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19 de dezembro de 2010

CARROÇA

USADA - Todos precisam de uma na hora de carregar o cimento. Texto para o Eddy* | Imagem: Voyages Photos
O cimento molhado, as colheres de pedreiro semi-afogadas no preparo que enchia metade da carroça velha do coveiro... as copas das palmeiras imperiais sacudiam suas palhas causando um chiado triste de saudade num fundo cinza chuvoso.

Perto dos túmulos cansados de servirem de testemunhas do nosso drama do fim, retratos. Milhões de olhos e bustos, parados num ponto, o último. "Estou em paz porque sei que ele está em paz". Um consolo da mãe aos amigos do Eddy. Mas a gente chora, meio que esnoba o reconforto.

(As mãos brancas e longas do irmão caçula ainda acariciaram a janelinha de madeira...)

O pranto encheu a tarde com seu largo conteúdo de dor. A tristeza era mais pela ausência de um sorriso enfeitado de olhos claros, como assim são transparentes nossas fraquezas. Nos afastamos. Dava para ouvir, no silêncio labiríntico das estreitas ruelas tumulares, a pá raspando a primeiro porção de cimento. Começaram a selar a conclusão de um ser humano.

Sem sabermos muito, como no dia em que nascemos, saímos do corpo, que enrijece e empalidece, frio e estranhamente só. A transformação, assim, tece preces. Nem conosco, nem com os outros, nem sozinho, nem no caminho que mais lhe agradava, ele vai estar.

Esticamos momentos seguindo receitas de como viver fugindo de um dia que, sem demora, nos encontra. Uma óbvia tristeza por não dominarmos tais conhecimentos chega tinindo e retinindo, como badalada de sino ao final, misturando esse sentimento com a saudosa lembrança amiga, incomodando tanto, tornando-nos tontos nessa constatação. Um oco de perda, por dentro e por fora, vácuo...

As pás finais de cimento arrastaram as pedras, causando um barulho maior no atrito com o fundo da carroça. Grosso de preparar a cola, o transporte descarrega o lacre da cova. Em cada uma, todos os dias, 300 lamentos. E, pra todo cimento, a mesma experiente carroça.

Policiais militares identificaram a vítima fatal de um acidente que aconteceu na madrugada desta quinta-feira (16) na Avenida Paralela. Eddy Hebert de Oliveira Lopes*, de 31 anos, era paraibano, mas morava em Salvador há dois anos e era professor de uma faculdade da cidade. Ele estava em um táxi que bateu em um Gol.


valdívia costa

Um comentário:

Anderson Ribeiro disse...

E asim, acidentes nos levam entes queridos... e assim o cimento sela nossos corpos e finda nossa vida. Consterno-me.