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25 de março de 2009

*opinião - Democracia radical - Rodrigo Manoel


ILUMINISNO | imagem: Google

Rodrigo Manoel Dias da Silva*

Apresentaremos uma breve discussão sobre a condição da democracia na atualidade, sobretudo desde dois conceitos elaborados por Laclau e Mouffe (LACLAU, MOUFFE, 1987; LACLAU, 2006; PINTO, 2004a e 2006): o de “significante vazio” e o de “paradoxos da democracia” pretensiosamente articulados com uma radicalização da democracia, os quais sob nossa leitura apontam elementos significativos para refletirmos sobre a atualidade da questão política no Brasil.

O declínio das metanarrativas narrados por Lyotard (2002) significou, guardadas as devidas proporções, o declínio daquelas perspectivas antagônicas do social, vigorando uma situação nova de instabilidade que sugere novos e instáveis espaços da política, submetidos a constantes deslocamentos e requer um incessante processo de redefinição.

Desde tal constatação, os autores defendem dois pontos base: a negação de um espaço político unificado e a pluralidade e a indeterminação do social - tais pontos convergem para uma leitura pós-estruturalista da política desde Laclau e Mouffe (1987). Assim a política não está localizada em apenas um âmbito (esfera pública, arena política ou outra condição coletiva universal), mas definida e articulada a um campo de antagonismos, isso fica visível quando os autores mencionam Foucault, em sua clássica expressão, “en todo lugar donde hay poder hay resistencia” (LACLAU, MOUFFE, 1987: 171).

Portanto, se a democracia radicaliza-se e desloca-se para as esferas culturais, faz-se possível verificar uma lógica de equivalência entre os distintos discursos que a constituem, porque, por exemplo, com o advento do feminismo há um deslocamento no interior do discurso democrático do campo da igualdade política entre os cidadãos para o terreno da igualdade sexual. E é precisamente neste deslocamento para as matizes culturais que a democracia radicaliza-se, dissemina-se e pulveriza-se em novas relações sociais.

Ao radicalizar-se um outro conjunto de formas de subordinação assumem relevo, devido a novos antagonismos oriundos desta democracia (LACLAU, MOUFFE, 1987:181):

De ahí la multiplicidad de relaciones sociales que pueden estar en el origen de antagonismos y de luchas: el habitat, el consumo, los diferentes servicios, pueden todos ellos constituir terrenos para la lucha contra las desigualdades y para la reivindicación de nuevos derechos.


Este deslocamento altera as delimitações entre o público e o privado, mesmo sabendo que analisam desde um Estado de Bem Estar Social, o que geram novas formas de intervenção estatal, promovendo novos antagonismos. Neste sentido, tal deslocamento promove um efeito ambíguo: por um lado, amplia o caráter do espaço político ao radicalizar a democracia, por outro, cria novas formas de subordinação, o que, por si, evocaria para a emergência de novos sujeitos políticos.

De fato, os antagonismos novos são a expressão de resistências, dentre outros fatores, à homogeneização crescente da vida social estimulando uma certa proliferação de particularismos e redefinem a busca por autonomia destes próprios sujeitos, porque, se por uma perspectiva moderna a democracia assentou-se no princípio da igualdade, ora a liberdade adquire estatuto diferenciado na democracia.

Porém, este sujeito político que radicaliza o discurso democrático parte, conceitualmente, e aqui talvez uma similitude a Hall (2006), de uma renúncia da categoria sujeito como uma entidade unitária e, no mesmo movimento, abre caminho para o reconhecimento da especificidade dos antagonismos constituídos desde diferentes posições de sujeito e, de tal sorte, a um possível aprofundamento de certa concepção pluralista e democrática (Laclau, Mouffe, 1987). Assim, (LACLAU, MOUFFE, 1987:215):

El discurso de la democracia radicalizada ya no es más el discurso de lo universal; se há borrado el lugar epistemológico desde el cual hablaban las clases y su sujetos universales, y ha sido sustituido por una polifonía de voces cada una de las cuales construye su propia e irredductible identidad discursiva.


Nesta relação radicalizada de democracia enquanto polifonia de vozes, talvez identificada com a noção de dissenso de Lyotard, remete ao conceito de “significante vazio”, ou seja, “quando um significante perde sua referência direta a um determinado significado” (LACLAU, 2006:25).

Mais especificamente, refere-se à democracia, a qual, pelo menos pela leitura que prioriza o consenso, que possui internamente inúmeros elementos heterogêneos entre si, porém não tem um significado preciso, tende a unificar uma multiplicidade de processos sociais sobre o mesmo nome – o que lhe esvazia a significação.

Desde um outro registro, poderíamos acrescentar que este esvaziamento dos significantes da democracia, decorrente por certo de sua impossibilidade de generalização, provavelmente remete a conceitos paradoxais de democracia, uma vez que a mesma desloca-se para locais de enunciação distintos (PINTO, 2006). Nesta direção, a autora (PINTO, 2004a) revela-nos os três paradoxos da democracia, pautados em precisa leitura de Chantal Mouffe, a saber: a incompatibilidade na relação entre igualdade e liberdade, a atual condição da democracia na ausência de “inimigos” legítimos e a (provável?) crise da representatividade na democracia.

Mouffe (in PINTO, 2006) estabelece, o que seria o primeiro paradoxo, a impossibilidade de convivência de seus princípios constitutivos, quais sejam: a igualdade e a liberdade e que, ao mesmo tempo, a democracia é uma constante negociação-tensão entre elas. Do contrário, uma larga presença de ambas seria uma idealização, por isso, mesmo frente ao privilégio da igualdade nos discursos modernos, os discursos pós-estruturalistas estão preocupados com a liberdade. A expressão “terceira via” tal como escrita por Giddens, ou sua faceta contemporânea expressa no terceiro setor (ONGs, sobretudo), tende não tensionar estes princípio, o que, em parte, revela a perda da natureza política da democracia (PINTO, 2004a:22).

Um segundo paradoxo, sinteticamente, introduz que: até vinte ou trinta anos atrás, a democracia estava permanentemente sob ameaça, ao passo que, hoje a mesma vive tempos de estabilidade, pois ninguém é capaz de contestar a democracia a favor de regimes autoritários. Mas, cabe mencionarmos que, enquanto valor a ser defendido, na América Latina, a democracia surgiu nos anos de 1960/1970 em oposição às ditaduras militares vigentes. O paradoxo demonstra que, mesmo frente a sua ausência de opositores, a democracia vê diminuída sua capacidade de gerir a crise social em que se encontra (idem, p.27).

O terceiro paradoxo refere-se à dificuldade da democracia em construir interesses gerais (idem, p.29) de modo que a própria representação vê-se sem representatividade. Oportunamente, diria que o paradoxo em tese quer dizer que as diferenças manifestas ou representadas politicamente na esfera pública, acabavam por ter sonegado seu potencial propriamente político, uma vez que diferença assumia condição de coesão (PINTO, 2004b). Com isto, não se pretende igualar as condições de representantes ou representados, apenas ressaltar que seus discursos partem de lugares distintos, pois: “A idéia de separação entre representantes e representados é fundamental para que se possa, inclusive, delimitar o espaço da política; sem ela esse espaço simplesmente não existiria” (PINTO, 2004b:106).

Estes paradoxos são o próprio lugar da democracia na contemporaneidade. Na próxima e última seção textual, exploraremos a condição da política no Brasil em tempos de multiplicação da idéia de crise e apologia à corrupção como metáfora deste tempo.

(...)

*Mestrando em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Bolsista CAPES.

Um comentário:

Perto de Mim disse...

Muito interessante o blog. Parabéns.