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10 de janeiro de 2010

MUDANÇA IMEDIATA


imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

Cena 1
Sheyla adorava rodar nos braços da mãe. O mundo passava rápido, o vento empurrava seus cabelos e, por fim, a tontura por rodar tanto a fazia rir. Quase todas as tardes, as duas loiras chegavam ao parquinho da cidade. Bolas coloridas passavam por elas, crianças e brincadeiras se encontravam num lugar bonito e verde. Com seis anos, Sheyla só queria saber de andar, brincar e sorrir.

Cena 2
Das memórias de Sheyla, a que mais lhe acariciava os cabelos era daquele passeio a uma praiazinha de Alagoas, não lembrava o nome. No passeio, ela e o irmão mais velho, a mãe e o pai. A família reunida num carro pesado de bagagens, cantando pela estrada. As paradas no caminho pra comer: uma diversão. Comidas deliciosas, com temperos diferentes, a cada horário de refeição. E aqueles dias acordando cedo, dormindo cedo, pra acompanhar um sol saudável, como recomendado pelos pais, foram pintados nela como uma lembrança eterna, desbotada, mas viva.

Cena 3
Ao chegar na escola, tudo novo. Gente nova, brincadeira nova, roupa nova, material escolar, carteira, professor... era tudo estranho a Sheyla, que só vivia com a mãe, única e primeira companhia. Não pode entender aquele aperto no peito. Não se conteve ao ver o sorriso da professora, caiu no choro. Alguma coisa estava errada. Sua mãe tinha lhe garantido que seria bom, mas não sentiu bondade. Pelo contrário. Por um instante, a pequena viu algo obscuro por trás do sorriso largo da professora...

Cena 4
Depois de duas semanas na mesma rotina, indo e vindo da escola, Sheyla já tinha repassado diversas vezes o dia escolar pra mãe. Já estava entediada. Queria provar algo mais emocionante. O mundo estava começando a ser descoberto. Ela já sabia que exsitiam mais coisas a saber dos nomes do que simplesmente ser criança. Essa fase era legal, mas ela começou a ver que havia diversos mundos entre ela e sua mãe. O próximo, depois da infância, era a adolescência. Pensou que seria legal ter segredos e compartilhar, com as mãos entre conchas, com as colegas. Sem que a mãe soubesse, devia ser mais emocionante bitocar um menino.

Cena 5
Antes dos oito anos, Sheyla pensava em navegar num barco, mergulhar, ver os bichos marítimos, saber da vida molhada e colorida que eles levam... havia uma infinidade de coisas a descobrir e contar a mãe. Perto de concluir a tarefa escolar, a mãe de Sheyla a chama com aquela voz lânguida e cheia de ternura. A menina vai imediatamente, por um impulso nunca antes experimentado. Sem falar nenhuma palavra, a mãe pega nos braços de Sheyla, a coloca entre ela, sentada à cama, e o guarda-roupas. Sempre meiga, a mãe afaga o rosto da filha com um sorriso e lágrimas nos olhos. Os braços da mãe de Sheyla caem em seu colo. A menina não entende, mas espera a explicação daquela tristeza em silêncio. Num gesto brusco, a mãe pega um revólver escondido embaixo do traveseiro coloca-o na boca e dispara.
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nota: esse roteiro é baseado em fatos reais. A menina de nome fictício é uma amiga que nunca mais soube dela, nem a encontrei no orkut...

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