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16 de março de 2010

EPISÓDIO DA COVA DA ONÇA


NEGOCIAÇÕES - A Cova é um lugar dominado pelo feminino, pelo underground, pelo proibido e por negociações antiguíssimas, como a venda do próprio corpo. À margem, o beco sobrevive sob as sombras de uma época de novidade, quando era passagem obrigatória dos boêmios e dançarinos do Cassino Eldorado na Serra da Borborema de 1950. (texto de janeiro de 2007) | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

A Cova da Onça parece calma à noite. Tem madrugadas que o lugar mostra cenas bucólicas da pobreza material e de espírito que acometem seus habitantes, meio urbanos, meio suburbanos. São experts na vida. Qualquer tiração de onda e o problema se resolve rapidamente. A líder em brigas da área que o diga, uma das putas que trabalha no beco estreito, que dá pra ser visto de boa parte do apartamento onde moro.

Ela está grávida e em breve nascerá o herdeiro da sua baixaria, que crescerá distante da mãe, mas provavelmente numa realidade não muito distinta da dela. Mesmo com sete meses de barriga, a mulher não pára em casa. Ela tem que seduzir, envolver, atrair e aplicar pequenos golpes até conseguir um parceiro pra dividir um quartinho imundo, alugado por dois reais a hora. Ela satisfará um desejo carregado de ódio de um macho.

A puta caucula o lucro daquela trepada. Os três reais do ato em si, um "papai e mamãe básico", vai se juntar aos outros seis que começou a levantar desde cedo do dia pra comprar uma pedra de crack pra passar a noite. O crack a deixa mais revigorada. Na "instiga" que a pedra dá, ela cria coragem pra vencer a concorrência, que é diversa na Feira Central. Afinal, a puta de hoje luta pelo mesmo espaço do travesti, do garoto de aluguel... Acirrado é o competitivo mundo da prostituição.

Mas a puta da Cova da Onça tem a lábia certa. Precisa comer pra dar de comer ao bebê. Por incrível que pareça ou demasiado argumento aplicado, ela tem conseguido manter uma clientela. Homens que têm fetiche por grávidas estão aparecendo mais no pedaço. Os idosos da zona rural, que as visitam no sábado, sempre chegam com sacolas de verduras e legumes. Vejo esperanças penduradas em suas cabecinhas solitárias.

Lá pelo quinto homem daquele dia puxado, e depois do cansaço de encontrá-los, trazê-los ao quartinho, a puta da Cova passou por um calote. O cliente se fartou e a deixou na mão com a desculpa de todo pobre, o liseu. Naturalmente, ela se aborreceu. Deu-se pra ouvir, até o fim da Rua Manoel Pereira de Araújo, os gritos da puta: "comeu, pagou, meu irmão! Não tem essa de liso não. Liso um caralho, tá ligado?!"

A mulher teve que entrar numa luta corporal com o cliente. O cara saiu correndo e sorrindo da peça que pregou em mais uma puta da Cova. E ela já corria em seu encalço quando a dona do quartinho, sempre alerta nas mutretas, a brecou gritando: "Tá pensando que vai pra onde sem pagar o uso do quarto?!". Bastou pra briga mudar o foco. As duas putas se degladiaram verbalmente. A confusão reiniciou, veio até o início da Cova e voltou pra dentro do beco.

Uma soltava palavrões agressivos e a outra revidava com mais meia dúzia de insultos, dos mais baixos calões. Deu pra ver a puta grávida se aproveitando dum momento em que a dona do quartinho disse que ia entrar pra pegar uma faca: correu pra dentro da escuridão noturna, Cova adentro. Ainda ouviu-se ela resmungar na fuga: "oxe, o caba me come de graça e eu ainda vou pagar o aluguel do quarto! É ruim!".

2 comentários:

xistosa, josé torres disse...

É caso para dizer:
- Que puta de sorte. Que puta de vida!!!

Toninho disse...

Isso é o miolo curioso da Feira Central.