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27 de maio de 2010

CACOS LOUCOS


ESFARELAR-SE - O ofício da escrita e o exercício do doar-se. Texto de maio de 2003, reeditado. | imagem: Paraíso Niilista

VALDÍVIA COSTA

Pedaços de mim por todo lugar... Não, não fui esquartejada. Sou um ser que distribui partes de ansiedade e expectativa, procurando outros adesivos que colem novos gostos e atitudes. Sou uma mala surrada, marcada com adesivos de todos os países onde já estive.

Cada pedacinho, uma história. Assim gosto de mim, distribuída. Nada é mais monótono do que imaginar-me por completo. Eu almejo ser. Eu me descolo do velho e tomo, em goles largos, as novidades que o universo recria.

Reciclo-me. Distribuo atenções, afagos, sorrisos. E sinto uma esmagadora falta de algo que ainda não surgiu. Imagino-me dona de todas as explosões: cada partícula, uma pequena lembrança do meu existir. É no caos onde mais me demoro.

Sofro com as restrições. Uso uma caneta para demarcar meus triunfos e desconçolos. Calcem meus desmantelos, mas não deixem rastros inapagados. Rotulem meus improvisos, mas não repitam nomes. Quando o dia estiver cansado, eu amanheço. Quando a noite recusar a boemia, eu esperarei outra lua.

No mais tardar, aquele pedaço de mim, chega e instala-se por alguns instantes. Pede arrego no marasmo de qualquer canto. Sombria é a sensaçao do desconforto que causo. Retorço-me e saio, deixando a porta entreaberta para não acordar os outros.

Quantos pedaços? Nem sei! Reparto-os ao acaso. Sem medir os tamanhos ou destiná-los a um só endereço. Cacos loucos. Moucos são os poucos que eu toco. Se atraem por essa distribuição farta de estilhaços aparentemente inúteis. Nas teias de aranha, partículas minhas se prenderam.

Até nos dias em que fui má ou intragável, deixei parte de mim nas paredes. Tenho a pertubadora sensação que nada é real e tudo pode mudar a qualquer momento. Por isso, reparto-me em zilhões. Não há dúvidas no meu doar-se. Afinal, para que servimos se não para nos entregarmos?

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