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15 de março de 2010

AÇÕES PARA O UMBIGO


PORCOS - Pensei num castigo não muito impressionante para pessoas egoístas. Um texto engraçado, mas bem ingênuo, de 2006. | imagem: Ah Negão!

VALDÍVIA COSTA

1. pensamentos
- Quanto custa?
- Cem reais.
- Aceita cartão?
- Sim. Visa, Master Card, Hipercard, Credcar, American Express e mais alguns que eu não decorei. Passe a nota naquele balcão ali com o cartão e volte aqui para pegar sua compra. Obrigado, volte sempre! – A atendente abriu um sorriso daqueles que todo caixa ensaia quase 24 horas por dia.

“Pena que a minha vida não é assim, prática”. Neném saiu do supermercado com a sensação de estar se metendo numa enrascada. Em algumas horas, ela iria se encontrar com Mô. Traçou na cabeça um “roteiro exterminador” com todas as tarefas do dia. Como uma figura responsável não queria deixar rastros de negligência pelo caminho. Cuidou para que os filhos não sentissem sua falta deixando um dinheiro gordo para as despesas em suas contas-poupanças até a maioridade onde já estariam, ela esperava, na faculdade.

Ao companheiro que iria abandonar, que viveu com ela os últimos 12 anos, deixaria uma bela carta desculposa para estimular o perdão e instigar a enfrentar o futuro solitário (ou acompanhado, quem sabe?!). Neném imaginava que, se houvesse o perdão, haveria o sentimento de liberdade para ambos e, consequentemente, a paz entre os dois, evitando consequências drásticas como um duplo homicídio seguido de suicídio. Tudo parecia certo em sua cabeça e Neném chegou em casa para aprontar tudo e encontrar o seu novo amor.

2. decisões
- Xaaano...? Pisiuuiu... “Onde esse filho da mãe se meteu? Esse gato safado só some na hora mais difícil. Vou deixar a comida dele no prato e ele que se vire”.
- Mãããe!
- Que é? Tou na cozinha!
- A senhora vai sair?
- Vou.
- Vai onde?
- Vou encontrar uma amiga. Porquê?
- Nada. Eu só queria saber... Eu vou sair também.
Neném não estava nem um pouco interessada se Richele ia se lembrar de usar a camisinha. Ela própria não sabia se ia ou não usar! Pensar na camisinha a deixou com uma cara cínica...
- A senhora tem o quê? Eu nunca vi isso! A senhora não falar nada e ainda dizer que tá certo eu sair à noite!
- É? Eu nunca agi assim, né?
- Tá doidona, é mãe?
- Não. Só mudei um comportamento. O que é que tem?
- Nada. Eu acho ótimo que tenha mudado... Posso ir mesmo vou indo!
- Deve ir. Meninas como você têm mais é que descobrir a vida sozinha mesmo. Para que serve uma mãe perguntando as coisas, né? Vocês só respondem o que querem...
Pasma com a atitude desenvolta da mãe, Richele resolve ir antes que ela “varie as ideias” de novo!

3. sem chance
“Mô deve atrasar como sempre. Vou beber um vinho, depois adormeço nua...” Neném saiu de casa imaginando as possibilidades eróticas que lhe vinham às enxurradas na cabeça confusa de paixão, desejo e expectativa. Antes disso, avistou o filho pré-adolescente, Ricardo, assistindo besteira na TV. Não se alterou. No quarto, se assustou com a figura do marido Tião sentado na cama, pensativo.

-Ai, que susto, Tião! Que foi? Perdeu dinheiro de novo no jogo?
Tião respondeu com um sorriso cansado. Se levantou, pegou os ombros dela suavemente... Neném gelou. Ficou a tremer e a temer. Pensou na possibilidade dele saber dos planos dela.
- Que é Tião..? – Ela nem sabe como saíram aquelas frágeis palavras.
- Neném, eu...
- Hum?
- ...vou sair hoje à noite.
- Ah, é?! - Alívio... Neném nunca se sentiu tão leve!
- Vou encontrar um amigo que não vejo desde a faculdade...
- Certo. Eu também vou.
- Hã?! Comigo? Ah, querida, eu não posso...
- Não!!! Não é com vocês que eu vou sair! É com uma amiga. Vou passar na casa da Regina para fofocar. - Os dois sorriram.

Ambos tomaram banho e se arrumaram em silêncio. Neném tentou cantarolar uma música que ouviu no rádio à tarde, mas era muito desentoada, deu enjôo. Tião parecia que estava cumprindo a tarefa de casa: emburrado, concentrado e abusado, calçando os sapatos.

4. partida
Neném deixou que Tião saísse antes. Fez questão de olhar se estava tudo trancado. Não entrou no quarto de Richele porque sabia que ela havia saído também. Além da porta do quarto de Richele, voltou e lembrou que Ricardo tinha ficado. Entrou no escuro. Acendeu a luz e viu seu filho caçula ressonando. Ficou um pouco ressentida. Mas havia uma meta, agora. Somente depois de tanto cuidar dele, ela tinha a vida dela. Mais forte que qualquer instinto materno. “Seria a menopausa?”, questionava-se Neném.

Partiu às 20h00. Todos os bilhetes contavam tudo. Neném esperava, pelo menos, não causar tanto desespero saindo sorrateiramente de casa. As justificativas eram plausíveis, mas passíveis de protesto. Sem violência ou total transtorno. No meio das frases marcantes, Neném lembrava a que mais retratava o seu momento particular, único: “Tem dias que a necessidade de cuidar da própria vida fala mais alto”.

5. chegada
Quando Neném chegou, a casa de Mô estava praticamente no escuro, como ela previu. Ele só chegaria no outro dia e ela planejava uma surpresa “quente”. Apesar de Mô não ter dado a cópia da chave da casa dele para Neném, ela copiou escondido, justificando para si mesma que a folga era por uma causa nobre: a satisfação sexual dos dois. Depois de dar uma com Mô, ela pensaria nas desculpas.

Abriu a porta com cautela. Deixou a bagagem na parte de baixo da casa. Subiu a escada. Na metade do caminho, ouviu um barulho no quarto. “Será que ele tem gato também?” Neném subiu mais três passos e ouviu mais um sussurro. O medo já estava chegando na boca do estômago quando ela pensou na possibilidade de ser uma alma penada. “Será que morreu alguém nessa casa?!”. Mesmo transbordando de medo, Neném subiu mais um degrau, já a dois da porta do quarto. O terror se espalhou por todo o corpo numa tremedeira barulhenta, pelo menos para ela mesma. Ela segura as mãos contra o peito e encosta o ouvido na porta. Ouve, baixinho, a voz de Mô. - Calmaa... assim é melhor...

O frio que deu milhares de voltas gélidas pelo estômago de Neném motivou-a a ficar mais um tempinho parada, escutando. Novamente, ela ouve o amado soltando gemidos eróticos e aquele tradicional “sss” que deixa todo mundo excitado. Mas Neném não estava excitada. Ela estava irada!

6. surpresa
“Ele tá transando?! Filho da puta! Fudendo no escuro e eu achando que ele tava viajando!” A indignação transformou essa mulher de um jeito, que Neném abriu a porta de supetão, acendeu a lâmpada e flagrou um inesgotável e suado Mô se esbaldando em cima de uma figura branca, de peito cabeludo...
- Tião! Môô... – a voz de Neném foi desfalecendo junto com ela.

7. explicações
Desde a saída de casa que a vida estava se tornando cada vez mais parecida com um cenário de infinitos labirintos. Depois de ter acordado no sofá e ter se negado a conversar naquelas condições, Neném saiu primeiro da casa de Mô, com bagagem e o aspecto de choque. Deu saudade dos filhos. Ligou para casa e falou com Ricardo, o caçula abandonado.

- Voltar?! Nem pense nisso! Eu não quero e tenho direito a essa casa com todos os móveis, depois do abandono. Tá pensando o quê? Eu sou de menor! A senhora, pai e Richele deixaram bilhetes para mim dizendo que estavam me deixando para cada um cuidar de sua própria vida no dia do meu aniversário! Isso são provas! No de pai, eu ia ficar com a senhora. Mas a senhora deixou escrito que vou ficar com ele. E ainda a Richele, que acreditou me deixar com vocês dois. Não deu nada certo, foi?! Pois agora quem não quer ninguém aqui sou eu! (tu-tu-tu...)

Um comentário:

xistosa, josé torres disse...

Quase que adivinhei o final... (rsss, rsss, rsss)
Imaginei ...
Pensei que Neném se ia encontrar com Tião que conhecera na Internet e que este seria o Mô ...
Afinal eram um casal perfeito.
Ambos gostavam do mesmo homem.

Uma boa semana