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21 de dezembro de 2009

*feminino - Abortar, no Brasil


SOZINHA - Pra criticar uma mulher que aborta, tem que abortar no Brasil e saber colocar as palavras... a pele não deixa mentir: é ruim ser mãe sem querer, pra mãe e pra criança. Pior que isso só abortar nesse país de médicos medíocres e sociedade hipócrita pra um ato humano que é milenar | imagem: Uma e Uma

*Por Valdívia Costa

Eu penso que abortar, no Brasil, não é fácil. A mulher se prepara clandestinamente, correndo o risco de ser presa por estar 'matando' um ser vivo. Vivo, apesar de ainda não estar fora do seu corpo. Ele não fala, não anda, não come só, não pode opinar sobre o que está sentindo dentro da barriga (dizem que o feto, ao ser fecundado, já sente tudo...?). Mesmo assim, a mulher que não está preparada pra ser mãe, por algum motivo, sente aversão à situação de desconhecimento e, consequentemente, ao ser que está gerando, que não é aceito imediatamente. Mas não foi algo que ela escolheu. Ela sente nojo, somente.

Pela sufocante falta de opção econômica, emocional e física até, essa mulher que "não tem coração" encara as tentativas desgastantes, frustradas e aterradoras de abortar só, tomando medicamentos fortes, às vezes causadores de males consequentes. Por isso, ela sai a procura dos famosos 'abatedouros' de bebês (na verdade são médicos que se aproveitam da clandestinidade pra ganhar mais por um procedimento cirúrgico que deveria ser público e de qualidade). Mas ela não pratica um aborto por querer, só pra sentir a "emoção" ou contar no seu blog no outro dia.

Acredito que basta somente uma hora numa sala de pré-parto de uma maternidade pra uma pessoa sentir o que é dar vida a uma criança. E, tragicomicamente, pra essa pessoa entender como as mulheres que praticam aborto são tratadas no Brasil. Basta pra uma pessoa qualquer (nem precisa ser tão sensível) passar alguns minutos numa sala de pré-parto pra saber que a maioria das mulheres abortantes sofrem uma silenciosa tortura por estar ao lado de outras mulheres tão felizes no processo inverso delas, que têm um 'erro' e não uma gravidez.

Qualquer uma de nós sente dor, medo, desespero e outras coisas ruins ao se ver na pele de uma mulher que é logo discriminada, humilhada na frente das outras que terão filhos. E elas, por estarem "matando as crianças", serão negligenciadas pelo preconceito de profisisonais que se limitam a dar atendimento igualitário a quem cometeu um "crime perante a vida"... Crime por crime, e perante a vida, muitos médicos já cometeram também e nem por isso são presos, ainda são investigados pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) etc.

Já a mulher que abortou sofre discriminação e negligência quando precisa dos cuidados médicos. E esse sistema 'legal' que nos 'livra' desses ser maléfico (uma mulher que aborta) só passa a mão na cabeça desses médicos preconceituosos em relação a uma prática tão antiga quanto o próprio ato de engravidar, que o digam nossas avós e mães, que tomavam os mais diversos tipos de chás para obter o mesmo resultado.

Tal atendimento que as mulheres do Brasil esperam para combater a mortalidade delas, que abortam sozinhas e sofrem as consequências, só será digno das mulheres ricas, como é de costume no nosso país de terceiro mundo. E ainda tem mulher pra criticar as abortantes! Precisam, sim, passar por um aborto pra saber como se posicionar, como escolher a saída nessas horas.

Não acredito que uma mulher, depois de passar por um aborto, queira fazer disso um vício, caso essa prática seja discriminalizada no país. Então só percebo burrice nisso tudo que vivemos, ou que discutimos em grupos feministas, de lutas pela igualdade etc. Pra que fingir que temos liberdade se não podemos tê-la na hora de decidir sobre o nosso próprio corpo?

3 comentários:

Mabel Dias disse...

é importante termos textos como estes para sempre debater esta questão do aborto no Brasil, que ainda, infelizmente, é tão polêmica. e quem "paga o pato", é a mulher.
PARABÉNS! Mabel Dias - jornalista e ativista feminista autonôma

Kath disse...

Existe uma outra questão que ninguém fala: uma mulher não faz um filho sozinha. Quando uma mulher aborta uma criança é uma assassina, mas quando um homem abandona uma mulher com o seu filho no ventre, onde anda essa lei tão rígida e severa?

Toninho disse...

Super importante a colocação da idéia central do texto. Eu fico puto diante de tanta hipocrisia. Imagine quantos filhinhos e filhinhas de médicos, juízes, engenheiros, políticos, empresários, diplomatas, de padres e pastores, recorrem a este tipo de procedimento às escuras por falta de planejamento.
Se a vida é um planejamento, Deus se esqueceu de planejar melhor a construção da nossa moral.
Valeu Val!!!!

“É chegada a hora da reeducação de alguém,
do Pai, do filho do espírito santo amem”
Caetano Veloso