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31 de julho de 2010

ORGaAASMO0o...


DESEJADO: Até Gustav Klimt pôs-se a refletir sobre o orgasmo feminino, tema que desperta a curiosidade de todos. Este post é de ontem, dia 31 de julho, Dia do Orgasmo... mas, a net tem suas travas eróticas e eletrônicas e só hoje pude publicá-lo. Inspirem-se! | imagem: Blimunda Sete Luas

O artigo abaixo é interessante. Estudos mostram o que acontece no cérebro durante o orgasmo. Diversas áreas são desativadas, tal como disjuntores que se desacoplam devido a sobrecarga elétrica.

MARTIN PORTNER*

Ela sabia que o local era pouco apropriado. Além disso, não costumava ter emoções que a deixassem fora de controle. Mas não havia como evitar a paixão à primeira vista, a vontade de transgredir, de se atirar nos braços do primo que, como ela, viera se despedir do tio falecido. “Isso só pode ter sido coisa daquele adesivo”, disse Marianne ao entrevistador, que pacientemente preenchia um questionário.

Marianne é uma das participantes de um estudo realizado em 52 centros de pesquisa nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Todas elas manifestavam a síndrome do desejo hipoativo, condição em que a libido simplesmente desaparece da vida da mulher. Essas mulheres haviam sido submetidas à cirurgia que remove ovários e trompas. Outra condição para que elas participassem do estudo era a de que o desejo sexual estivesse presente antes da cirurgia. Na tentativa de restaurá-lo, elas foram tratadas com um adesivo à base de testosterona. Como em todo estudo científico, metade do grupo recebeu um adesivo sem valor terapêutico, o conhecido placebo.

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*Martin Portner é neurologista, mestre em neurociências pela Universidade de Oxford e autor de A senha da virilidade (Editora AGE, 1996) e de Inteligência sexual (Editora Gente, 1999). Nos últimos anos realiza palestras e oficinas sobre capacidade cerebral e criatividade.


imagem: BAÚ








imagem: PÚBLICO










imagem: DESCICLOPÉDIA









30 de julho de 2010

O PAI DA LUA CRESCEU!


























AMIGO - Depois de cuidar de um filhote de Pai da Lua, a pessoa fica sendo conhecida pelos pássaros como da família, por isso esse adolescente dessa espécie foi visitar o seu protetor... | imagens: Aramy Fablício

VALDÍVIA COSTA

Na região metropilitana de Campina Grande, no ano passado, a cidade de Fagundes mostrou-nos um pássaro exótico, diferente dos vistos no Nordeste. A ave parece imponente, com seu ar soberano. Primeiro pelo tamanho, segundo pela beleza de pose, a mirar o céu. E foi devido a essa pose que o pássaro ganhou o nome de "Pai da Lua". Lá em Fagundes, ele é super bem protegido pelo ambientalista Aramy Fablício, que escreveu essa história de amor e dedicação em troca de nada material, apenas para salvar a fauna.

Alguns estudiosos denominaram a ave de Urutau-comum (Nyctibius griseus), uma ave da família dos nictibídeos, presente da região da Costa Rica à Bolívia, em todo o Brasil, Argentina e Uruguai. Chegam a medir 37 centímetros de comprimento. Nada de novidade para o ambientalista, que é acostumado com o estiloso animal desde pequeno.

Enquanto os moradores de centros urbanos, pequenos ou grandes, disputavam roupa ou brinquedo melhor, Aramy aprendia com a avó que o canto do Urutau não era horripilante como parecia. Devido aos gritos fortíssimos, monossilábicos (groaa), repetidos de 10 e 20 segundos, o então menino curiou em descobrir mais sobre essa ave que alimenta-se de besouros e morcegos. O que ele conseguiu com essa investida ecológica?

DE ACORDO COM "- Em meio a tanta urbanização, você escolheu cuidar da fauna e da flora do Sítio da Pedra de Santo Antônio. Encontrou um pássaro raro chamado Urutau, o conhecido "Pai da Lua" dos fagundenses. Conte sua história com essa ave rara, que parece um pau apontando pro céu, e que você defende.

ARAMY FABLÍCIO - Nasci, cresci e ainda moro em Fagundes. Desde criança que eu escuto a ave Pai da Lua soltando gritos na noite de lua cheia. Nessa época eu tinha medo, mas minha avó, que viveu até os 102 anos, dizia para eu não ter medo que era só uma ave noturna chamada de Pai da Lua. Daí, uma vez, eu andando dentro da floresta, vi a criatura... fiquei abobalhado com aquela ave enorme, parada, como um pedaço de pau! Passei a, quase toda noite de lua cheia, ir pra dentro da floresta para escutar os gritos dela. O tempo foi passando e não se ouvia falar nesta ave, só os mais antigos escutavam ela cantar, mas poucos viram esse pássaro. Escutar ela gritar é uma coisa, mas ver a ave é outra coisa! Não é à toa que os índios a chamam de "ave fantasma". Sei que, quando eu andava na floresta durante o dia, ela me via e durante a noite, onde ela domina, já que é uma ave noturna, ela também me via. Só tinha visto um Pai da Lua duas vezes até encontrar o ninho em abril de 2009.

" - Continue. Fale sobre esse encontro e o que você aprendeu com essa ave.

AF - Eu lembro que estava indo tirar umas fotos de dois filhotes de urubus quando vi aquele ovinho no topo de um galho seco com a criatura dando complemento ao galho. Fiquei bobo! Mas o ninho tava próximo de uma área que tinha muitos saguis. Era uma área de dormida. Eles formam grupos que variam até doze por bando. Sabia que eles iam comer aquele ovinho, pois são onívoros (que se alimentam tanto de tecidos animais quanto vegetais, como o lobo guará). Quando os saguis acordam estão com uma fome voraz. Se alimentam de frutas e, também, de ovos de aves, filhotes de aves e insetos como gafanhotos. Fiquei lá e dormi em cima de um lajedo, porque estava num período de seca. O perigo deles atacar a ave e comer o ovinho era bem maior. Quando amanheceu o dia, afugentei todos e eles foram pro topo da serra. Fui em casa, peguei minha barraquinha de campo e acampei. Não para estudar a ave, mas para os saguins e outros predadores não comerem aquela pérola frágil. À tardinha, eles voltavam para dormir, mas voltavam com a barriga cheia e não incomodavam. Foram-se passando os dias e comecei a pensar: "esta ave vai nascer quando? E depois de nascida, vai voar com quanto tempo?" Percebi que tinha entrado em uma guerra grande e não podia voltar mais atrás. Passei fome, frio, pois a barraca com o tempo ficou ressecada. Com a chegada do inverno, mal dormia com frio, as chuvas, cada vez mais, eram intensas. Mas sabia que era uma missão. Por ficar muito tempo sem contato com pessoas, comecei a ficar com medo de caçadores ou pessoas que poderiam querer as aves para empalhar e vender para colecionador. Excêntricos, que pagariam uma fotuna por aquelas criaturas exóticas e pré-históricas.

" - Como você estava na floresta munido de máquina fotográfica, fez fotos do achado raro e enviou para a imprensa?

AF - Um colega de jornal escrito publicou uma matéria depois que enviei uma foto. Daí então o telefone tocava o tempo todo e eu não podia mais discriminar nenhum jornal, pois já tinha matéria em outros. Mas foi aí que comecei a pensar e ficar com mais medo de caçador e colecionador. Só ia em casa pegar mantimentos e isto era à noite. Quando saia, quando chegava, dentro da floresta, me escondia numa moita para ver se alguém estava me seguindo. Era uma paranoia! Efeito, já, de tantos dias na floresta. Altas horas da noite ficava olhando se estava tudo bem. Quando cedinho, acordava e ia ver se o filhotinho tinha nascido. Daí, com 30 dias exato, observei que a ave tava com umas penas encobrindo o filhotinho por causa do frio. Percebi que o ovinho tinha eclodido e, quando o dia ficou mais claro, vi a criaturinha, todo peladinho... aí, a responsabilidade aumentou e fiquei mais próximo do ninho, sem sair das imediações. Fiquei tão amigo da ave mãe que passava a mão nela, mas sei que ela já me conhecia desde quando eu andava na floresta. A criaturinha foi crescendo e, mesmo novinho, já ficava com o biquinho levantado para o alto, com o mesmo comportamento da ave mãe. Com 41 dias, sem nunca sair do ninho, o filhote foi se afastando durante o anoitecer. Enquanto fui pegar algo pra comer e um casaco, ele já estava em outro galho e as aves velhas no topo de outra ave seca. Fiquei até umas oito horas, depois foquei com a lanterna e ele já tinha voado pra natureza. Fiquei horas e horas com a lanterna, procurando, pra ver se eu via, mas sabia que a missão tinha sido cumprida.

" - Ao todo, entre cuidados, manutenção do habitat do Pai da Lua, quanto tempo você ficou na floresta? O que essa atitude, de isolação do mundo humano e entrega à natureza, te causou?

AF - Fiquei 71 dias morando na floresta. E mais um dia e uma noite para ver se eu via a criaturinha. Total: 72 dias. De manhãzinha, desarmei a barraca, mas muito orgulhoso porque fiz minha parte. Ajudei aquelas raras criaturas. Um dia desses estava anoitecendo e o filhote estava na beira da floresta, no topo de uma estaca. Fui pertinho e tirei umas fotos. Conheci logo a criatura, levando em conta que eles (mãe e filho), cada um, tinha umas pintinhas diferentes na plumagem, como umas digitais. E a plumagem dele (o filhote) ainda estava um pouco clara, mas já dava para se camuflar. O único erro dele, por ser jovem, foi, antes de anoitecer, estar quase fora da floresta. Mas o legal é que a floresta é muito grande e não tem casas por perto. E ela é muito esquisita, ninguém anda nela, já que faz parte de uma área de preservação do projeto Biqueira Velha, que é uma plaquinha confeccionada com zinco, reaproveitada das biqueiras ou calhas velhas de aparar água para sisternas. Nelas, eu escrevo a frase: PROIBIDO CAÇAR E CAPTURAR ANIMAIS. Essas plaquinhas, eu faço doações para os grandes ou pequenos propietários de terras. Devido às propiedades de Fagundes e cidades vizinhas terem estas plaquinhas em frente a quase todas elas, não importa se tem um ou mil equitares, em toda propriedade que tem plaquinha na frente, se torna uma grande área sem ninguém caçar nem capturar animais. O projeto Natureza Livre, eu falo que é filho do projeto Biqueira Velha, que demarca uma área de soltura e preservação ambiental. Quanto às aves, toda noite de lua cheia, vou pra floresta escutar os gritos dos Pais da Lua. Nesta noite de lua cheia, os gritos foram um show, já que não chamo aquilo de canto.

" - Essas novas fotos, do pássaro filho já adolescente, você as conseguiu este ano?

AF - Estas fotos são raras. É a continuação da história! Todos perguntam pela ave, o tempo todo. Muitos nem entendem que eu tava ali protegendo. Outros pensam que eu tenho ave. Outros perguntam se eu vejo as aves. Já veio até turista apaixonado por esta ave! Ele queria ver, mas expliquei pra ele que a probabilidade era zero. Mesmo assim, ele quis vir apenas para sentir a atmosfera onde estas aves moram, mas, lógico que cheguei apenas perto e expliquei pra ele e ele entendeu e respeitou, ficou satisfeito. Isto (as fotos) foi uma espécie de um obrigado que ele (o pássaro) pediu a mim este ano. E para mim foi uma prova de missão cumprida. A cara dele (a ave) ainda é de adolescente, com aspecto de bobinho ainda. Mesmo com o tamanho e a plumagem quase da mesma cor dos adultos...

29 de julho de 2010

A CABRUÊRA DAS ARTES VISUAIS


IMÃ - As artes se atraem: música festeja a nossa cultura popular e as artes visuais enfeitam o som com uma coroa imagética de sentidos. | imagem: site Cabruêra

VALDÍVIA COSTA

Misturar contornos artísticos num único produto cultural material é uma vertente que os profissionais mais antenados estão seguindo à risca. O novo site da Cabruêra, que apresenta o quarto CD do grupo, o Visagem, chegou para mostrar esse total entrosamento com a arte visual. Logo na home, o internauta vê os cabras (atualmente, Pablo, Leo, Edy e Arthur) transformados em bonecos. Mas não é de agora que conceitos artísticos acompanham os CDs, impressos, páginas e produtos da Cabruêra.

Não conseguimos descobrir ainda que tipo de arte foi feita no site, mas lembra a técnica conhecida como stop-motion. Embora a Oba! Multimídia, que bolou o site, tenha explicado por alto que os bonecos não foram construídos e sim elaborados a partir de um programa de computador. Isso é até um pretexto para entrevistarmos os artistas multimídias responsáveis por esse e outros trampos legais, não é verdade?

O CD Visagem, que foi fruto de uma projeto de lei de incentivo à cultura da Patrobras, e os três outros trampos anteriores da banda, dialogaram com outros recursos artísticos para adornar na música belezas como a fotografia de Augusto Pessoa. O grupo que mais representa a Paraíba nacional e internacionalmente foi um dos primeiros a mostrar, através de imagens, além de sons, a cultura popular nordestina em sua poética identidade.

O primeiro CD do grupo (2000) trouxe uma das primeiras imagens da pifeira Zabé da Loca, do Cariri paraibano, na época com 76 anos. A foto é de Ricardo Peixoto (Ensaio) e retrata os pés rachados de uma artista idosa, porém guerreira encatada de pedra e pífano. As artes dos cabras andando entre edifícios é do antigo integrante baixista, Orlando Freitas, que retratou cabras populares, porém urbanos.

Já o segundo CD da Cabru, O samba da minha terra (2002), explora a arte visual do Augusto Pessoa, fotógrafo de expdições internacionais e turismo que sempre está junto do som paraibano. A imagem da capa é uma oleira mostrando as mãos calejadas pela argila. Com ângulo de cima pra baixo, temos a nítida sensação do barro secando, formando casca nas mãos da mulher do Quilombo do Talhado (PB). A arte é do Tangerina Design e foi nela que surgiu a logomarca da Cabru, uma cabecinha com chapéu de cangaceiro, retratando o conceito da banda.

O terceiro álbum, Sons da Paraíba (2005), foi produzido pelo estadual Fundo de Incentivo à Cultura (Fic) Augusto dos Anjos e tem o primeiro experimento visual mais elaborado, com técnica de desenho e um projeto gráfico. O autor da arte gráfica foi Sérgio Melo, o ilustrador foi Ely Fly, que trabalhou o desenho sobre fotos de Augusto Pessoa. Nesse trampo, ainda teve o toque artístico do web design Sóstenes Lopes. Entendemos que o menininho sorridente na capa é a alegria dos sons cabruerais.

Vamo curtir? - O show da banda no Festival de Inverno de Campina Grande é amanhã, dia 30, na Praça da Bandeira, a partir das 18h00.

Stop-motion - Segundo o blog Pandora, o termo stop-motion quer dizer: stop = parado + motion = movimento. É uma técnica de animação que se fotografa objetos, quadro a quadro. Basta utilizar uma câmera, uma filmadora ou desenhos (papel ou computador) pra filmar e pausar. Muda-se os personagens de lugar e solta-se a tecla de pause. A Fuga das Galinhas, por exemplo, foi feito assim.

27 de julho de 2010

HOLIDAY, DO LUXO AO DESMAZELO


DESMEDIDO - É difícil ver um edifício histórico sendo dominado pela cafussagem que descuida de um patrimônio cultural. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Quase três mil pessoas pensando, isoladas, mas juntas, dentro de uma grande caixa, dividida em pequenas gavetinhas. Eles vivem nas nuvens, numa curva acentuada, artística, que expõe uma arquitetura dos anos 1950, que teve seu glamour na época. Edifício Holiday na Rua Salgueiro, 73, Boa Viagem. O perfil desse habitante luxuoso do Recife antigo era o de um solteiro, num quitinete, com vista larga e exclusiva do mar. Hoje, é um roedor da história enfeiando a fachada do prédio.

O maranhense Marcelo Abreu, que trabalha há anos no Correio Braziliense, contou a história desse edifício curioso, estética do urbano do real, plural e desconectado internamente.

De longe, ele lembra o formato de uma meia-lua. A intenção foi essa mesmo. Deixá-lo com cara de meia-lua. Construção arrojada, pé direito alto, sete colunas de 36 metros de profundidade para sustentação. Concepção modernista, mão-de-obra retirante. Ainda hoje, não há como não parar para olhar. É, apesar do visível desgaste, da decadência e do rosa desbotado que encarde a fachada, uma rara obra de arquitetura. Um marco. Em 1957, na inauguração, um enorme tapete vermelho enfeitou a entrada principal. A cidade parou. Carros suntuosos estacionaram nos arredores. Uma gente bem-nascida ali entrou. A elite se deliciava com a vista do prédio, a 50 metros da praia. À frente, não havia outro edifício. Eram apenas ele e a imensidão do oceano.

Naquele dia, inaugurava-se a era dos arranha-céus de Boa Viagem. Seria o endereço de fim de semana das famílias abastadas. Ou moradia dos filhos de gente rica que vinham do interior para estudar na capital. Apartamentos pequenos — quitinetes, um ou dois quartos. Conceito moderno até então. Na verdade, ele todo era ousado. Ter um imóvel ali, na Recife de 1957, era sinônimo de luxo. Até o nome era chique: Edifício Holiday. Endereço: rua Salgueiro, 73, Boa Viagem. Não precisava dizer mais nada. Hoje, é melhor não dizer.


O que o repórter não falou nesse texto outros jornais já exploraram demais. Assim como o edifício do Cassino Eldorado em Campina Grande, o abandono já sentou mansamente em sua cadeira de descanso eterna. Conviver com instalações elétricas danificadas, com fiação à mostra, sem extintores de incêndio, é a rotina agora do Holiday. O prédio tem 17 andares, com 416 imóveis, sendo 317 quitinetes, 65 apartamentos de quarto e sala e 34 com dois quartos. Com essa multidão subindo e descendo diariamente, os elevadores também são outro problema de irregularidades nas instalações e nas casas de máquinas, segundo os jornais de Recife.

Não entendo porque alguns desses edifícios históricos de muitas cidades brasileiras não estão protegidos como patrimônio cultural material. O governo era para mantê-los com reestruturações plenas e permanentes. Sem precisar de tanta burocracia ou do interesse do proprietário. Pobre Holiday! Entregue a habitantes cafussus, advindos de diversos lugares do mundo, de diferentes crenças e costumes, submetendo o prédio a essa pelagem castigante e duradoura. Não bastasse os edifícios sufocando-o, roubando-lhe a visão do mar! Por ser uma curva no tempo, ele é estruturalmente feito para se destacar.

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colaboração: Filhos da Pauta

26 de julho de 2010

LUIZ, O METALEIRO RADICAL


INTRANSIGENTE: Diferente do que ouvimos de Luiz Caldas, o metal sempre soará novidade para leigos incompreensíveis de tamanha sutileza do músico ao mudar radicalmente de estilo. | imagem: Contraditorium

VALDÍVIA COSTA

Trocar as bolas, de vez em quando, é bom, recomendam os especialistas radicais que sempre vestem roupagens novas e às vezes até muito distoantes. Mas, na música, o que se espera é ver uma progressão de estilo num artista. Distanciados do gosto atualmente limitado do consumidor, os próprios artistas incrementam demais, adoçam, recriam facetas que são desnecessárias, pensando em voltar a ser midiático, por exemplo.

Quem fez isso recentemente que está despertando comentários do tipo: "ele fez isso?!" é o baiano Luiz Caldas. Ele que foi um dos precursores do axé music, eu diria numa versão mais romântica, com seu nacionalmente conhecido Fricote, que fez o povão levantar poeira, arastando os pés, com os dedinhos para cima, agora castiga uma guitarra muito louca num heavy metal alucinado. O novo show dele é Maldição e já circula por aí.

Ouvindo a música que entitula o show parece que Luiz Caldas dá uma explicação para esta transformação sonora. "... Eu ressucitei, não morri, gelei... matei a paixão, não lhe dei a mão, quis lhe sufocar, lhe estraçalhar, tomar seu lugar, e quis lhe jogar... Bolas de fogo, maldades da imaginação!!!"

Do jeito que estava difícil concorrer com as colegas dele, cantoras de axé, com aquelas pernas musculosas e já devidamente arrendadas num seguro milionário, ele deve ter feito o certo mesmo. E eu gostei mais desse Luiz rebelde, gritando, desabafando a arte plastificada pelo envólucro de um mercado voraz. Como ele foi um rentável produto, de certo estimulará um retorno ao consumo ao adotar esta novidade.

Não digo que a pessoa não faça isso, radicalize. Mas a mudança exorbitante pode assombrar o público, não? Como resgatar Luiz Caldas para seus fãs arrastadores de pernas e balançadores de dedos? O que eles comprarão agora, que o som mudou e eles não gostam porque não sabem bater cabeça ou se expressar pelo rock?

Mudar assim parece necessário. Também na música, o que fez o Faith no More? Sempre adeptos de baladinhas melosas, como Easy, os roqueiros gravaram uma bossa nova no CD King for a Day, Fool for a Lifetime (1995). Brasileiríssimo! Só que eles continuam imprimindo o estilo metaleiro nas canções novas, nas releituras. Tem alma.

Gostaria de ver uma mudança radical dessas com o forró de plástico para acabar de vez com a dúvida se esse tipo de transferência de estilo cola ou não. Já pensou, Aviões do Forró virando uma orquestra moderna, com metais e tal? Abduzindo todos num êxtase sonoro efetivamente novo, a ponto deles se perguntarem, no fim do show, se o nome da banda não ficaria melhor For all Airplane Jazz Band...

22 de julho de 2010

DE VOLTA À LEITURA


GROSSO: Um dos livros mais lidos pelas crianças e adolescentes me chamou a atenção: mais de 200 páginas de Harry Potter despertam a vontade de ler outros livros? "Estudo" despretencioso de 2006, durante especialização de Educomunicação (UEPB). | imagem: HP Lexicon

HARRY POTTER E O RETORNO AO HÁBITO DA LEITURA
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Departamento de Comunicação Social - Especialização "Educomunicação"


VALDÍVIA COSTA*

Resumo
Este estudo enfoca um pequeno corte em um fato relevante na cultura brasileira, que ocorreu a partir dos lançamentos dos livros de Harry Potter, da autora escocesa Joanne Kathleen Rowlling: o retorno ao hábito da leitura entre as crianças brasileiras de oito anos e adolescentes de 15 anos.

Não nos detivemos em relatar ou pesquisar profundamente quais foram os motivos que fizeram este fato acontecer. Somente colhemos alguns depoimentos de alunos das redes pública e privada de ensino, que constataram o que o Brasil todo soube através da imprensa: Harry Potter tirou este público de uma ociosidade de leitura de livros.

Também não é objetivo deste trabalho afirmar se este é um tipo de leitura recomendável ou não, de qualidade ou não, ou que possa vir a causar algum tipo de bitolação em torno dela. Somente nos concentramos em pesquisar um fato ocorrido em Campina Grande-PB: um aumento de interesse por leitura de livros, neste público-alvo, a partir da "pottermania" (fenômeno da leitura de HP).

Acrescentamos ainda que a escolha do título deste trabalho não tem intenção de fugir aos paradigmas da escrita científica, mas sim de remeter aos títulos dos livros da série potteriana, numa alusão puramente irônica. A pesquisa aqui realizada permite ser ampliada no sentido de obter uma conclusão em favor dos objetivos citados acima e que foram descartados no momento. O enfoque dado ainda poderá ser direcionado para outra análise, como, por exemplo, uma avaliação de professores, em sala de aula, sobre os livros publicados e seus resultados de leitura.

Palavras-chave: leitura; educação; comunicação; recepção

1. Ler nos sentidos de obrigação e prazer
É interessante que comecemos por analisar qual é o significado de ler, no contexto deste trabalho, já que leitura pode ter vários sentidos (Eni Orlandi – 1988): na escola significa aprender a ler e a escrever; em termos acadêmicos, as várias formas de compreender um texto. Pode ser também uma ideologia ou uma atribuição de sentido, entre outras definições. A leitura da qual nos refirimos neste trabalho é a de ficção ou de contos infantis, uma das primeiras leituras que fazemos na infância, que pode vir a instigar ou não o prazer de ler outros gêneros.

Para um texto ser legível depende de cada pessoa que esteja fazendo a leitura. O contexto de vida da pessoa (dentro da sociedade, da família e do trabalho) também influencia para ela ser motivada a ler, para ela sentir prazer por leituras. A compreensão de uma leitura parte da interação entre o leitor virtual (para quem o autor escreve o texto) e o leitor real (pessoa que apenas lê o texto). Se há uma distância entre os dois (que estão na mesma pessoa que lê), fica difícil uma compreensão de qualquer leitura.

Segundo Paulo Freire (1992), só se alcança a compreensão de um texto, com uma leitura crítica (que faz refletir), quando se tem uma percepção das relações entre texto e contexto. De fato, fica mais fácil interpretar uma leitura, ou achá-la interessante ou não, quando se conhece o assunto exposto no texto. Nesta perspectiva, a compreensão do texto é mais importante do que simplesmente decodificar as palavras.

Para as crianças e adolescentes brasileiros desenvolveu-se o hábito, desde a escola à família, de incentivar a leitura somente por necessidade de auto-afirmação como ser social e como profissional, deixando-se de lado um importante fator que é o de se sentir prazer na leitura. Para enfatizar que ler é uma meta obrigatória compreendida por todos no Brasil, menos pela criança, pergunte a uma delas para que ela lê. As respostas mais comuns são “para fazer as tarefas da escola”, “porque meus pais querem”, “pra ganhar presente no final do ano”, “pra ser alguém quando crescer” (Amanda Rabelo – 2005).

Muitos educadores se dividem quando o assunto é indicação de leituras para despertar o hábito de se ler um livro constantemente. Alguns acreditam que os livros de Machado de Assis, Lima Barreto e outros tantos brasileiros que contam as histórias do país na linguagem culta, com traços marcantes e importantes, são os melhores para eles criarem identidade com a cultura brasileira. Outros apostam em algumas leituras mais “amenas”, sem conteúdo algum que acrescente no conhecimento do aluno, apenas para “ler qualquer coisa, mas ler”. Essa divisão de opiniões ou extremismo constate causa uma confusão que faz o leitor não ter interesse por nada escrito e mostra que o professor está despreparado para entender como motivar os alunos à leitura.

O que deveria ser levado em conta é o poder de atração que cada leitura tem para a pessoa a que se destina, se ela tem em seu contexto algo que interesse à criança ou se a recomendação parte do interesse do professor. A leitura deve introduzir conhecimentos novos, mas não deve ser imposta, pois é melhor que a criança leia uma página e que saiba o que leu, do que 100 páginas que foram forçadas a ela e que não acrescentaram em nada. O importante é o que fica de construtivo na leitura e não a quantidade ou o acompanhamento que a criança faz da leitura.

Devido a este “estímulo” mal dado, a criança desenvolve suas defesas em relação à leitura. Surgem, então, as malandragens em relação ao livro, que são bem comuns para se fingir que leu alguma coisa que foi dita como necessária. O mais comum na infância e adolescência é fazer a comparação dos livros. Os mais “adotados” são os de poucas páginas, letras grandes e com imagens, o que facilitaria a leitura, tornando o tempo de ler mais resumido e menos “sofrido” (Fabrício Viana – 2005).

O que geralmente percebemos no país é que as crianças já crescem com essa noção de desvalorização à leitura, pela coesão a qual ela é submetida para ler o tempo todo, fazendo com que a leitura se torne uma obrigação e não um prazer. Pouco se aproveita do prazer de ler para se construir, no Brasil, um hábito de leitura constante e salutar. Ao longo dos anos isso foi se caracterizando e ficou mais acentuado com o advento da televisão, que proporcionou mais comodidade com sua comunicação visual, “dispensando” o uso do texto escrito e da leitura do mesmo.

Mas recentemente, outros adventos das novas tecnologias trouxeram de volta o hábito da escrita e da leitura: o computador e a Internet. A partir daí, muitas foram as invenções para se atrair a atenção a esta máquina, o que a faz essencial nos dias de hoje para a composição simples de qualquer texto, desde os reduzidíssimos scraps (Orkut) aos hipertextos para sites, blogs etc. e aos e-mails, já considerados pelos mais jovens ultrapassados devido a esses primeiros recursos citados, mais atuais.

2. O tipo de leitura que é a de Harry Potter
É importante ressaltar também aqui o papel dos contos infantis no desenvolvimento das crianças, visto que este é o tipo de leitura a ser analisada, uma ficção. Para Bettelhem (1980 [1975]), os contos infantis são fundamentais no processo de amadurecimento emocional das crianças, uma vez que lidam com problemas humanos universais que preocupam as crianças e também se referem ao ego em formação, encorajando seu desenvolvimento. O autor acredita que esse tipo de leitura oferece elementos para entender o que está se passando em seu Eu inconsciente, ajudando no autocontrole e na convivência com problemas psicológicos do crescimento, tais como decepções narcisistas, dilemas edipianos, rivalidades fraternas, dependências etc.

Na sua análise de efeito psicológico, Bettelhem, diz que os contos indicam caminhos para a construção de um sentimento de individualidade, de autovalorização e de obrigação moral. Isso se deve ao fato deste tipo de literatura espalhar com clareza as estruturas básicas da psique humana, que são a expressão mais pura e simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. Os contos infantis são uma herança universal e não uma criação da sociedade de massa, como muitos afirmam. Alguns deles vêm sendo transmitidos oralmente há séculos, nas mais diversas culturas, como Cinderela, Branca de Neve e os Sete Anões etc.

Os livros de Harry Potter têm, em sua estrutura literária, os mesmos elementos dos contos: em etapas bem definidas, mas não rígidas, o herói é sempre chamado a algum desafio, enfrenta inimigos e acaba vencendo para chegar a um final feliz. É esta a fórmula que agradou tanto a crianças, adolescentes e até adultos, desde o lançamento do primeiro livro no Brasil, Harry Potter e a Pedra Filosofal (Rocco-RJ – 2000). O fato inusitado, que não acontecia há muito tempo, é que o mercado literário nunca havia vendido tantos livros de literatura infanto-juvenil desde o aparecimento da criação de J.K. Rowling.

Segundo dados do site Hogsmeade, um dos muitos existentes no mundo sobre os livros, Harry Potter chegou na editora Rocco, no Rio de Janeiro-RJ, em abril de 2000, quando Pedra Filosofal chegou às livrarias. Até o final daquele ano também seriam publicados os dois livros seguintes, Câmara Secreta e Prisioneiro de Azkaban. Em julho de 2000, Cálice de Fogo batia todos os recordes de lançamento nos EUA e Inglaterra, porém o livro só chegou aqui quase um ano depois, em junho de 2001. O livro Ordem da Fênix demorou menos tempo para ser traduzido: o lançamento brasileiro foi em novembro de 2003, cinco meses depois de o livro chegar nas livrarias anglo-americanas (site Hogsmeade).

Ordem da Fênix conquistou o título de livro mais vendido de 2003, nos quarenta últimos dias deste ano, segundo a revista Veja; a editora Rocco disse ter sido 300 mil exemplares vendidos, de acordo com dados oficiais respaldados pelas grandes redes de livrarias. Hoje, estima-se que cerca de um milhão de livros já foram vendidos no Brasil e mais de 300 milhões em todo o mundo (outubro de 2005 – site Hogsmeade). Ao contrário dos livros, que têm sido considerados como estímulos ao hábito da leitura nas crianças, os filmes já não conseguem atingir tão grande satisfação.

O que aconteceu para todo mundo ler tanto Harry Potter? O que dá para perceber de imediato é que grande parte deste sucesso vem da “fórmula mágica” da escrita da autora, que mistura aventura, misticismo e uma trama que sempre traz mistérios em todos os livros, o que desperta a curiosidade dos leitores.

O personagem principal da saga é Harry Tiago Potter, um menino que não possui pretensão de ser herói, mas que tem coragem para enfrentar os perigos que as histórias trazem. A autora, Joanne Kathleen Rowlling, escreveu o primeiro livro da série depois de um casamento fracassado (1997), segundo o site dela mesma. Com pouco dinheiro e uma filha pequena para sustentar, Rowling escreve Harry Potter e a Pedra Filosofal, que é recusado por nove editoras até ser aceito pela pequena Bloomsbury. Em 1998, enquanto Rowling publica Câmara Secreta, o primeiro livro da saga chega aos Estados Unidos da América (EUA) e é sucesso de vendas na Inglaterra, dando início ao fenômeno denominado pottermania (site Hogsmeade).

O instituto americano NPD, dos EUA, fez uma pesquisa abrangente sobre a popularidade de HP, em março de 2001, dividindo os leitores entre crianças (6-17anos) e adultos (18 acima), quase um ano após o lançamento de Cálice de Fogo naquele país. Ao todo foram 1.511 entrevistados, que tinham que dizer em que grau eles gostavam, detestavam ou ignoravam as obras de J.K. Rowling:

Grau de popularidade em % (Crianças / Adultos)
HP é o melhor (17% / 3%)
Adoro HP (21% / 8%)
Gosto de HP (23% / 16%)
Não Ligo (28% / 66%)
Não gosto de HP (5% / 1%)
Detesto HP (2% / 3%)
Não suporto HP (4% / 3%)

Mais da metade das crianças que responderam ao questionário já haviam lido pelo menos um livro de HP, de acordo com a pesquisa da NPD. Os adultos, ao contrário, pareciam desconhecer o personagem: apenas 14% deles já havia lido alguma obra de J.K. Rowling. Entre os que são maiores de idade, a maioria dos leitores potterianos têm de 35 a 44 anos (27%) ou mais de 55 anos (28%). O resultado desta pesquisa, porém, pode ser considerado ultrapassado, já que nos dois anos seguintes foram lançados um livro, dois filmes e inúmeros produtos da marca HP, aumentando a rejeição e/ou a adoração ao bruxo (site Hogsmeade).

A tradutora de HP no Brasil é Lia Wyler, de Ourinhos-SP; licenciada em Letras e bacharel em Tradução pela PUC-Rio, mestre em Tradução Inglês-Português pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora de Tradução pela USP. Tradutora profissional desde 1969, ela começou a carreira traduzindo obras de escritores americanos e ingleses como Tom Wolfe, Saul Bellow, e Gore Vidal, entre outros. Como tradutora de livros infantis e juvenis, recebeu o prêmio de "altamente recomendável" da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil pelos três primeiros livros da série Harry Potter; já publicou dois livros: A Tradução no Brasil: ofício invisível de incorporar o outro (1995) e Línguas, poetas e bacharéis: uma crônica da tradução no Brasil (2003).


3. Leitura sedutora ou alienação total?

Apesar de todas essas estatísticas, que são mais comerciais, e de o Brasil entrar nessa onda de leitura, uma grande polêmica rodeia a pottermania: educadores consideram; religiosos e intelectuais rejeitam. Quem pode dizer que a leitura potteriana é realmente execrável a ponto dos pais ou os próprios leitores se preocuparem com essa discussão? Como já foi mencionado aqui, o fato marcante de estarmos lendo mais a partir de Harry Potter levou os brasileiros a não se preocuparem muito com isso. O livro continua circulando de mão em mão e sendo vendido.

O novaiorquino Harold Bloom, 86, autor de ensaios que renovaram os estudos literários (o principal: Angústia da Influência – 1973); como mais de 27 livros publicados; especialista na obra de Willian Shakespeare; é o crítico literário mais popular do mundo, segundo a imprensa; em 2000, publicou um ensaio no The Wall Street Journal que condenava os livros de Harry Potter. No Brasil, Bloom lançou a primeira parte da coletânea Contos e Poemas para Crianças Extremamente Inteligentes (Objetiva, 142 páginas). Nela, o autor coleciona um elenco de textos que considera fundamentais. (Época - Edição 246 - 03/02/2003).

Nesta entrevista à revista brasileira, Bloom explica que Harry Potter é um fenômeno de mercado, considerando este tipo de literatura como “idiota”, que não supre a necessidade de leitura e que estes “tais livros infantis ajudam a destruir a cultura literária”. O autor chega a afirmar veementemente que odeia HP; que a leitura é bruxaria barata reduzida a aventura; diz que é prejudicial ao leitor; que não tem densidade. Ele ainda critica a escrita de J. K. Rowling, taxando-a de “horrível” e ainda se compara a Hamlet (Shakespeare), quando laçou a polêmica, “que defrontou com um oceano de aborrecimentos” e encerrou o assunto dizendo continuava se incomodando com os fãs do pequeno feiticeiro.

Em defesa da leitura (não importando qual), o jornalista e escritor brasileiro, Zuenir Ventura retrucou os comentários de Bloom a respeito da leitura potteriana, em entrevista ao jornalista André Azevedo (na época, estudante de Comunicação Social da Universidade de Uberaba - MG – 2003). Ele considerou o posicionamento de Bloom elitista e disse o mesmo do americano, sem desmerecê-lo. Zuenir também atua no meio literário com grandes obras, como a mais famosa, 1968: o ano que não terminou e estava, à época da entrevista, atuando no jornal O Globo, na revista Época e no site NoMinimo; ele também ganhou os prêmios Esso de Reportagem e Vladimir Herzog de Jornalismo, em 1989. Para completar o comentário, Zuenir citou uma conversa que teve com o amigo José Hugo Fonseca, em que os dois discutiam a questão apenas de se ler, não importando se era Paulo Coelho (que os críticos também não aceitam como leitura válida) ou se “este tipo de leitura levaria o leitor a procurar um Rubem Fonseca da vida”.

Zuenir explicou também que o hábito de ler, quando adquirido, nunca mais será superado. Segundo ele, o leitor que pegasse em um livro que ele gostasse de ler, este, através dos dias que ele passaria lendo, despertaria o desejo natural de estar em contato com o papel, em uma relação “quase erótica” com ele. A idéia de Zuenir é que o leitor se acostume com o livro, com o material entre as mãos, com a imaginação fluindo e isso, para ele, independe da qualidade da leitura. Como definiu Caetano Veloso em uma poesia, “é um status tátil” pegar em um livro. Zuenir ainda fez uma analogia com os traficantes que fazem de tudo para viciar as crianças em drogas e ele faria de tudo para viciar as crianças em livros.

Apropriando-nos um pouco dessa idéia de Zuenir Ventura, passamos para a conclusão do nosso trabalho.

4. O livro que desperta para a leitura de outros livros A importância da leitura na vida dos brasileiros passou por vários momentos de glória em tempos remotos que vão existir na memória de todos apenas como um saudosismo que não recupera nem devolve nenhum hábito de leitura. Esperar que o Brasil tenha melhores condições de ensino, que possa nos oferecer melhores escolas e educadores para que as crianças que ainda estão por vir possam abarcar um mundo literário, é somente um desejo.

Um fato real como o de se ter despertado o interesse por livros através de um "conto de fadas anovelado", devia ser comemorado. Não por fazer as crianças comprarem desesperadamente os livros de HP, mas por levarem até elas um tipo de leitura que, para alguns entrevistados, estava totalmente esquecida com a Era da informação e seus aparelhos virtuais e televisivos que aprisionam no nada. O livro grandão, com mais de 200 páginas.

Em conversas informais com quatro crianças de 8 a 10 anos de idade e seis adolescentes de 14 e 15 anos, todos moradores de Campina Grande e estudantes de escolas públicas e privadas, eles descobriram um mundo inusitado a partir da leitura potteriana. Todos só liam por necessidade de se auto-afirmar socialmente, como explicado no início deste trabalho. E, somente para enfatizar a falta de interesse de leitura, ainda necessitavam da ajuda dos pais para a interpretação dos textos ou livros que a escola recomendava.

A partir dos livros de HP, essas crianças/adolescentes começaram a achar interessante ler e andar com livros e não só os da série de Rowling. Os adolescentes confessaram que sentiam receio em chegar o momento da prova do vestibular e serem reprovados por não saberem interpretar livros como Senhora (José de Alencar) ou Casa Grande e Senzala (Gilberto Freire), pois se nunca tinham lido nem sabiam como ler tais obras! Um desses adolescentes disse ter aprendido a ter “paciência” para “agüentar” livros com mais de 100 páginas a partir da leitura potteriana, pois, como já havia lido os três primeiros exemplares, cada um com mais de 260 páginas, o que viesse nesta quantidade ou com mais páginas seria menos “desesperador”.

Em um país onde a falta de leitura levou o presidente da República a afirmar, em rede nacional, que “ler era muito chato, mas era essencial”, ler os livros de Harry Potter é magnífico, pois leva o leitor a se interessar por outras leituras (quiçá mais densa!) e o leva também a sentir a necessidade pungente de se manter lendo. A partir da pottermania, a criança desenvolveu o hábito não só de ler, mas de conversar sobre livros, de procurar bibliotecas públicas e de “testar” outro tipo de leitura para “comparar” a de HP.

Como bem relatou Zuenir Ventura nesta entrevista citada acima, “à medida em que a pessoa vai lendo, vai melhorando, como em qualquer exercício”. É justamente nessa intenção que pode ser feita a leitura de HP: a partir do primeiro exercício (em muitos casos é isso o que ocorre). O leitor desenvolve a capacidade natural e a curiosidade de ler assiduamente, o que não quer dizer que tenha que ser um processo rápido, mas no tempo de compreensão de cada pessoa. O hábito de continuar lendo, a partir da leitura HP, pode também preparar o leitor iniciante para uma leitura mais complexa, para um nível maior ou melhor, se assim for o caso, na visão de quem estiver passando pelo processo de aprendizagem de leitura de livros.

*Valdívia Costa é jornalista, especialista em Educomunicação pela UEPB


5. Referências
RABELO, Amanda Oliveira – Trabalho da disciplina Bases Teóricas da Alfabetização; curso de Pedagogia da Uni-Rio – RJ;

VIANA, Fabrício D. – Artigo “Para educadores: Prazer de ler”; pesquisado do site Fabrício Viana;

BAPTISTA, Antônio – Ensaio “Leitura, a escrita do livro”; pesquisado do site Ciberforma;

ORLANDI, Eni – Discurso e Leitura, ed. Cortez – SP, 1988;

FREIRE, Paulo – A importância do ato de ler – ed. Cortez – SP, 1992;

SOBRE LITERATURA, INTERNET E 1968; setembro de 2004 – Entrevista com Zuenir Ventura por André Azevedo;

HAROLD BLOOM – ELES NÃO SÃO IDIOTAS; 03/02/2003; Entrevista a Luís Antônio Giron; Época - Edição 246;

SITE HOGSMEADE;

SITE JK ROWLING (em inglês).

21 de julho de 2010

GRANDE NUVEM DE MAGALHÃES


COLOSSAL - Essa é a maior estrela do universo, que fica numa galáxia vizinha à nossa, a Grande Nuvem de Magalhães, 165 mil anos-luz de distância. | imagem: Astro News

VALDÍVIA COSTA

Surgiu uma estrela, a maior de todas! Exatamente hoje, que o blog completa a marca histórica de 100 seguidores, astrônomos britânicos descobriram o que se acredita ser a maior estrela do Universo. Ela é 265 vezes maior do que o Sol, 10 milhões de vezes mais intensa e tem um nome numérico, RMC 136a1. Uma grandeza que me deixa perplexa! Não por saber desse fato que me fascina, mas por ter pessoas que me seguem também! As duas coisas mexeram comigo!

"Um colosso!", exclamou o então candidato à presidência da República em 2000, Lula, ao caminhar dentro da Coteminas de Campina Grande. Ouvi aquilo e fiquei pensando no que seria maior do que a pretensão do homem. Hoje descobri que o imensamente grande pode ser muito maior do que medidas humanas contam. E nesse movimento de crescimento, estão as estrelas jovens do RMC 136a, que ficam numa galáxia vizinha à nossa, a Grande Nuvem de Magalhães, a 165 mil anos-luz de distância. Além do De acordo com, lógico.

Com um pouco mais de um milhão de anos, essa estrela mais extrema já está na 'meia idade' e perdeu mais de um quinto de sua massa inicial neste período, ou mais de 50 massas solares. Não diria isso do blog. Ele até que é novo, com pouco mais de dois anos. Mas é feito por uma profissional que já passou da meia meia-idade (25 anos), por isso, no ponto. ;)

Sabe o que aconteceria se a RMC 136a1 substituísse o Sol em nosso Sistema Solar? A sua grande massa reduziria a duração da vida de um ano na Terra para apenas três semanas. Além de banhar o planeta numa radiação ultravioleta incrivelmente intensa, tornando a vida impossível em sua superfíce, segundo Raphael Hirschi, da Universidade de Keele, integrante da equipe liderada pelo astrofísico Paul Crowther, da Universidade de Sheffield, descobridora da estrelona.

O De acordo com não queimaria ninguém ao crescer tanto. Atrair leitores que pensam, que interagem, que valorizam uma nova forma de comunicar. Isso não faz mal. Lendo, mas assistindo, interpretando, opinando, enfim, trafegando em duas vias de textos e imagens que formam essa imensa blogosfera. Isso pode cegar alguns meios de comunicação (num futuro distante ainda), principalmente no Nordeste, onde o costume é "a mídia manda no meio social".

Estrelas como a RMC 136a1 são extremamente raras e se formam apenas nos agrupamentos estelares mais densos. Se houvesse algum planeta dentro do agrupamento RMC 136, o céu nunca escureceria, já que a densidade de estrelas na região é 100 mil vezes maior do que em torno do Sol. A descoberta dessa super estrela provoca a extensão do limite do tamanho máximo para estrelas, que atualmente é de 150 massas solares.

Veremos que poder de brilho isso nos dará daqui por diante, com esses seguidores todos. O agrupamento maior que consegui escrevendo alguma coisa minha, meus pensamentos, às vezes supérfluos, preconceituosos, grossos, metidos, tudo negativo, prositalmente, foi neste blog. Acho que superamos aquele tabu que blog só dura e só é bom se for comercial. Não que o dinheiro não seja bem-vindo. Mas que a arte é o guia aqui. O céu não escureceria de tanto que tento embelezar tudo, palavra, imagem, enredo...

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Colaboração: Astro News, ESO e NASA

19 de julho de 2010

CEGA E DESENFREADA


NEGATIVO: Discurso poético de um estado de injustiça, construído, em parte, em 2007. | imagem: Eu lembro... e você?

Tudo é igual. Não adianta pensar diferente que não vão seguir novidades e nada causará impacto. A rotina não se alterará nesse mundo desconexo conectado. As pessoas vão continuar assim, passivas, esperando. Ninguém sabe o quê. Mas elas esperam alguma coisa. Esse senso de justiça nina a todos numa grande rede, como babá de peito farto.

Dengosas, vivem tranquilamente ameaçando as vontades. Nelas, os desejos morrem por asfixia. Por isso o estresse, a pressa ou o intuito de realizar não trará a mudança. Arraste os pés num chinelo que tenha escrito: "agir como todos e conformar-se". No começo será ruim copiá-los. Mas depois, o costume, regado por interesses múltiplos, vai instalar-se calmamente à rotina.

Nada de alterações na educação, na política, nas artes, no jornalismo ou na saúde. Somente a praxe concursada. Assim, tudo blocado, seguindo o manual da mesmice. Exigem diferenciação nos comportamentos nos mercados, humanização com os presos desse reino ortodoxo, mas quem não dança no ritmo, é malhado no pau, tostado em óleos quentes de desprezo...

Mudar com radicalidade essa ordem é tentar quebrar pedras pelegudas com murros e mãos ossudas. E, por causar tumultos agindo, muitas vezes se defendendo do que se sofre antes de brigar, estará na mira da Justiça, essa dama que é cega, cortadora indiscriminada de cabeças. Mas só aquelas que não pensam como soberanas. Afinal não há imparcialidade que resista a costumes humanos mal assombrados como a farsa.

14 de julho de 2010

NA MESA QUE NÃO HÁ


CATADORA: Vivemos a procurar essa infinita vontade de sermos iguais, que é esmagada por estar embaixo do que restou do consumo. | imagem: O mundo rural de outrs forma

valdívia costa

VÃO VIVENDO MALTRATADAS
SEM CONFORTO OU NUTRIÇÃO.

VÃO GERANDO FILHOS
ENVOLTOS PELO GÁS METANO...
ESSES, COMO REBANHOS,
SE PROLIFERAM, MULTIPLICANDO-OS.

CARAS E CORPOS COBERTOS
CALCADOS PELO CHORUME.

O LIXO É O LAR
DE QUEM VIVE À MARGEM
É LÁ QUE A MENINA ACHA
A BONECA SEM BRAÇO, SUA IMAGEM.

DO LIXO SEUS PAIS VIVEM
COM AS SOBRAS DO USO-ABUSO.

PELO LIXO O MENINO CORRE
DESCOBRE, INVENTA E CRESCE
A BRINCADEIRA É O DESTROÇO
E O ALUMÍNIO É A PRECE.

TODO LIXO GUARDA A ESPERANÇA
DE, UM DIA, SER ATERRO.
E NÃO É SÓ ELE QUE NÃO ALCANÇA,
É CASA QUE NÃO CHEGA,
CARRO QUE NUNCA SE LANÇA...

COMIDA NÃO HÁ
NA MESA QUE NÃO HÁ.

FALTA EM EXCESSO
NASCE DA ABUNDÂNCIA
QUE MUITOS DEPOSITAM LÁ.

9 de julho de 2010

BASÍLIO, UM "CURADOR DE ABISMOS"


ACADÊMICO: As curadorias universitárias ou não sempre estão na rotina das distâncias. | Efeito em foto da mesa do 1º Encontro de Literatura de Campina Grande: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Um sujeito artístico em vários legados nordestinos. Sensibilidade, sobra. Poética e humor, estão na bagagem. Livros, peças teatrais, músicas e uma carreira jornalística ininterrupta em cultura. Tudo indica que ele se garante e será um editor X de cultura de uma revista idosa, mas difundidora da Paraíba, o Correio das Artes. É o "curador de abismos" Astier Basílio, o não-lisonjeiro das palavras.

Natural de Vitória de Santo Antão (PE), mas crescido (física e intelectualmente) na Paraíba, ele ficou conhecido primeiro em Campina Grande e atualmente em João Pessoa. Vencedor do prêmio Novos Autores Paraibanos/UFPB (1999-2000), publicou, entre outros livros, Searas do sol (2001), Antimercadoria (2005) e Eu Sou mais Veneno que Paisagem (2008).


Os poemas inseridos ao longo da conversa que tivemos, iniciada pelo Facebook velho de guerra, integram a Final em extinção, classificada em 1º lugar no concurso Correio das Artes 60 anos (2009). Agora à frente desse suplemento que abastece nossas mentes de conhecimentos e informações atuais, Astier quer dar uma xamegada com as novas tecnologias do mercado editorial. Talvez outro blog...

DE ACORDO COM " - Na Faculdade de Comunicação (UEPB), você apareceu vindo do curso de Letras (UFCG). Já escrevia textos poéticos ou críticos para o Jornal da Paraíba, lançava livros e vi-o tocando viola, ‘um jovem que dava continuidade à arte popular’, como o seu pai, o poeta Tião Lima. Como essas profissões e artes, que se completam, se fusionaram? Que resultados você começou a alcançar nessa época?

ASTIER BASÍLIO - Acho que foi um caminho natural. Na verdade, o princípio de tudo era o de tocar viola, ser cantador. Eu comecei a escrever poemas meio que para ficar próximo disso. O lance da crítica, também foi uma consequência dos estudos e da minha dedicação à poesia escrita. Tudo sempre esteve junto. Mais tarde, resolvi, sim, cantar. Depois descobri que a cantoria é uma arte monogâmica. Que exige tempo, que exige estratégias que vão além do ofício de cantar. Optei pela literatura porque de alguma forma é a arte que eu realizo todas as artes.

" - João Pessoa. Nesse período, começaram suas atuações mais assíduas em teatro, viagens para outros grandes centros como dramaturgo e o lançamento de Antimercadoria. Na sua chegada à Capital, foram traçados ou encontrados os desafios?

AB - A ida a João Pessoa não foi programada. Mas eu pressentia que precisava ir. Era estudante e uma colega, ela já com anos de redação, me disse que as pessoas em Campina não me viam como alguém que pudesse fazer pautas simples como, por exemplo, entrevistar um prefeito. Que me viam como colunista, um cargo que nunca é conferido a um estreante, a quem mal saiu da faculdade. Verdade ou não, eu acreditei naquilo e procurei trabalho fora. O fato de já escrever críticas para o caderno Idéias, suplemento cultural de A União, me abriu portas e fez com que meu texto chegasse lá o que proporcionou essa minha ida à Capital, onde me encontrei profissionalmente. O teatro começou em Campina. Fiz um curso no Dart. Quem me disse que eu tinha ir, praticamente me levou no braço foi Taciano Valério, amigo que à época era só escritor de contos e não o cineasta premiado que é hoje. Iríamos montar o ‘Auto do Inferno’, mas o professor se transferiu, o grupo se dispersou, mas dessa turma há muitos nomes interessantes que seguiram carreira, creio que Mírtia, que hoje está no Quem Tem Boca, acredito que Érik Breno também era da minha turma, além de alguns meninos do Marxuvipano. Ocorre que em 2006 surgiu um desafio – olha como tudo tem a ver com tudo! – devido a um texto crítico meu sobre Ariano, despertei a atenção de um encenador que estava com um espetáculo marcado para estrear no Rio. A partir de então essa pesquisa para compor o texto, essa ligação mais direta com a dramaturgia – que era o que eu buscava deste o Dart – se efetivou e, como não poderia deixar de ser, redundou também numa dedicação de minha parte em termos de atuação profissional, me tornei um repórter especializado, passei a cobrir festivais e a viajar para assistir espetáculos. O lançamento de Antimercadoria veio um pouco antes mas é sintoma desse turbilhão e, creio, é uma poesia que procura refletir muito o tempo em que estou inserido e minha relação com as outras artes.

" - Como um cara antenado, que saca de informática, se dá bem com a net, você já fez alguns blogs, um deles o Eu Sou Mais Veneno que Paisagem. Mas muitos escritores, jornalistas e dramaturgos não conseguem alcançar os avanços tecnológicos. Dentro do mercado editorial isso é um fator determinante atualmente? Que vantagens você tira por ter essa inter-relação com tais ferramentas?

AB - Escrevi dois livros a partir de blogs, Antimercadoria e Eu Sou Mais Veneno que Paisagem. Abrir as portas de sua oficina de criação tem vantagens. Aplaca a solidão. Faz com que determinadas experimentações sejam testadas, incita um bom diálogo. Não sei te dizer até que ponto se estabeleça uma relação com o mercado editorial. Eu sou poeta, então, escrevo um gênero que tem pouco alcance. Vá aos sites de editores em quase todas elas há um aviso: não recebemos originais de poesias; publicamos, mas não por meio de envio de originais. Eu sou alguém que gosta de experiências. Ultimamente, venho me dedicando à prosa e estes escritos são passados para alguns amigos por e-mail. Não sei te dizer a razão, mas não me sinto mais à vontade com exposição de blogs, até porque eu acredito que hoje em dia a blogosfera mudou, as relações entre leitor e escritor na Internet se reconfiguraram, há mais pessoas escrevendo, há muita coisa no ar. Eu não sei te dar uma resposta, nem sei ela há, de como se pode tirar uma boa relação com as ferramentas. Acredito, acima de tudo, que o mais importante é a literatura é a dedicação ao ofício, à arte que, claro, esta pode ser conciliada com estes mecanismos e ferramentas tão úteis à comunicação.

" - O cargo de editoria de cultura, muitas vezes, envaidece o ‘jornalista’ mais do que desenvolve a área, com novos personagens e movimentos. Talvez devido ao engessamento organizacional das empresas de comunicação. O que você pretende apresentar de diferencial, visto que o suplemento já foi feito e refeito de diversas formas ao longo dessas seis décadas? Já pensou em algumas novidades para os leitores, alguma interação com outros conceitos, como os midiáticos virtuais?

AB - O Correio das Artes é uma encruzilhada. Ao mesmo tempo em que é tradição, também é vanguarda; ao mesmo tempo em que é órgão de divulgação da literatura paraibano o é da literatura nacional. Há que se ter um equilíbrio e conciliar estas expectativas. Em relação ao que penso propor de diferencial, um conteúdo que esteja à altura do suplemento e que faça jus ao nome, seja Correio das Artes, que abrigue literatura, cinema, teatro, artes plásticas, música, cultura popular. Não sei se há muito o que fazer além do que os outros já fizeram. Não tenho como criar um novo alfabeto, mas, com as mesmas palavras, é possível criar frases novas e me comunicar bem com elas. Mas respondendo melhor sua pergunta, penso em desenvolver um blog com conteúdos exclusivos, com podcast com colaboradores, mas é algo que ainda está em fase de planejamento, em princípio, preciso ajustar o ritmo das edições para ter tranqüilidade e conseguir realizar edições com capricho e apuro.

" - O que vem por aí, nos seus planos, nas artes? Tem peça teatral, livro ou música à vista?

AB - Minha primeira composição sai agora, em CD. É uma parceria com o amigo Xisto Medeiros. Eu pus letra em uma melodia dele. Gostei do resultado, quero muito ver o que o pessoal vai achar, enfim. Tenho um livro aguardando publicação, o do prêmio Correio das Artes, ‘Final em Extinção’, que deve sair, creio, até o final do ano. Ultimamente tenho me dedicado com muito afinco à produção de prosa de ficção. O primeiro resultado desse trabalho pode ser conferido na coletânea “Tempo Bom”. O livro, uma organização de Cristhiano Aguiar e Sidney Rocha, saiu pela editora Iluminuras. Tem gente muito boa na edição como Marcelino Freire, Ronaldo Correia de Brito, Xico Sá, Nelson de Oliveira. Toda a renda será revertida aos desabrigados do Nordeste. O lançamento acontecerá nesta sexta próxima, em várias capitais em todo o Brasil, João Pessoa também – o local será no Sebo Cultural. Em relação ao teatro, acho que é uma arte que precisa ser feita de encomenda. Tem que haver demanda. Eu não tenho nada na gaveta. Meu senso e minhas ideias teatrais são todos potencializados nos meus escritos em prosa.

6 de julho de 2010

CENTENÁRIA NATHÉRCIA


INSISTENTE: Gastou seus dias a fiar a educação como todo bom artesão, pegando a linha com delicadeza, colocando-a entre os dedos, trançando-a de forma perfeita, mantendo igual o design da vida longa e dedicada à vida. | imagem: Confissões de um enigma

VALDÍVIA COSTA

Viver é resistir. Seja por que tempo for, a vida é repleta de vontades, a gente é quem escolhe qual seguir. Quando não se tem mais pressa, se caminha lento, mas vivendo. Quem consegue prolongar a vida até onde as forças findam? Lembro de Nathércia e seus cabelos, pele e roupas brancos. Sentada numa cadeira, fitando o chão, estranhando pessoas do novo século. Ela, que viu gente passando do século 19 ao 20 e já espreitava o 21... era muito enfadonho ver as transmutações, hábitos e valores virando pelo avesso.

Visitei Nathércia Cunha de Morais, "a professora que criou a palmatória em Jardim do Seridó-RN", quando ela ia completar seus 106 anos, em 2004. Morreu em 2008, com 110 anos, a idosa que mais tempo viveu na cidade. Na época, ela me disse a data de nascimento: 25 de julho de 1898. "Vivi em cima dos costumes da moral e do respeito do século XX. Eu era quem mandava na sala. Quem não quisesse aprender e quisesse fugir da alfabetização, apanhava!", relembrou.

Mesmo com ar dramático de severidade, Nathércia era encantadora. Aposentada desde 1967, ganhou o título de "professora do século" em 2001. Uma de seus 10 netos que seguiram a carreira de professor, Terezinha Morais Neri de Oliveira, 59, foi quem cedeu gentilmenta as falas mais emocionadas da avó. Os 18 filhos de Nathércia não quiseram saber da vida de professor.

Mas nesta visita, ela estava zangada porque tinham dado-lhe um banho muito cedo e o frio na idade em que ela estava castiga forte. Mas conversou. Quase cega, achava bom receber visitas porque passava o dia deitada numa rede. Pelos relatos de Terezinha fiquei a imaginar a vida dessa que foi a primeira pessoa a alfabetizar meus antecedentes jardinenses.

Nathércia e seus rompantes de autoritarismo nos sítios Sombrio, Cabaceiras e Três Irmãos, zona rural extrema e machista. Devido às dificuldades, ela passou um bom tempo dando aula em casa. Meninos e meninas analfabetos chegavam de todas as casas. Era tanto aluno que a professora separava os pequenos dos grandes pelos cômodos. E ainda precisava de ajuda na hora da educação física. Aí entrava os filhos de Nathércia. Numa sala só, tinha dias dela ensinar conteúdos da 1ª, 2ª e 3ª séries.

Imagem: Camiseteria
"Eu ensinei tanto nesse mundo, ensinei tanto menino na minha vida que ninguém acredita", dizia Nathércia, orgulhando-se da profissão. Casou-se com Rufino de Morais aos 19 anos, em 1917. "Considerava a maior façanha do mundo ter conseguido instruir os alunos a conhecerem a luz que clareava as trevas da ignorância... o saber a iluminá-los", poetizava. Na época (como ainda hoje em dia) em que essa professora torpedo atuava, o "ganho" era pouco e ela associou essa profissão a de costureira.

Em 1947, aula numa escola noturna. Alfabetizou adultos à luz de lamparina com querosene. Mas continuou trilhando os poucos caminhos existentes e conseguiu atuar pelo município, pelo Estado e como professora particular. A missão de levar adiante o conhecimento não foi fácil.

"Certas vezes precisei ser valente, principalmente no que eu queria, porque eu ensinei mais de um ano pelos sítios de Jardim sem ganhar um tostão. Desanimei. Mas tinha o desejo de tirar o povo do analfabetismo. É muito doloroso ver a pessoa colocar o dedo no papel. Se eu pudesse continuava ensinando para pôr fim nisso", desabafou Nathércia a sua neta, que transcreveu vários desses depoimentos em suas pesquisas sobre a educação.

Foram 66 anos ensinando Português, História, Geografia e Aritmética, que é "a ciência elementar dos números, que trata dos algarismos", como ela gostava de explicar. "Um bom professor, além de enérgico, tem que ser de muita utilidade para o aluno e fazer tudo o que pode e estiver ao seu alcance".

Quando Nathércia morreu deixou 80 netos, 137 bisnetos e 25 tataranetos. Sementes que se espalharam pelo Brasil e pelo mundo com pedaços dessa história de amor à educação atrelados aos seus DNAs.

5 de julho de 2010

VARAL


SOLITÁRIO: Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. (Clarice Lispector) Texto abaixo (2007) e foto (2009) de Val da Costa.

VALDÍVIA COSTA

Há dias que as roupas estão no varal. Secaram já. Mas espero a coragem. Essa sim, falta sempre. Não admira que ela fuja. São tantos passos que eu posso dar que pesa mesmo!

Espero cogitar algumas possibilidades e desfrutar mais da vida. Ela já secou também. E continua estendida num varal alto, precipitadamente acima da realidade, como as roupas.

A vida e os tecidos dançam, movem-se calma e estressantemente. Nem notam os questionamentos humanos, aumento de estatísticas, horário, burocracia... o sorriso passa despercebido, acanhado, sem vontade de virar som.

Vou guardá-las. Preciso das roupas, que materializam a gente. Mas elas também desmaterializam o medo, revelando desejos, ao serem tiradas do nosso corpo.

A vida também comove, fazendo-me eterna observadora desse varal de trocas diversas de diferentes roupas, durante a minha existência, enquanto perco-me nos sonhos ou dela.

4 de julho de 2010

"...NÃO SOU TODO, FAÇO COLAGENS"


ESBOÇOS: Eles estão presentes no livro de poesias de Assuero, esboços de figuras atormentadas pelos apuros que os sentidos nos proporcionam. | imagem: Rogério Bonifácio

VALDÍVIA COSTA

Tenho algumas palavras guardadas que uso somente em ocasiões extras. São de valor estimado que o dinheiro não as paga. Parte delas devo aos amigos poetas, distribuidores de abundantes acervos linguísticos. Um deles me ajudou a desenvolver a prosa, essa prima do cotidiano. Assuero Cardoso é professor e amigo das letras. Conheci-o numa Lagarto-SE que já absorvia o axé music com força, mas sua poesia de guerrilha conseguia ressoar no Estado.

O poeta sergipano lançou seu 5º livro (publiquei erroneamente como 4º ano passado) e me enviou um exemplar pra minha coleção privê cardosiana. A Cerca de Vidro (82 páginas, Indie - 2009) é um livro artesanal, como a caipirosca que Assuero prepara ao imaginar versos salientes que sempre acontecem antes da peixada de um domingo.

Todo ilustrado pelo desenhista lagartense Rogério Bonifácio, o exemplar tem poesias de 2004 a 2007, salvo duas, uma de 1998 (..."sou um livro / sou um vivo / sou um signo..." - Certas palavras, pág. 66); outra de 1999, a conhecida homenagem ao pai do poeta (..."quero também agora fazê-lo acreditar em mim / embora eu não saiba ainda / escrever a poesia da vida e do futuro..." - Meu pai, pág. 68).

Simbolicamente, Assuero dividiu o livro em sete partes. Acredito que isso tenha algum significado poético, mas não sei se alcancei a mensagem dessa organização cardosiana. Talvez, pelo significado bíblico, pra representar o "número perfeito", de acordo com o livro Génesis 1:1 "No Princípio, criou Deus os céus e a Terra". Esta afirmação foi escrita há cerca de 3.500 anos, numa frase de sete palavras em hebraico.

Sete, portanto, para os cristãos, é o número de Deus. Ele representa aquilo que está completo, a plenitude, o que Deus faz e que não falta, nem se pode acrescentar. Mas pode ser que, além desse signo espiritual, Assuero possa ter pensado na numerologia, ciência matemática, apesar de abstrata, muitas vezes, na qual o sete, também chamado "setenário", é sagrado nas teogonias, filosofias e religiões da remota antiguidade.

Assim, parece que o poeta sergipano cria um enigma numérico a partir desse dígito que, em todos os setores da atividade humana é citado, como os sete: dias da semana, cores do arco-íris, notas musicais etc. Enfim, no livro, o sete entecede: as horas, as mortes, as cores, os nomes, os amores, os homens e as dores.

Não sei porquê, mas acredito que a ordem desses motes também foi arrumada com alguma intenção, talvez a de enumerar os temas de acordo com suas "aparaições" na inspiração do poeta. Eu gostei de ler o índice do livro e ficar com essas dúvidas, notar esses enigmas. As poesias? Versam, como sempre, sobre esse cotidiano descritivo romântico e afirmativo de Assuero.

TRIBUTO - Um hábito que já é recorrente na literatura cardosiana é a homenagem aos amigos, conhecidos. Em A Cerca de Vidro é a vez do poeta e jornalista lagartense Anderson Ribeiro, que também manda ver na escrita poética pelo blog Ar torpedo. Noto, ainda no livro, um constante chamado de fé, ao qual não conhecia na obra do amigo Assuero. Nada carregado, apenas tentativas de ver Deus, talvez... "Nasce uma palavra, uma palavra infinda, feita de água e poeira, de mim e de Deus..." (Em mim - 3º capítulo "Sete cores")

RECEITA PARA MORRER DE VEZ
(para a genialidade de Anderson Ribeiro)

Tranque o quarto para que o gás não entre.
Se o parto foi bom enterre aquele choro.
Abra mão da tua mãe, volte ao teu ventre.
Deite no teu sêmen feito feto podre.
Amarre a corda sobre o teu grito demente.
Solte a voz como quem prende por dentro.
Pule a corda porque a ponte está doente.
(novembro de 2004)

2 de julho de 2010

INVERSO


TESTE: Se colocarmos a ordem das coisas ao contrário, elas funcionam também, mas em alguns casos muito mal, com deficiências, metas inalcançadas... | imagem: Blaine

VALDÍVIA COSTA

Falei com uma espécie de palha, num imenso palheiro, quando passava perdido em meus próprios ressentimentos. Seus olhos vagos, com exceções de observadora e comentadora, chamaram-me a atenção. "Tire-me daqui! Tem uma agulha a me espetar!", suplicou a palha.

Achei que não devia interferir. A agulha devia ter seus motivos para torturá-la, como uma concorrente high tech, ganhando espaço pelos bilhões de palhas amarelas reluzentes que, talvez, admirem a sua aparência inovadora.

"Não quero interferir e ter que me responsabilizar por uma palha desgarrada, que está sendo punida por algo que nem sei...", retruquei, ofensivo e sem deixar brecha para outra investida. Eu sou só o vento que passo ocasionalmente ouvindo seres distintos... sonoridades e perfumes que me seguem fugazmente sabem que eu costumo esquecê-los ao encontrar os seguintes.

Realmente fui verdadeiro. Não podia soprar a palha que me seduzia. Nem ao menos livrá-la de seu infortúnio nessa competição injusta das formas e das coisas. Afinal, ela premeditava o quê com esse apelo? Se livrar do seu sagrado ofício de forrar currais e mais outras atividades nesse meio rural?

Não sou eu quem concerta as coisas. Ao contrário. Até gosto de passar veloz ajudando a desfazê-las. Apesar de estar quase brisa neste dia fui sincero como indica meu estado transparente. Quem sou eu para varrer a palha? A única coisa que resta é induzir alguém com um assovio para procurar a agulha no palheiro.