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16 de agosto de 2010

AMARGURA


DESABAFO: O que uma mesa velha não tem para dizer sobre a vida? Muitas são as histórias acompanhadas, parte amarguradas em seu estado inanimado. | imagem: Pequena Vendetta


VALDÍVIA COSTA

Gostaria de entender as pessoas, mas, como mesa, não consigo. Fico a vida inteira parada, suportando seus costumes. Cotoveladas que se arrastam pra frante, idêntico às cadeiras velhas que me acompanham silenciadas pelas ancas leves ou pesadas dos senhores nossos donos. Procuro entender meu ódio dos lamentadores da vida fácil... Eles não sabem o que é ser mesa!

Durmo sozinha na cozinha. Quando as luzes se apagam, chegam as reflexões e a insônia. Tudo porque eu não sou humana! Nem quero! Mas, às vezes, eles impõem isso a uma mesa. Quando levo socos de raiva de alguém manifestado da cólera por outro que não sou eu, fico irada! Ah, se eu pudesse mordê-los!

Se bem que, como mesa, não sinto dor. Só sinto raiva e solidão esporadicamente. Já pertenci a matriarca dessa família, mulher abandonada e amargurada, com quem aprendi a desgostar das pessoas e das coisas. Se tivesse boca, ela viveria vincada pra baixo.

A raiva me invadiu um dia quando o gato velho dessa senhora me arranhou uma perna. Sou trabalhada na madeira de lei! Escura e firme, centenária... qualquer arranhão acaba a minha reputação!

Mas o gato teve o que merecia. Acabou morto atropelado. Não fui eu! Mas me senti vingada. Apesar da vida de uma mesa ser longa, dependo do zelo alheio para continuar me apresentando aos séculos que estão por vir. Quanto tempo eu duro? Depende. Como tudo nessa vida terrena, se o humano deixar, eu existo quase uma eternidade...

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