REBLOGADA - Este conto é triste, mas soa como aqueles conselhos que nunca ouvimos na adolescência, que viram realidade imitando um castigo. Texto amigo de Portugal @imagem: Inséte |
Outubro de 1969.
O “Foguete” detém-se na estação de Coimbra B.
Então o homem – cerca de 65 anos, cabelo grisalho, farto bigode levanta-se, pega num maço de tabaco que transporta no casaco e sai para a gare, para “tirar duas passas”.
Passaram uns cinco minutos quando o comboio encerrou as portas e começa a mover-se lentamente.
A mulher olha atónita o seu marido, que fica em terra completamente alheio à partida do trem, sem alterar qualquer gesto, aspirando profundamente o fumo do cigarro.
Ela exclama em voz baixa:
António! António!
Enquanto a gare acaba de passar ante a janela...
Depois, rodeada por alguns companheiros de viagem, explica aturdida que António levou os bilhetes, o dinheiro e a documentação do casal.
A mulher conta, num português desajeitado, entorpecente, que iam ao Algarve e tinham intenção de pernoitar em Lisboa.
Não há telemóveis.
Que deve fazer agora: sair em Fátima e regressar a Coimbra B, ou seguir viagem até Lisboa?
Pergunta aos circundantes mas também o pergunta a si própria, porque não consegue afastar a suspeita de que António a abandonou, disse-lhe adeus pelo procedimento de apear-se – metafórica e literalmente – de um comboio em viagem.
O tempo perdeu-o.
Uma eternidade depois chega ao Entroncamento.
Um jovem ajuda-a a colocar as malas na gare e despede-se dela, que permanece com o olhar perdido, fitando fixamente um ponto situado no final da gare, quiçá o semáforo que se porá verde para que o comboio empreenda a seu curto caminho até Lisboa.
(É uma história antiga, mas recordei-me dela há uns dias, quando fazia a mesma viagem. Não me contaram. Eu viajava junto ao casal, separado deles tão só pelo corredor. Acho que é o final mais triste de uma relação que conheci).
3 comentários:
Bacana!!!!
"Foguete" era o nome do trem (comboio) que fazia a viagem Lisboa-Porto.
Todas as imagens são da Internet.
Fico imensamente grato pelo desvelo que (não) merecia.
Um abração de gratidão.
Muito bom. Na dose certa da dor. Um murro no estômago e um absinto pra anestesiar.
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