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16 de junho de 2010

MENOS, COPA, MENOS...


EXAGERO: Muita atenção (e dinheiro) é entregue ao futebol, esporte que enriquece poucos jogadores e atrai muitos pobres, principalmente de conteúdo; onde depositarão os bilhões usados na reconstrução da África do Sul, pós Copa do Mundo? | imagem: Placard

VALDÍVIA COSTA

Gosto da Copa do Mundo pra analisar o quanto pobres ainda somos. O quanto ainda temos a aprender e a sofrer nessa vida. Afinal, somos um povo necessitado de um evento mundial de futebol que nos una. Dizemos que somos patrióticos com a Copa, destacáveis mundialmente em alguma coisa.

O barulho de abelhas gigantes zunindo dentro dos estádios africanos é o da pobreza que assola a África do Sul, um país com a taxa de desemprego que gira em torno de 40%, segundo a Frente Anarquista Comunista Zalabaza (ZACF). Parece que o som das vuvuzelas é um mantra para nos encantar, enquanto a verdade vai pra longe das boas intenções.

O governo africano gastou mais de 8,2 bilhões de rands (cerca de R$ 2 bilhões) nessa empreitada da Copa. Conforme a ZACF, mais de 1 bilhão de rands foi para o desenvolvimento das infra-estruturas e 3 bilhões de rands para reformas e construções de estádios, que depois da Copa do Mundo jamais estarão lotados. Os outros 4 bilhões de rands não foram especificados onde estariam empregados, de acordo com a ZACF.

A Frente condena veementemente a hipocrisia do governo sul-africano, que apresenta este momento como uma oportunidade única para a melhoria da situação econômica e social das pessoas que vivem no país, assim como no resto do continente. Seria uma conversa para bovinos roncarem ou o discurso que os países pobres empregam aos seus habitantes para aceitarem um desprendimento gigante de verba ao futebol e não à erradicação da fome ou da Aids que atormenta os africanos?

Leiam trechos do texto divulgado pela ZACF:

Nos últimos cinco anos, os trabalhadores pobres têm vindo a manifestar a sua indignação e decepção face à incapacidade do governo para corrigir as enormes desigualdades sociais, organizando, em todo o país, mais de 8 mil manifestações para exigir serviços básicos (água, eletricidade, saúde...) e habitações dignas.

Esta distribuição dos custos, pelo Estado, é mais uma prova dos equívocos do modelo neoliberal capitalista e das suas políticas econômicas de “racionamento”[1], que só serviram para aprofundar as desigualdades e a pobreza. Apesar das afirmações anteriores, o governo reconheceu, recentemente, que "nunca foi a sua intenção" que este projeto chamado Copa do Mundo fosse beneficiário em termos sociais[2].

A África do Sul precisa desesperadamente de infra-estruturas públicas em grande escala, especialmente na área dos transportes públicos que estão quase totalmente ausentes em algumas cidades, incluindo Johanesburgo. O Gautrain (uma espécie de trem bala), lançado em 8 de junho, na véspera da Copa do Mundo, é provavelmente a grande ironia disto.

Num país onde a grande maioria das pessoas depende, cotidianamente, para percursos de longa distância, de táxis e lotações, sem condições mínimas de segurança, o Gautrain oferece rapidez, transporte de luxo para turistas e para aqueles que viajam entre Johanesburgo e Pretória, distante 54 km.

(...)

Em toda a África do Sul os municípios estão envolvidos em “esquemas” de revitalização urbana, acompanhados pelos seus inseparáveis programas de gentrificação. Em Johanesburgo, mais de 15 mil sem-teto e crianças de rua foram apanhadas e despejadas em "abrigos". Em Cape Town, autoridades do município expulsaram milhares de pessoas das zonas pobres e das favelas no âmbito do projeto "World Cup Vanity" (tornar a cidade agradável para a Copa do Mundo).

Nesta cidade tentou-se - em vão - expulsar de suas casas 10 mil moradores da favela Joe Slovo com o objetivo de esconder a população dos olhos dos turistas que viajam ao longo da rodovia N2. Em outros lugares, populares foram despejados para dar lugar aos estádios, estacionamentos para turistas, ou estações[3].

No Soweto, as estradas foram embelezadas ao longo das rotas turísticas e da sede da FIFA, enquanto as escolas ao redor continuam com as janelas quebradas e as instalações em ruínas. Apesar de muitos sul-africanos não terem caído neste "canto de sereia", outros são inundados e arrastados pela enxurrada de propaganda nacionalista que visa desviar a atenção do circo que é a Copa do Mundo.

Cada sexta-feira no país foi declarada “Dia do Futebol", onde a “nação” é incentivada (e os alunos forçados) a vestir camisas dos Bafana-Bafana (seleção nacional da África do Sul). Os carros são enfeitados com bandeiras, as pessoas aprendem a "diski dance", que é constantentemente demonstrado em todos os restaurantes turísticos.

Já é praxe comprar a mascote Zakumi. E quem se atrever a manifestar dúvidas sobre a Copa é maculado como antipatriota. O exemplo mais significativo disso tudo foi o apelo das autoridades aos grevistas do Sindicato dos Transportes (SATAWU), para que abandonassem as suas reivindicações pelo “interesse nacional"[4].

Num contexto em que quase um milhão de empregos desapareceram, só no ano passado, as declarações do governo, sobre a criação de mais de 400 mil postos de trabalho devido à Copa do Mundo, são descontextualizadas e ofensivas. Os empregos que foram criados, nesta euforia futebolística, são muitas vezes precários ou Contratos com Duração Determinada (CDD), por trabalhadores que não são sindicalizados e recebem salários muito abaixo do salário mínimo.

(...)

O município de Mbombela recebeu a informação, da polícia nacional, de que não seriam permitidos “encontros” durante a Copa. O conselho municipal da Cidade do Cabo informou que não continuaria a receber pedidos para organização de marchas, que “isso poderia ser um problema” durante a realização da Copa. Nos municípios de Nelson Mandela Bay e de Ethekwini, a polícia proibiu manifestações durante o período da Copa do Munde[5].

A Constituição da África do Sul, muitas vezes elogiada pelo seu caráter "progressista", está longe de ser a garantia de liberdade e de igualdade. Esta nova forma de repressão entra claramente em contradição com o direito constitucional à liberdade de expressão e de reunião.

No entanto, os movimentos sociais, em Johanesburgo, incluindo o Fórum Anti-Privatização e vários outros não desistiram, e obtiveram uma autorização para uma marcha e manifestação no dia da abertura da Copa, com a ajuda do Instituto para a Liberdade de Expressão. Porém, a marcha deverá ser confinada a três quilômetros do estádio, onde não atrairá a atenção da mídia.

Não foi apenas o Estado sul-africano que realizou uma repressão severa sobre os pobres e sobre qualquer atividade ou manifestação anti-Copa do Mundo, sob um disfarce que representa a África do Sul como um polvo que estende os seus tentáculos em convite a todos para que afluam em rebanhos aos seus hotéis de luxo, os quartos de hóspedes e salões de coquetéis, mas também o império criminal legal a que Josepp Blatter e seus amigos chamam FIFA, renomeada THIEFA (clube dos ladrões em inglês) pelo Fórum Social em Durban.

Prevendo com a Copa 2010 um lucro de aproximadamente 1,5 bilhões de euros, a FIFA já arrecadou mais de 1 bilhão apenas com os direitos de transmissão televisiva. Os estádios e as zonas circudantes foram entregues à FIFA durante o período do torneio (como “casulos livres de impostos”, áreas controladas e vigiadas pela FIFA e isentas do imposto normal e outras leis estaduais sul-africanas), incluindo estradas e pontos de acesso. Dessas regiões serão excluídas as pessoas que vendem produtos não licenciados da FIFA. Assim, os que acreditaram que, durante a Copa do Mundo, iriam aumentar a sua renda de sobreviventes, serão deixados de fora no frio "racionamento" neoliberal.

Mais: a FIFA, como proprietária exclusiva da marca Copa do Mundo e dos seus produtos derivados, dispõe de uma equipe com centenas de advogados e funcionários que percorrem o país para rastrear qualquer venda não autorizada e para fazer marketing da sua própria marca. Os produtos ilegais são apreendidos e os vendedores são presos, apesar do fato da maioria na África do Sul e do continente comprarem os seus produtos no setor do comércio informal. Porque muito poucos sul-africanos têm 400 rand (40 euros) para pagar pelas camisas das seleções e outras “engenhocas” da Copa.

Os jornalistas também foram efetivamente amordaçados neste evento. Na hora de se credenciarem, a FIFA incluia a aprovação formal de uma cláusula que impede as organizações de mídia de criticá-la, comprometendo claramente a liberdade de imprensa[6].

A ironia maior desta história toda é que o futebol era originalmente o esporte da classe trabalhadora. Ir assistir aos jogos nos estádios era uma atividade de baixo custo e de fácil acesso para as pessoas que escolhessem passar 90 minutos das suas vidas esquecendo o cotidiano sob a bota do patrão e do Estado.

Hoje, o futebol negócio e a Copa do Mundo trarão lucros exorbitantes para um pequeno grupo da elite mundial e nacional, com milhões de gastos desnecessários, especialmente em um momento de crise capitalista mundial, que cobram aos seus clientes-torcedores- espectadores milhares de rands, dólares, libras, euros etc., para assistirem futebolistas caindo em excesso e mergulhando em campos super bem tratados e que discutem, através de agentes parasitários, se são ou não dignos de seus salários mirabolantes. Kaká recebe mais de 10 milhões de euros por ano no Real Madri.

O jogo em si, que em muitos aspectos, mantém a sua beleza estética, perdeu a sua alma trabalhadora e foi reduzido a uma série de produtos destinados a serem explorados e consumidos. Bakunin disse que "as pessoas vão a igreja pelos mesmos motivos que vão a um bar: para hostilizar, para esquecer a sua miséria, para imaginar serem, por alguns minutos, também, livres e felizes”.

Talvez possamos dizer o mesmo do futebol negócio, com estas bandeiras nacionalistas agitadas e a sua cegueira, com as estridentes vuvuzelas. Deste modo parece mais fácil de se esquecer do dia a dia, de tomar parte na luta contra a injustiça e a desigualdade.

(...)

Abaixo a Copa do Mundo! Phansi [Abaixo] a repressão do Estado e do nacionalismo que nos divide! Phambili [Viva] a luta do povo contra a exploração e os lucros!






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Notas:
[1] See Star Business Report, Monday 7th June, 2010.
[2] http://antieviction.org.za/2010/03/25/telling-the-world-that-neither-this-city-nor-the-world-cup-works-for-us/
[3] http://www.politicsweb.co.za/politicsweb/view/politicsweb/en/page71654?oid=178399&sn=Detail
[4] http://www.sacsis.org.za/site/article/489.1
[5] http://www.sportsjournalists.co.uk/blog/?p=2336

Mais: UKZN; Antie Viction; Abahlali

Frente Anarquista Comunista Zalalaza (ZACF)
zacf@zabalaza.net
Postnet Suite 47, Private Bag X1, Fordsburg, 2033, África do Sul

Tradução > Liberdade à Solta

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo, Val da Costa! E me preocupo... muito!Nosso país é o próximo...

Anônimo disse...

2000 anos se passaram, mas o povo ainda fica satisfeito com o pão & circo. Talvez precisemos de um novo Nero, pra tacar fogo em tudo - e desta vez fazer direito!

Juliana Vasconcelos disse...

Massa o teu "Anti-Copa", Val...
Fico me sentindo uma estranha, sabe? Eu, aproveitei pra dormir um pouco na hora do jogo...
Até gosto d futebol, mas em contrapartida não suporto esse clima q se instala em todos os lugares... Unhas, roupas íntimas... Nossas decorações juninas todas em verde/amarelo...
Choquei com os trechos do texto do seu blog, Val...
Não podemos compactuar com isso, né?
Beijo e parabéns!!

Toninho disse...

"Alguma coisa está fora da ordem/ fora da nova ordem mundial"
Caetano.
Apesar de achar essa retórica anarquista, meio marxista.