre a escravização do homem à informação. O medo de sair de casa pode servir de pretexto para substituir a sexualidade, sublimando os desejos de corpos do mundo real, externo, pela regressão viciante com a máquina. Não há fantasia audiovisual que a web não satisfaça. Cada link remete a centenas de milhares de ilhas de saber, enlouquecendo o pesquisador em busca da certeza definitiva, que nunca será encontrada. Ele pode imaginar o que quiser, manter contato com quem quiser, viajar para lugares nunca antes imaginados ou visitados, inclusive outros planetas, desde que aceite as regras da distância. Ou então realizar o desejo de encontrar o par ideal. "Você pode começar a namorar já", diz a propaganda dirigida aos solitários carentes.

Seria exagero compararmos alguém que, logo ao levantar da cama, já começa a alimentar-se de cores, sons e movimento no seu laptop de cabeceira? O usuário entra em contato simbiótico com o seio virtual, do mesmo modo que o bebê solicita sem limites de tempo a presença nutridora da mãe. Tal prática não é rara, e vai se tornando doença na classificação das adições às drogas, junto com as dependências químicas: ingestão de quantidades cada vez maiores, não se contentar com o que já tem, armazenando muito mais do que o necessário, substituição de uma vida útil pelo investimento de energia em tempo inútil, atitude passiva em relação às demandas responsáveis do mundo externo, abandono das atividades sociais.

O mergulho na tela do computador poderia representar uma volta ao útero gratificante da mãe, de um feto em usufruto contínuo do espaço-tempo, sem os limites de horário e compromisso que a vida adulta impõe. As pessoas relatam que passam a não se dar conta da chegada da madrugada e do amanhecer à medida que se embrenham, sem solução de continuidade para suas vidas. O corpo físico dá lugar ao corpo virtual.

Eco de consciência - A Como podemos combater nossas tendências à compulsão pela informação? O isolamento é sempre um aliado do nosso narcisismo. Faz que nos voltemos para nossas lembranças, nossas vivências passadas, nossos erros e recriminações. As informações devem ser compartilhadas. É preciso tolerar o convívio saudável dos comentários que nos acrescentem. O pensamento isolado raramente frutifica. As grandes bibliotecas são fascinantes em sua penumbra misteriosa, no silêncio quebrado pelo folhear das grandes obras. A intimidade com o computador o transforma em um amigo que responde a todas as nossas questões, mas que não nos questiona. Obedece mecanicamente às nossas ordens, como um eco de nossa consciência. Muitas respostas têm de brotar de nossa reflexão, em vez de virem prontas. Não somos imitadores nem papagaios dos grandes cientistas ou dos grandes filósofos.

Em A arte de escrever, o filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) faz uma crítica aos que buscam a informação de forma compulsiva. "Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma. Diante da imponência de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto!". Schopenhauer estava certo.

Filosofia e Psi - Arthur Schopenhauer foi um filósofo alemão que refletia sobre a vontade humana e a representação. Para ele, a vontade não é racional, ou seja, está fora do nosso controle. Portanto, sofreríamos por não conseguirmos controlá-la. Nosso prazer, então, viria apenas da necessidade de superar, momentaneamente, esta dor. É a partir deste pensamento que Schopenhauer critica as pessoas que leem, de modo a se satisfazerem sem, de fato, gerir da leitura alguma informação

* Sergio Cyrino da Costa é médico psiquiatra e psicanalista membro da federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) e da associação Psicanalítica do estado do Rio de Janeiro (Aperj-RiO4).
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colaboração: Centro de Estudos Políticos Econômicos e Culturais (Cepec) - organização não governamental que desenvolve programas e ações destinadas à inclusão social para informação e formação. O foco é desenvolver a consciência crítica das pessoas, para a construção de uma sociedade sem oprimidos e sem opressores.