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4 de julho de 2010

"...NÃO SOU TODO, FAÇO COLAGENS"


ESBOÇOS: Eles estão presentes no livro de poesias de Assuero, esboços de figuras atormentadas pelos apuros que os sentidos nos proporcionam. | imagem: Rogério Bonifácio

VALDÍVIA COSTA

Tenho algumas palavras guardadas que uso somente em ocasiões extras. São de valor estimado que o dinheiro não as paga. Parte delas devo aos amigos poetas, distribuidores de abundantes acervos linguísticos. Um deles me ajudou a desenvolver a prosa, essa prima do cotidiano. Assuero Cardoso é professor e amigo das letras. Conheci-o numa Lagarto-SE que já absorvia o axé music com força, mas sua poesia de guerrilha conseguia ressoar no Estado.

O poeta sergipano lançou seu 5º livro (publiquei erroneamente como 4º ano passado) e me enviou um exemplar pra minha coleção privê cardosiana. A Cerca de Vidro (82 páginas, Indie - 2009) é um livro artesanal, como a caipirosca que Assuero prepara ao imaginar versos salientes que sempre acontecem antes da peixada de um domingo.

Todo ilustrado pelo desenhista lagartense Rogério Bonifácio, o exemplar tem poesias de 2004 a 2007, salvo duas, uma de 1998 (..."sou um livro / sou um vivo / sou um signo..." - Certas palavras, pág. 66); outra de 1999, a conhecida homenagem ao pai do poeta (..."quero também agora fazê-lo acreditar em mim / embora eu não saiba ainda / escrever a poesia da vida e do futuro..." - Meu pai, pág. 68).

Simbolicamente, Assuero dividiu o livro em sete partes. Acredito que isso tenha algum significado poético, mas não sei se alcancei a mensagem dessa organização cardosiana. Talvez, pelo significado bíblico, pra representar o "número perfeito", de acordo com o livro Génesis 1:1 "No Princípio, criou Deus os céus e a Terra". Esta afirmação foi escrita há cerca de 3.500 anos, numa frase de sete palavras em hebraico.

Sete, portanto, para os cristãos, é o número de Deus. Ele representa aquilo que está completo, a plenitude, o que Deus faz e que não falta, nem se pode acrescentar. Mas pode ser que, além desse signo espiritual, Assuero possa ter pensado na numerologia, ciência matemática, apesar de abstrata, muitas vezes, na qual o sete, também chamado "setenário", é sagrado nas teogonias, filosofias e religiões da remota antiguidade.

Assim, parece que o poeta sergipano cria um enigma numérico a partir desse dígito que, em todos os setores da atividade humana é citado, como os sete: dias da semana, cores do arco-íris, notas musicais etc. Enfim, no livro, o sete entecede: as horas, as mortes, as cores, os nomes, os amores, os homens e as dores.

Não sei porquê, mas acredito que a ordem desses motes também foi arrumada com alguma intenção, talvez a de enumerar os temas de acordo com suas "aparaições" na inspiração do poeta. Eu gostei de ler o índice do livro e ficar com essas dúvidas, notar esses enigmas. As poesias? Versam, como sempre, sobre esse cotidiano descritivo romântico e afirmativo de Assuero.

TRIBUTO - Um hábito que já é recorrente na literatura cardosiana é a homenagem aos amigos, conhecidos. Em A Cerca de Vidro é a vez do poeta e jornalista lagartense Anderson Ribeiro, que também manda ver na escrita poética pelo blog Ar torpedo. Noto, ainda no livro, um constante chamado de fé, ao qual não conhecia na obra do amigo Assuero. Nada carregado, apenas tentativas de ver Deus, talvez... "Nasce uma palavra, uma palavra infinda, feita de água e poeira, de mim e de Deus..." (Em mim - 3º capítulo "Sete cores")

RECEITA PARA MORRER DE VEZ
(para a genialidade de Anderson Ribeiro)

Tranque o quarto para que o gás não entre.
Se o parto foi bom enterre aquele choro.
Abra mão da tua mãe, volte ao teu ventre.
Deite no teu sêmen feito feto podre.
Amarre a corda sobre o teu grito demente.
Solte a voz como quem prende por dentro.
Pule a corda porque a ponte está doente.
(novembro de 2004)

Um comentário:

Anderson Ribeiro disse...

Nossa! ficar sabendo do poema por aqui me deixou... como se o chão tivesse saido dos meus pés. Putz, Assucar (ASSUero CARdoso, como o chamo) sabe ler além do cotidiano, o outro. Mas me chamar de gênio, acho que é demais. Não mereço isso, sem modéstia, acredite. Ser poeta é ser leve como ele. Corre no sangue, cruza as veias. Eu não sou assim. Pra mim é pesado. Corre na angústia que cruza no meu caminho. Obrigado Assucar pelo poema. Obrigado Val, pelo texto lindo que nos oferece.