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3 de dezembro de 2010

O HOMEM AGROECOLÓGICO

VERDE - Produtor rural é naturalista, tem profundo respeito pela fauna e muito conhecimento da flora. | imagens: Val da Costa
Somos bem pequenos diante da grandeza de um produtor rural. É ele o responsável por nosso alimento. Das matas, dos bichos e da vida, ele tira tudo o que precisa pra ser gente. Sem sentimentos ruins, até. Quando entrei no salão do Congresso de Agroecologia, em Lagoa Seca, e ouvi-o dizendo "repolho é um pacote de veneno", combatendo o uso de agrotóxicos, corri pra cadeira da frente. Quem era aquele pequeno ser, frágil até, acuado ali por mais de 300 pares de olhos, observando sua fala, que abriu meu ouvido com alegria?  

João Guimarães. Cearense, mas habitante da Paraíba desde 1951, "quando menino". Vive de folhas, legumes, frutas e carne de porco "bem cuidada". Ele produz a agroecologia brejeira há 14 anos. Envia a produção para 150 famílias de Campina Grande, que fica cinco minutinhos de distância da sua propriedade. A família trabalha com a mesma atividade, plantando verduras, frutas e legumes. João disse, orgulhoso, que consegue pagar 20 salários mínimos semanais para todos os parentes ecológicos.

Com o humor típico dos cearenses, ele fez todo mundo rir nas comparações simples, de homem do campo, e com sua visão naturalista de ser. Mostrou-se humilde, como quem ouve plantas e sabe entender animais. Agradeceu ao convento Ipuarana por ter-lhe dado abrigo e saberes, pelos estudos, às pessoas que deram roupa, "barbeador, que quebrou um dia desses e eu nunca mais...", como ele brincou, acariciando a barba branquinha, emendada com os cabelos da mesma cor.

Mas João é lindo e sábio! Ficou com uma mata à sua porta, para ele 'criar' os bichos silvestres. 

"Já criei gato do mato, paca, viado... é uma mata que tem 35 hectares, que é fechada, que tem uma trilha por dentro, que um dia vou transformar numa alameda de flores, mas o resto é tudo cipoal. No inverno, a mata fica folhada, é uma festa de flores. Aí, no Verão, as folhas amadurecem e caem. Aí, o solo fica coberto. Aí, o solo coberto é abrigo para cumpins, microorganismos, algas... tudo pra decompor as folhas e virar uma matéria orgânica. A mata é um roçado de Deus. Tem bem-te-vi, canário da terra..."

Essa fala era de uma primeira tentativa de videorreportagem que fiz. Infelizmente, na hora que ele ia descrever mais as espécies de pássaros e depois de árvores dessa mata, a bateria da máquina pifou. Mas deu pra me impressionar, mesmo sem ter conseguido fazer o vídeo. Depois saímos conversando em direção ao refeitório, onde tinha acabado de comer um delicioso prato de saladas, arroz, bolinhos de soja... Mas ele esnobou essa maravilhosa comida! Disse que só comia frutas, o dia inteiro.

"Eu só almoço de noite, quando chego em casa. Mas como muita fruta durante o dia, bebo muita água. Me sinto bem assim", disse. João é contrário ao hábito de comer carne. Reflete sobre o dilema: "Se você ama uns (cachorro), porque come outros (boi)?". Embora adore criar uns porquinhos, vender a carne... mas garante que é tudo bem limpinho. O problema, para ele, é o excesso. 

"A carne coloca muitas substâncias tóxicas no organismo, a gente fica agressivo. Compare os animais. Os bichos que comem carne (gato, cachorro), são agressivos, têm caninos maiores. Os que não comem (galinha, vaca), são mansos, tem dentes cerrados ou nenhum", ponderou. 

O produtor agroecológico não possui os hábitos de vida que adquirimos com a modernidade. Não usa a Internet, nem celular. Se preocupa com as pragas e doenças, que tem que combater com seus experimentos de inseticidas biodegradáveis. Adubos, ele também só usa os que inventa, colhendo os saberes populares. "Se você fizer um círculo de fezes de porco ao redor dos limoeiros, com uma distância de uns 3 metros do caule, as raízes vêm buscar os nutrientes nesse composto, só o que a planta precisa pra ficar mais forte e repelir as pragas. Cuidado pra não colocar as fezes muito próxima ao tronco, assim, elas matam a planta", ensina. 

João é um misto de candura e firmeza que entontece... 


Não é assim que João produz, mas existe a Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), uma tecnologia social copiada de um modelo africano de agricultura familiar. Como o Brejo paraibano tem uma pequena cadeia produtiva com faculdade, escola agrícola e agora um Congresso com essa temática, provavelmente muitos Pais desses serão vistos pela microrregião.
 

O Pais é simples de fazer e de manter. Tudo começa com até três círculos de horta e um galinheiro no centro. Alface, pimentão e coentro pra família e o que ela não consome, a galinha come. (Depois vem o homem comer a galinha) Quando acrescenta-se mais um círculo na lavoura, vende-se o excedente da colheita. Tudo certo para ser um homem agroecológico!


valdívia costa

6 comentários:

Rosaliriss Alencar disse...

Exemplo,Seu João
Cearense, como eu
Cidadão, como nós...
Sensatez
Chego um dia...

Flávio Crispin disse...

muito boa a materia Val, grande exemplo do seu João. um abraço

Flaw Mendes disse...

Que bacana essa história...
Um sábio e a natureza, e pelo o que percebi, uma forte inclinação à poesia.
Seria um Alberto Caeiro?

toninho disse...

Massa demais seu João!
Vamo nessa!
Valeu nega!!

Anderson Ribeiro disse...

Esse João sabe das coisas. Será que chegaremos a essa maturidade?

De acordo com disse...

Acho q chegaremos perto de João. Mas onde ele já chegou é mais difícil. ;)