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27 de dezembro de 2010

ANIMAIS DE RUA DE JARDIM

"AVON" - Gatos, em suma, são assustados... mas os que moram nas ruas de Jardim são totalmente zen. | imagem: Val da Costa
Gatos de rua gordos existem. Eles moram em Jardim do Seridó-RN. Nove deles miavam numa manhã ensolarada, como todas as manhãs seridoenses. Nas balaustradas da "igreja do alto", eles se enfileiram, preguiçosos de tanto comer, deixando suas caldas longas estendidas, balançando ao vento. Nas seis tábuas postas arrodeando o canteiro lateral da igreja, comida de panela, leite e carne.

O banquete é posto por todos os moradores do Largo do Coração de Jesus. São bichos bandoleiros, mas protegidos e cuidados por senhores e senhoras moradores de uma cidade pacata, de menos de 10 mil habitantes. "Tome leite, tome... chegue, 'ome', tome leite, tome...", adulava a senhora com uma sombrinha rosa, em plena 10h.

Com as caras mais curiosas do mundo, cinco gatos se reuniram pra observar o que tinha na vasilha de plástico. Ao contar que tinha "muita pena" dos bichanos, a senhora lembrou-se de um gato lindo que ela teve. "Ele era grande, mimoso... nenhum desses de rua encostava na calçada... era um gato de guarda... mas, numa de suas andanças, caiu num tanque de água e morreu... era jovem, tinha sete anos... os gatos vivem até 20 anos...", lamentava, enquanto os gatos já bebiam o leite, como que embalados por aquele conto matinal felino. Cena bucólica humana pacífica...

O quanto podemos ser bons para a vida e para nós mesmos? Ao alimentar um bicho de rua, a gente mata a fome de ajuda que todo ser humano tem e não satisfaz, principalmente por refletirmos, como essa senhora, sobre todos os bichos que as cidades matam. Bichos que deveriam ser domésticos, já que assim os "fizemos". Mas que são abandonados por estarem velhos, doentes ou feios.

O ato de cuidar de animais de rua é comum em Jardim. No final dos anos 1990, caminhantes criaram um gatódromo. "E lá só os gatos são assistidos?", podem questionar. Mas quase não há cães de rua na cidade. Pode ser preferência por felinos ou falta de violência, o que dispensa os latidos do 'guarda' no quintal. O fato é que, do gatódromo, um local ermo, perto das algarobas e juremas da ponte do Riacho das Cobras, um ou outro que caminhava a BR 101 cuidava com ração, leite, carne... caixas de papelão pras 'casas dos bichanos' e até a higienização do local, que tinha uns 100 gatos, de todo tamanho.

Próximo ao canal, dentro da cidade, os moradores também sustentam os animais de rua com comida e remédios. Enfim, é uma cultura. Interessante porque casa bem com o aspecto ecológico da cidade, que tem variados tipos de pássaros também, enfeitando tudo. Viver bem é o equilíbrio que esses animais conseguiram ter com os humanos na colorida Jardim.

Até entre as espécies rola uma simpatia quase implantada por essa responsabilidade cidadã jardinense. Contamos cerca de 10 espécies de pássaros habitando uma craubeira gigante, um verdadeiro viveiro o que tem no teto verde desse local onde os gatos vivem. Cantos curtos, longos, aguçados, fortes... penas laranjas, marrons, amarelinhos pequenininhos... Empanturrados, os bichanos nem notam o seu prato principal voando. Tem gato até com azia, de tanto comer da gastronomia humana...

 valdÍvia cOsta

24 de dezembro de 2010

SENSAÇÃO APOTEÓTICA


Fim de ano é sempre a mesma miséria. As pessoas se empanturram de tudo e quem não tem nada para gastar só deseja. O mal é o primeiro item da lista desses desafortunados. "Porra de Papai Noel! Um velho que distribui presentes muito mal, não é brasileiro e ainda é um escravista animal, com um bando de viados pra arrastar seu peso pelo céu..." Depois desejam dinheiro... "Comprava essas neves, o presépio, meio mundo de presente, os reis magros, os gordos também..."

A tristeza menosprezante da data não é pelo apelo excessivo ao consumo de tudo e ainda 'o diferencial'. É pela falta de noção dos símbolos, pela discrepância entre os signos religiosos ou de entretenimento e pela imensa falsidade de luzes e cores que inebria criancinhas e os adultos também (!).

Campina Grande fica pegajosa nesse período. Há uns seis anos que pegam pesado na pisada do ganzá. Na entrada, no monumento moderno que antes emblemava a cidade com o cosmopolitismo, agora temos um ridículo Papai Noel. Um "nada a ver" com a paisagem e com a história da Rainha da Borborema, mãe macroecumênica de todos, menos daquele ex-boneco erótico inflável.

Seguimos pela "Avenida Brasília" e nos deparamos com uma praça redonda, na frente do Parque da Criança, um dos mais belos lugares verdes de Campina. Hoje tristemente sobrecarregada de eletricidade. Luzes multicoloridas percorrendo troncos de árvores, elevando formas esdrúxulas, atraindo pessoas moscas (aquelas que adoram pisca-pisca para tirar a 'foto do Orkut').

Enquanto essa ornamentação escarlate e de gala percorre diversos outros lugares visitáveis, milhares de crianças e adolescentes passaram, ontem e hoje, os dias mais pancadas de suas pequenas vidas. Nos sinais, nas esquinas, nos bares, restaurantes, praças... Eles estão pedindo, vendendo, oferecendo serviços, o corpo e até os irmãos menores somente para consumir, ao menos, o jantar de Natal.

Sem Jesus de Nazaré, a data ainda foi inicialmente escolhida para corresponder com qualquer festival histórico romano ou com o solstício de inverno. Na verdade, o Natal é o epicentro dos furacões consumistas. Os feriados de fim de ano e da temporada de férias se entrecruzam e ainda trazem boas vibrações para os vindouros doze dias de mais consumo.

Tradicionalmente, é um feriado cristão, mas muitos não-cristãos, como as bruxas ou Wiccas, também aproveitam a festa para emanar boas vibrações, gastar com incensos, velas, comidinhas... Ah, trocamos cartões nesta época. Agora, os virtuais, com suas animações, sons e outras "mumunhas mais". A Ceia de Natal, músicas natalinas, festas de igreja, o peruzão, decorações diferentes como a circundantes guirlandas, o misterioso visco, os cada vez menores presépios...

É tanta representação que esquecemos de fato quem somos e pra onde vamos. Enquanto não sabemos refrear aumentos salariais estratosféricos de políticos e presidente, a festa chega e vamos a mais um branco coletivo. Mesmo lisos. Mesmo lesos. Estratégicos eles! Embriagados nós! Que vidramos em apenas mais um espetáculo midiático, corroborado pela união familiar propiciada pelos feriados. Tchan-ram! A sensação de 'grand finale'. Com pedidos e orações fortes para o próximo ano.
 valdÍvia cOsta

22 de dezembro de 2010

CONTRA MISSÕES IMPOSSÍVEIS

POR FORA - Não assediar é a melhor estratégia de produção. | imagem: Welington Corporation
Eu nunca fiz, sou incompetente nesse quesito. Mas muitas amigas minhas "conseguem" fazer três matérias especiais numa semana. Sim, isso num tempo que lauda, texto e gancho enxugaram. Mas num momento de descaso ou desapego profissional, em que os resultados são cinco parágrafos enganosos, com no máximo uma coordenada de mais um parágrafo para tapear o leitor, todos fazem.

Ninguém é doido de discordar de um pauteiro ou chefe de reportagem. Capaz de vir uma daquelas mandingas brabas de perseguissão. Melhor se fazer de doida. "Lá, lá, lá...", com o mp3 pra cima e pra baixo. Nem isso nem o atrito resolvem. O clima só melhora com um pedido de demissão. A risada diabólica do editor é um eco abafado dentro dele mesmo, disfarsada com uma cara branda...

Muitas são as histórias de assédio moral, isso que jornalista passa de ruim em redação e não comenta nem a pau, com medo de ser taxado de fraco ou qualquer desmérito assim. Poucas que tragam boas novidades sobre o tema, como esta que está empurrando um projeto que logo será lei no Brasil, pra defender vítimas de maus tratos e assédio moral nas empresas.

Os jornalistas e o projeto do bom Jesus

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou na quinta-feira (6/12), por unanimidade, um projeto provavelmente tão pouco conhecido quanto o seu autor, o deputado Marcos de Jesus, do PL pernambucano. O paradoxal é que, por definição, a proposta interessa a todos os assalariados brasileiros – antes a alguns do que a outros, porém, conforme a natureza de seu trabalho e as condições, no sentido amplo da palavra, em que é exercido. Não é preciso ter passado mais de um dia inteiro numa redação para saber que os jornalistas estão entre aqueles com quem o assunto tem tudo a ver.

O projeto pretende punir com até dois anos de cadeia o assédio – moral, no caso – nos locais de trabalho. A expressão, como já se verá, talvez não seja das mais felizes, porque sugere uma duvidosa analogia com aquele outro assédio que consiste em o (a) chefe chantagear o (a) subordinado (a) com o infame "dá ou desce": sexo como moeda de troca para subir no emprego ou para não cair em desgraça.

O assédio que o deputado quer castigar não envolve nenhum dá-cá, toma-lá. Mas, se não é pior do que esse, com certeza é muito mais freqüente e inferniza a vida e a saúde de um número incomparavelmente maior de trabalhadores. Segundo o projeto, estará cometendo assédio moral o chefe que depreciar a imagem ou o desempenho do chefiado, ou que o tratar com rigor excessivo, ou ainda que dele exigir missões impossíveis, como fazer em um dia o que sabidamente leva, digamos, uma semana.

Baseado em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo os quais 13 milhões de europeus se consideram destratados no emprego e têm problemas de saúde por isso, diz o deputado que "essas situações criam danos físicos e emocionais ao trabalhador". Os jornalistas que o digam.

Não bastassem os ossos irremovíveis do ofício (sendo o maior e mais dorsal de todos a maldição do fechamento) e o brutal acréscimo da carga de trabalho (resultado do downsizing das redações, onde, hoje em dia, se espera de cada qual que faça o que havia três para fazer há uma ou duas gerações de profissionais), exerce-se o jornalismo, em qualquer de suas modalidades, sob o tacão do que se poderia chamar, com perdão pelo pedantismo, "cultura autoritária de comando".

Ela não raro credencia quem manda mais a tratar quem manda imediatamente menos, e assim por diante, até o degrau mais baixo da hierarquia, como algo parecido, em menor ou maior grau, com o proverbial cocô do cavalo do bandido. Essa cultura, como se sabe, é comum a inumeráveis atividades, e, à parte quaisquer outros fatores, tende a se acentuar quanto mais verticalizada for uma estrutura produtiva.

Leia mais: Observatório da Imprensa

Autor: Luiz Weis

Boa - Já passou dessa fase e está tentando levar uma micro empresa de comunicação? Cuidado com o "espírito emergente extravagante", que tanto está levando os novos jornalistas a trabalhos forçados, com cargas horárias escravistas... Baixe manual de boas práticas de mercado (de Pernambuco, mas dá pra adaptar) para atuar com mais respeito aos colegas empreendedores ou freelancers. Guia Boas Práticas

20 de dezembro de 2010

'QUEBRA-NOZES' NA PARAÍBA



FLOCOS - Parte encantada do espetáculo, quando os flocos de neve entram em cena. | imagem: divulgação


Viver numa cidade que dá crias artísticas é privilégio que só não comemoro esfuziante porque ainda notamos a produção local com dificuldades em circular. A arte é para uma elite. E que bom ainda termos isso! Pois, se a iniciativa privada fizesse o que vimos semana passada com mais frequência, o aparato artístico na dança poderia ganhar novos olhares na Paraíba. 

Para produzir "Clara e o quebra-nozes", espetáculo do russo Tchaikovsky, ballet do século 19, que se passa na casa de Clara numa noite de Natal, o Palácio das Artes Suellen Caroline investiu e teve repercussão do público.

Dirigida pelo experiente bailarino Romero Motta, da Mah Cia. de dança, que representou a Paraíba na Europa na dança contemporânea e agora é professor de ballet clássico, o trabalho tem dois atos, dura mais de duas horas, mas não desanima quem assiste. Mesmo com uma produção abalada por uma tragédia que ocorreu com um dos funcionários do Palácio na primeira noite de exibição, o espetáculo aconteceu na sexta-feira passada e lotou de pessoas atentas. 

O enredo é simples de ser compreendido. O espetáculo conta uma história de fantasia e magia, típica do romantismo, que narra as aventuras de um quebra-nozes de aparência humana, vestido como um soldado, mas que tem as pernas e a cabeça de tamanho desmensurado. A escola de ballet pegou o corpo de mais de 50 alunos, da primeira até a última série, e montou o show com um enorme figurino.

Esses alunos, muitos deles, são de comunidades carentes, que ganharam bolsas de estudo para dançar. Que bom que a cidade está empenhada em apoiar outras artes clássicas, criando essas oportunidades de inclusão numa área que é mais comum se destacar pelo folclore das danças populares. Até meninos estão se aproximando do ballet clássico com esses estímulos.

Ainda é pequena a participação deles, mas os homens são importantes parceiros nessa dança que, muitas vezes parece feita para a silhueta sinuosa feminina, mas que cai bem mesmo com a firmeza e o equilíbrio masculino. Por enquanto são apenas quatro alunos homens num mar de meninas oriçadas, mas disciplinadas. Eles são comprometidos, com movimentos suaves sincronizados e, ao mesmo tempo, com a força dos músculos que começam a se talhar na adolescência. Lindo como a dança!

Enredo - A protagonista, Clara, gostava tanto da sua aparência que o pediu como presente de Natal ao seu padrinho. Assim, o padrinho Herr Dosslmeyer disse: "Era precisamente para ti". Logo em seguida, Clara experimenta-o e vê que ele quebra as nozes sempre sem perder o seu sorriso e também com grande eficácia. 

Seu irmão Fritz, que tinha visto o funcionamento do quebra-nozes, também quis usá-lo, mas escolhe as nozes maiores que havia no cesto. Então, o quebra-nozes, sendo usado grosseiramente pelo irmão dela, acaba tendo um de seus braços quebrado. Diante das reclamações da pobre Clara, seu pai, o juiz Stahlbaun, entrega à filha o seu quebra-nozes, tendo Fritz que sair para brincar com brinquedos.

Logo em seguida, Clara pega no chão o braço de quebra-nozes e o consola, abraçando-o até que ele durma, e ela mesma também acaba dormindo. Clara então sonha que volta ao esconderijo onde havia colocado o seu quebra-nozes, mas encontra o salão cheio de ratazanas enormes que o seu padrinho Dosselmeyer criou. A casa desapareceu e no lugar onde ficavam os móveis estavam árvores.
 
Melhor assistir o espetáculo do que ler o que vai acontecer com o restante da história.

SERVIÇO:
O quê: "Clara e o Quebra-Nozes"
Quando: amanhã, dia 21, auditório 2  
Onde: Palácio das Artes Suellen Caroline, bairro Catolé
Que horas: às 19h30
Investimento: R$ 10,00 

valdÍvia cOsta

19 de dezembro de 2010

CARROÇA

USADA - Todos precisam de uma na hora de carregar o cimento. Texto para o Eddy* | Imagem: Voyages Photos
O cimento molhado, as colheres de pedreiro semi-afogadas no preparo que enchia metade da carroça velha do coveiro... as copas das palmeiras imperiais sacudiam suas palhas causando um chiado triste de saudade num fundo cinza chuvoso.

Perto dos túmulos cansados de servirem de testemunhas do nosso drama do fim, retratos. Milhões de olhos e bustos, parados num ponto, o último. "Estou em paz porque sei que ele está em paz". Um consolo da mãe aos amigos do Eddy. Mas a gente chora, meio que esnoba o reconforto.

(As mãos brancas e longas do irmão caçula ainda acariciaram a janelinha de madeira...)

O pranto encheu a tarde com seu largo conteúdo de dor. A tristeza era mais pela ausência de um sorriso enfeitado de olhos claros, como assim são transparentes nossas fraquezas. Nos afastamos. Dava para ouvir, no silêncio labiríntico das estreitas ruelas tumulares, a pá raspando a primeiro porção de cimento. Começaram a selar a conclusão de um ser humano.

Sem sabermos muito, como no dia em que nascemos, saímos do corpo, que enrijece e empalidece, frio e estranhamente só. A transformação, assim, tece preces. Nem conosco, nem com os outros, nem sozinho, nem no caminho que mais lhe agradava, ele vai estar.

Esticamos momentos seguindo receitas de como viver fugindo de um dia que, sem demora, nos encontra. Uma óbvia tristeza por não dominarmos tais conhecimentos chega tinindo e retinindo, como badalada de sino ao final, misturando esse sentimento com a saudosa lembrança amiga, incomodando tanto, tornando-nos tontos nessa constatação. Um oco de perda, por dentro e por fora, vácuo...

As pás finais de cimento arrastaram as pedras, causando um barulho maior no atrito com o fundo da carroça. Grosso de preparar a cola, o transporte descarrega o lacre da cova. Em cada uma, todos os dias, 300 lamentos. E, pra todo cimento, a mesma experiente carroça.

Policiais militares identificaram a vítima fatal de um acidente que aconteceu na madrugada desta quinta-feira (16) na Avenida Paralela. Eddy Hebert de Oliveira Lopes*, de 31 anos, era paraibano, mas morava em Salvador há dois anos e era professor de uma faculdade da cidade. Ele estava em um táxi que bateu em um Gol.


valdívia costa

8 de dezembro de 2010

MERCADO PARAIBANO ROTO

CLAUSURA: Quando a necessidade de trabalhar supera a vontade de ser profissional. | imagem: Perito
"Aqui é tudo ao contrário!". Ressoa a frase da colega Mônica Donato nos quatro cantos do Estado da Paraíba. Surte efeito quase como uma maldição. Mas era mais um consolo por não termos um mercado profissional jornalístico descente ao alcance de novos jornalistas. Sem uma formação de mercado completa, com produção e empreendedorismo, nos perguntamos por que não conseguimos ser destacáveis e respeitados no jornalismo nordestino ou nacional?

Não é novidade afirmar que a Paraíba ainda vive em consequência das reviravoltas do neo-coronelismo. Emprega-se por uma função e exige-se outras três ou quatro com o naturalismo de quem está no caminho certo, rumo ao progresso. O empresário contemporâneo da comunicação neste Estado tem perfil arrojado, como o dono de uma fazenda grande em decadência: muito bicho e comida pra cuidar e pouca gente pra trabalhar. Mas tirar o lucro é necessário, prega o capitalismo.

Num mercado roto, no qual emergentes se sobressaem nos negócios por bem pagar as mídias e profissionais se atolam cada vez mais no mesmo modelo de negócio que os avós se deram bem no século passado, os jornalistas viram rebanhos mal pagos, mal educados e de péssimos profissionais. Outro dia, uma jornalista tuitava sua felicidade por estar num meio de comunicação. Trabalhando tarde da noite e sozinha. Não falou que ganhou hora extra para estar lá. Mas estava 'empregada'.

Ou é muita desorientação trabalhista (um misto de ingenuidade com desinformação da prática jornalística), ou a criatura é apenas irônica e denunciou o abuso de maneira sarcástica. Como sabemos que provocação maior é o pagamento que recebemos como profissionais autônomos por trabalhar assim, desordenadamente para os outros, melhor nem comentar muito.

Lançaremos a campanha: saiba cobrar e trabalhar com jornalismo. Por incrível que pareça, o número de recém-formados trabalhando de maneiras as mais diversas é grande na Paraíba. Sem saberem sequer que teriam um tempo, chamado "carga horária", para executar suas tarefas jornalísticas em qualquer meio... ou que só é empregado quem tem carteira assinada... os novos jornalistas seguem, cumprindo jornadas de 10, 12 ou até 15 horas.

Foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também para esta profissão. Quem são esses 'profissionais' que desconhecem o direito de ir para casa depois de ficar no local de trabalho? Quem são esses que não sabem sequer Os direitos básicos do trabalhador pela CLT Mesmo com a queda da obrigatoriedade do diploma de jornalista para empregar, elas permanecem lá, para quem é contratado por um meio de comunicação com a carteira de trabalho assinada.

Se a colega não é 'empregada' assim, mas só 'de boca e de promessa', aí era que deveria cobrá-los pela falta de cobertura trabalhista que um freelancer oferece. O que essa cultura do neo-coronel faz com o mercado de trabalho, confundindo o jornalista que não sabe se é autônomo ou empregado? Nivela a área pelo mesmo padrão de condições e de oferta que o de publicidade, que é pior na Paraíba, pois funciona com salários menores, estruturas e funções defasadas. 

Nessa mistura entre Comunicação e Marketing, o mercado jornalístico na Paraíba é tocado com uma carga horária de mais de cinco horas/dia, pagamentos abaixo do piso salarial (com atraso) e o rebaixamento técnico do serviço, antes intelectualizado. Afinal, para que ler Dominique Wolton ou Marx, se a Nova traz a informação do momento?

Seguimos boiando. Horas atracamos em locais de estruturas boas, pessoas ruins, horas é o contrário... Enquanto isso, no mundo dos empresários médio porte do mercado vizinho, algo está entrando na Era Digital, abolindo jornal, criando redes virtuais poderosas, esmagadoras de qualquer verdade já dita ou processada nos meios de comunicação tradicionais. Mas nessa corrida exterior dos mercados de comunicação nem temos cacife nem visão para competir. Desculpem-nos os emergentes.
valdívia costa

3 de dezembro de 2010

O HOMEM AGROECOLÓGICO

VERDE - Produtor rural é naturalista, tem profundo respeito pela fauna e muito conhecimento da flora. | imagens: Val da Costa
Somos bem pequenos diante da grandeza de um produtor rural. É ele o responsável por nosso alimento. Das matas, dos bichos e da vida, ele tira tudo o que precisa pra ser gente. Sem sentimentos ruins, até. Quando entrei no salão do Congresso de Agroecologia, em Lagoa Seca, e ouvi-o dizendo "repolho é um pacote de veneno", combatendo o uso de agrotóxicos, corri pra cadeira da frente. Quem era aquele pequeno ser, frágil até, acuado ali por mais de 300 pares de olhos, observando sua fala, que abriu meu ouvido com alegria?  

João Guimarães. Cearense, mas habitante da Paraíba desde 1951, "quando menino". Vive de folhas, legumes, frutas e carne de porco "bem cuidada". Ele produz a agroecologia brejeira há 14 anos. Envia a produção para 150 famílias de Campina Grande, que fica cinco minutinhos de distância da sua propriedade. A família trabalha com a mesma atividade, plantando verduras, frutas e legumes. João disse, orgulhoso, que consegue pagar 20 salários mínimos semanais para todos os parentes ecológicos.

Com o humor típico dos cearenses, ele fez todo mundo rir nas comparações simples, de homem do campo, e com sua visão naturalista de ser. Mostrou-se humilde, como quem ouve plantas e sabe entender animais. Agradeceu ao convento Ipuarana por ter-lhe dado abrigo e saberes, pelos estudos, às pessoas que deram roupa, "barbeador, que quebrou um dia desses e eu nunca mais...", como ele brincou, acariciando a barba branquinha, emendada com os cabelos da mesma cor.

Mas João é lindo e sábio! Ficou com uma mata à sua porta, para ele 'criar' os bichos silvestres. 

"Já criei gato do mato, paca, viado... é uma mata que tem 35 hectares, que é fechada, que tem uma trilha por dentro, que um dia vou transformar numa alameda de flores, mas o resto é tudo cipoal. No inverno, a mata fica folhada, é uma festa de flores. Aí, no Verão, as folhas amadurecem e caem. Aí, o solo fica coberto. Aí, o solo coberto é abrigo para cumpins, microorganismos, algas... tudo pra decompor as folhas e virar uma matéria orgânica. A mata é um roçado de Deus. Tem bem-te-vi, canário da terra..."

Essa fala era de uma primeira tentativa de videorreportagem que fiz. Infelizmente, na hora que ele ia descrever mais as espécies de pássaros e depois de árvores dessa mata, a bateria da máquina pifou. Mas deu pra me impressionar, mesmo sem ter conseguido fazer o vídeo. Depois saímos conversando em direção ao refeitório, onde tinha acabado de comer um delicioso prato de saladas, arroz, bolinhos de soja... Mas ele esnobou essa maravilhosa comida! Disse que só comia frutas, o dia inteiro.

"Eu só almoço de noite, quando chego em casa. Mas como muita fruta durante o dia, bebo muita água. Me sinto bem assim", disse. João é contrário ao hábito de comer carne. Reflete sobre o dilema: "Se você ama uns (cachorro), porque come outros (boi)?". Embora adore criar uns porquinhos, vender a carne... mas garante que é tudo bem limpinho. O problema, para ele, é o excesso. 

"A carne coloca muitas substâncias tóxicas no organismo, a gente fica agressivo. Compare os animais. Os bichos que comem carne (gato, cachorro), são agressivos, têm caninos maiores. Os que não comem (galinha, vaca), são mansos, tem dentes cerrados ou nenhum", ponderou. 

O produtor agroecológico não possui os hábitos de vida que adquirimos com a modernidade. Não usa a Internet, nem celular. Se preocupa com as pragas e doenças, que tem que combater com seus experimentos de inseticidas biodegradáveis. Adubos, ele também só usa os que inventa, colhendo os saberes populares. "Se você fizer um círculo de fezes de porco ao redor dos limoeiros, com uma distância de uns 3 metros do caule, as raízes vêm buscar os nutrientes nesse composto, só o que a planta precisa pra ficar mais forte e repelir as pragas. Cuidado pra não colocar as fezes muito próxima ao tronco, assim, elas matam a planta", ensina. 

João é um misto de candura e firmeza que entontece... 


Não é assim que João produz, mas existe a Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), uma tecnologia social copiada de um modelo africano de agricultura familiar. Como o Brejo paraibano tem uma pequena cadeia produtiva com faculdade, escola agrícola e agora um Congresso com essa temática, provavelmente muitos Pais desses serão vistos pela microrregião.
 

O Pais é simples de fazer e de manter. Tudo começa com até três círculos de horta e um galinheiro no centro. Alface, pimentão e coentro pra família e o que ela não consome, a galinha come. (Depois vem o homem comer a galinha) Quando acrescenta-se mais um círculo na lavoura, vende-se o excedente da colheita. Tudo certo para ser um homem agroecológico!


valdívia costa