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29 de abril de 2011

O UDIGRUDI DA PERNAMBUCÁLIA

Em "Os Estilos da Pernambucália", shows, reuniões e encontros com foco para atuações diversas do grupo Ave Sangria/Tamarineira Village. O grupo adquiriu um vislumbre profissional e exceção de alguns membros – melhor referenciado no Capítulo I. Assim como Os Novos Baianos, não se limitavam ao rock, iam da bossa nova, ao frevo, ao baião, ao xote, ao samba de breque, ao choro, ao afoxé etc. Sempre com ênfase na relação da música local com a cidade, o regionalismo e a censura. O jornalista paraibano José Teles, não achou exagero afirmar que "os dois grupos mais originais de rock nacional dos 70 foram Os Novos Baianos e o Ave Sangria”. (José Teles. Do Frevo ao Manguebeat. São Paulo. Ed. 34. 2000. pp. 171)
# Enfim uma homenagem a um grande artista que nos deixou mês passado, o pernambucano Lula Côrtes. Quem nos sugeriu esta pauta querida foi o Tenebra, que nos encontrou em pleno Grito Rock de Campina Grande e fez duas revelações: uma, a de uma enchente que alagou todo o Recife antigo, na década de 1970, e outra era que nessa tragédia o disco do Lula, que hoje é o mais raro e caro do Brasil, o Paêbirú, teve toda a tiragem naufragada. Vejam como se dão essas pautas. Naquela noite pensei em fazer uma nota no Facebook, mas não fiz.

Alguns dias depois, falando sobre essa perda com um amigo historiador, João Luna, conheço esse movimento cultural independente que atuou nas décadas de 1960 e 70, o Udigrudi, do qual o Lula fazia parte. Foi um marco em Pernambuco, que fez tudo o que o mangue beat fez: revolução no pensar, no vestir, no fazer artístico e no falar. Daí surgiu imediatamente a ideia de convidá-lo a mostrar suas pesquisas aqui no blog e aproveitar o ensejo para ressaltar o trabalho do Lula.

A dissertação é longa, mas vale a pena ler, como tudo que tem estudo e embasamento. Primeiro porque é uma discussão histórica acerca da música brasileira dos anos 1970, "com foco para uma especifica atividade cultural/contracultural de jovens pernambucanos nas artes; mais precisamente na música experimental, sem perder de vista as manifestações teatrais, cinematográficas e de artes plásticas que se desenvolveram, em proximidade do campo de produção da música pop, roqueira e experimental no Recife", como informa o resumo de seu texto.

Os três capítulos problematizam o “fazer cultural” – experimental e marginalizado. João encontrou especificidades cotidianas das paisagens e das vozes de alguns personagens emblemáticos daquele tempo. Há um debate sobre a atuação do corpo histórico em função da música, literatura, poesia, fotografia, teatro, pintura, cinema etc. nos anos de rígida ditadura militar brasileira.
 
                                                                                 
  
Marconi Notaro no Sub Reino dos Metazoários (1973) e A turma do beco do Barato. No Recife da década 1970, os artistas que participaram da criação musical de tais artefatos musicais formavam um pessoal com suas bandas e posturas. Estes somados aos demais artistas locais, também freqüentaram um barzinho sob o nome de Beco do Barato – na Rua Conde da Boa Vista no centro da cidade –, quando não, a Casa Abrakadabra de Lula Côrtes e Kátia Mesel em Apipucos, ou a Galeria 3 Galeras de Tiago Amorim, em Olinda. Ou seja, os grupos surgiam na cena de onde os músicos transmigram.

Quanto aos referenciais teóricos seguem algumas específicas proposições metodológicas do historiador francês Michel de Certeau no "fazer cultural". Além do suporte teórico da escrita que se volta para uma figuração da “antidisciplina” do Michel Foucault, da “errância” de Michel Maffesoli e do “dionisíaco” do Friedrich Nietzsche, no cotidiano da cultura brasileira, mais especificamente em Recife, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo, durante os anos de 68 até meados de 70.

É a chamada contracultura, que nessa época também exibia uma escrita como a que é mostrada nesse trabalho científico. Inicialmente, o texto apresenta: “Os Estilos da Pernambucália”, discussão sobre as imbricações entre história, música, contracultura e ditadura nas vozes de alguns intérpretes que atribuíram sentidos diversos às desviantes manifestações artísticas do movimento.

No segundo capítulo, “Os Caminhos do Udigrudi”, problematiza-se em loco a confecção “independente/alternativa” dos bens materiais do rock, pop e experimental do Recife (1972 – 76), esclarecendo que nem todo independente é contracultural. Por último, o leitor encontrará uma retomada discursiva sobre a representatividade do “debate público” sobre a “Tropicália” e o “Tropicalismo” de 1968, até início da década de 1970. Não é a questão fundamental da narrativa consensualizar, através da história, sobre uma produção de nível experimental. Mas esse foi o inicial questionamento que impulsionou o desenrolar de toda pesquisa, segundo João Luna.

Palavras-Chave: História, Música Experimental, Artes, Contracultura, Estética e Rock.

O álbum “Paêbirú” é, atualmente, o vinil mais valioso da história da música brasileira. Seu formato original, chega a valer atualmente cerca de R$ 4 mil, superando “Louco por Você”, o primeiro disco de Roberto Carlos, considerado por muitos anos, o mais caro do país. Trata-se de um raríssimo álbum duplo, gravado por Lula Cortês e Zé Ramalho, durante os meses de outubro a dezembro de 1974, pela gravadora Rozemblit, em Recife (PE). Tido como clássico do pós-tropicalismo, o disco traz seus quatro lados dedicados aos elementos da natureza: Água, Terra, Fogo e Ar. A dupla produziu a síntese mais alucinada do que se poderia chamar de psicodelia brasileira, misturando as sonoridades regionais, com experimentalismo tropicalista e influência do jazz e rock internacional. (Fonte: Projeto Atitude)
INTRODUÇÃO
“O minuto e o milênio ou, por favor, professor, uma década de cada vez” José Miguel Wisnik

Esta narrativa apresenta e expõe de forma diversa os resultados experimentais de uma pesquisa que envolve a música no campo de discussão da história, que é “fundamentalmente, uma narração, e o que se denomina explicação não é mais que a maneira da narração se organizar em uma trama compreensível”. (1) Essencialmente, mais uma maneira de ler a sociedade sem desviar a atenção da sua dimensão multicultural presente na música. Será porque, toda manifestação cultural sugere também uma ação política? Para o estudioso da cultura ocidental, Cornelius Castoriadis, o problema da cultura pode ser enfocado também, como dimensão de um problema político, e em um sentido mais amplo, o problema político pode dizer-se ser um componente da cultura.(2)

Daí, a importância de se contextualizar que a música foi um dos polêmicos e impactantes veículos de expressão poética e política durante os anos de ditadura militar no Brasil. Não que a ditadura seja o único foco nas discussões aqui explicitadas, mas não se pode negar que é perceptível sua atuação de censura com a música, sem deixar na escuridão profunda, os acontecimentos polêmicos que envolveram as produções e manifestações no teatro, nas artes plásticas e no cinema em situações diversas.

Como no exemplo do primeiro filme hippie produzido no Brasil, dirigido por Carlos Bini, nos anos 1970, chamado: “Geração bendita: É isso aí bicho”, que esperou mais de dois anos para ser veiculado na mídia brasileira, por problemas com a censura.

Sobretudo, examina-se, na paisagem sócio-cultural pesquisada, mais precisamente, não só uma dita ruptura musical sensorial nos anos de 1968 até 1976, mas também a acusação pública de uma atuação marginalizada culturalmente. Não exatamente com ênfase na cultura habitual da realidade, como na película “Opinião Pública”, sob direção de Arnaldo Jabor em 1967. Reflete-se também sobre o contexto exótico e excepcional, fanático e fantástico, do artista surrealista, marginalizado e mal compreendido, tão presente na música. Quiçá, com o olhar mais atento para os vestígios deixados pelos personagens que produziram música experimental, pop e psicodélica no Recife, em um período histórico brasileiro que alguns pesquisadores chamam de “anos de chumbo”.(3)

1 VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história; Foucault Revoluciona a história. Trad. Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. pp. 81.
2 CASTORIADIS. Cornelius. Transformación Social y Criación Cultural. Publicado originalmente em 1976 na Lettre International. No. 25, 1995. Disponível em: . Acesso em: 23/09/2009.
3 NAPOLITANO, Marcos. “Desbunde”, diversão e resistência: a cultura nos anos de chumbo (1970-1975). IN: Cultura Brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2001. pp. 81-104.
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(...) Baixe toda a dissertação pelo Domínio Público.

5 comentários:

TONINHO BORBO disse...

muito boa a idéia do registro e o texto também tá muito bacana.
É importante sair um pouco do olhar convencional da retórica histórica e apontar outros movimentos que imprimiram de forma decisiva traços peculiares na cultura musical independente.
Valeu João e Val...

xistosa, josé torres disse...

Cheguei agora mesmo no barco da meia noite. (rsrsrs)
Estou completamente a "leste do paraíso" no que se refere à cultura e porque não, contra-cultura independente.
A virtude de 'viajarmos' é o que aprendemos...
Nem sabia que existia a palavra, quanto mais o movimento Udigrudi.
Sempre aprendi algo mais.
Um bom fim de semana.

Anderson Ribeiro disse...

Que descoberta! Não tem muito tempo li um livro sobre a Cultura Marginal: 'Eu, brasileiro confesso minha culpa e meu pecado', do Frederico Coelho. Entre outras tantas coisas, mostrando que o movimento não foi uma expressão brasileira de contracultura, mas uma parte da história pouco e mal contada. Dando notoriedade aos artistas Hélio Oiticica e Torquato Neto como os grandes mestres que se envolveram tanto no ovimento marginal quanto do tropicalismo. Genial o livro. E também seu texto. Que traz à tona uma história que pensamos ter havido apenas no sudeste das manifestações culturais. O udigrudi também aconteceu no Nordeste e é ótimo que isso seja mostrado.

De acordo com disse...

Pois é, galera... Nosso NE sempre mostrou potencial, desperdiçado, é bem verdade, sob o ponto de vista marketeiro, mas de muita qualidade. Nossa identidade é artística, embora descompromissada com o todo, esfacelada pela força das ideias divergentes, mas é muito marcante. Bjs!

João Carlos disse...

Olá pessoal. Quanta satisfação em ver reverberações de um trabalho tão importante para meu aprendizado sobre nuances subversivas da cultura brasileira. Foram dois anos de gratificante pesquisa sobre personagens atuantes no questionamento do silêncio instituído na cultura brasileira em época de polêmica ditadura militar. Com toda poesia que vira música, com toda música que se torna rebeldia, em uma história que se transforma pelas ações cotidianas dos indivíduos senhores de seus fazeres. Obrigado Val, pela sincera publicação. Salve sempre a memória do guru Lula Côrtes. Sou grato à todos pelo apoio, e aos interessados, o trabalho (com todos os acertos e erros) se encontra disponível gratuitamente na internet, através do Domínio Público - "O Udigrudi da Pernambucália"! Minhas cordiais saudações!