
ESBOÇOS: Eles estão presentes no livro de poesias de Assuero, esboços de figuras atormentadas pelos apuros que os sentidos nos proporcionam. | imagem: Rogério Bonifácio
VALDÍVIA COSTA
Tenho algumas palavras guardadas que uso somente em ocasiões extras. São de valor estimado que o dinheiro não as paga. Parte delas devo aos amigos poetas, distribuidores de abundantes acervos linguísticos. Um deles me ajudou a desenvolver a prosa, essa prima do cotidiano. Assuero Cardoso é professor e amigo das letras. Conheci-o numa Lagarto-SE que já absorvia o axé music com força, mas sua poesia de guerrilha conseguia ressoar no Estado.
O poeta sergipano lançou seu 5º livro (publiquei erroneamente como 4º ano passado) e me enviou um exemplar pra minha coleção privê cardosiana. A Cerca de Vidro (82 páginas, Indie - 2009) é um livro artesanal, como a caipirosca que Assuero prepara ao imaginar versos salientes que sempre acontecem antes da peixada de um domingo.
Todo ilustrado pelo desenhista lagartense Rogério Bonifácio, o exemplar tem poesias de 2004 a 2007, salvo duas, uma de 1998 (..."sou um livro / sou um vivo / sou um signo..." - Certas palavras, pág. 66); outra de 1999, a conhecida homenagem ao pai do poeta (..."quero também agora fazê-lo acreditar em mim / embora eu não saiba ainda / escrever a poesia da vida e do futuro..." - Meu pai, pág. 68).
Simbolicamente, Assuero dividiu o livro em sete partes. Acredito que isso tenha algum significado poético, mas não sei se alcancei a mensagem dessa organização cardosiana. Talvez, pelo significado bíblico, pra representar o "número perfeito", de acordo com o livro Génesis 1:1 "No Princípio, criou Deus os céus e a Terra". Esta afirmação foi escrita há cerca de 3.500 anos, numa frase de sete palavras em hebraico.
Sete, portanto, para os cristãos, é o número de Deus. Ele representa aquilo que está completo, a plenitude, o que Deus faz e que não falta, nem se pode acrescentar. Mas pode ser que, além desse signo espiritual, Assuero possa ter pensado na numerologia, ciência matemática, apesar de abstrata, muitas vezes, na qual o sete, também chamado "setenário", é sagrado nas teogonias, filosofias e religiões da remota antiguidade.
Assim, parece que o poeta sergipano cria um enigma numérico a partir desse dígito que, em todos os setores da atividade humana é citado, como os sete: dias da semana, cores do arco-íris, notas musicais etc. Enfim, no livro, o sete entecede: as horas, as mortes, as cores, os nomes, os amores, os homens e as dores.
Não sei porquê, mas acredito que a ordem desses motes também foi arrumada com alguma intenção, talvez a de enumerar os temas de acordo com suas "aparaições" na inspiração do poeta. Eu gostei de ler o índice do livro e ficar com essas dúvidas, notar esses enigmas. As poesias? Versam, como sempre, sobre esse cotidiano descritivo romântico e afirmativo de Assuero.

RECEITA PARA MORRER DE VEZ
(para a genialidade de Anderson Ribeiro)
Tranque o quarto para que o gás não entre.
Se o parto foi bom enterre aquele choro.
Abra mão da tua mãe, volte ao teu ventre.
Deite no teu sêmen feito feto podre.
Amarre a corda sobre o teu grito demente.
Solte a voz como quem prende por dentro.
Pule a corda porque a ponte está doente.
(novembro de 2004)
Um comentário:
Nossa! ficar sabendo do poema por aqui me deixou... como se o chão tivesse saido dos meus pés. Putz, Assucar (ASSUero CARdoso, como o chamo) sabe ler além do cotidiano, o outro. Mas me chamar de gênio, acho que é demais. Não mereço isso, sem modéstia, acredite. Ser poeta é ser leve como ele. Corre no sangue, cruza as veias. Eu não sou assim. Pra mim é pesado. Corre na angústia que cruza no meu caminho. Obrigado Assucar pelo poema. Obrigado Val, pelo texto lindo que nos oferece.
Postar um comentário