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22 de abril de 2010

REAJA, MEU FILHO!



APÁTICO - Depois de uma discussão sem fim com a mulher, Edgar sai pelas ruas, procurando o que ele tenta esconder da família há uma década. Texto de outubro de 2001. | imagem: Val da Costa

VALDÍVIA COSTA

- Edgar, sinto você meio triste, calado... Nós não saímos mais! Nem nos falamos direito, a não ser sobre a meta do consumo de energia. (pequena pausa) Eu queria saber cadê aquele seu tesão louco quando me via só de calcinha pela casa. Hoje, eu posso até andar e dormir pelada que nada acontece comigo. Ou você dorme antes da minha chegada no quarto ou vai atualizar esses malditos relatórios. (Ugh!) Nossa! Como eu invejo a sua irmã. Ela me disse que é o marido dela quem cria as novas posições. Vai sair do casamento um dia com um doutorado em sexo! Já eu, coitada, vou morrer analfabeta nesse assunto. (Umpf! Se mexendo no sofá) Sou forçada a desabafar tudo isso, Edgar. Pelo bem do nosso casamento ou já me preparando pra uma separação, Edgar, reaja, meu filho! Vamos lá, converse comigo...

A mulher falava isso encarando-o com aflição, e muito cansaço por falar exatas duas horas. Edgar parecia apático. Baixou os olhos, levantou da cadeira, virou-se e saiu da sala. Pegou um casaco no cabide do corredor e se dirigiu à porta da rua.

- Não tente fugir de mim, Edgar! Nem que seja no inferno, eu lhe encontro hoje e você vai ter que me falar a verdade, meu filho! Não tem jeito...

Ele podia ouvi-la gritando seu nome ainda há três quarteirões de casa. Era quase inadmissível, em dez anos de casamento, Edgar encarar a realidade. Tudo menos isso. Nem ela nem qualquer outra mulher suportaria saber. Seria melhor andar um pouco mais, ligar inventando uma desculpa para o atraso do que enfrentar a esposa tão decidida.

Era a milésima vez que a sorte o avisava para que ele fugisse da verdade. “Um dia tudo será revelado, mas não hoje. Amanhã ou na semana que vem, talvez... Quem sabe nas férias?! Hoje, definhantemente, não é dia, é noite. E tem gente com outros tipos de tratamentos, mais carinhosos, para me dar...”.

Edgar caminha, tranquilo, enfim, pela noite, ouvindo pelo mp3 o africano Fela Kuti.

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