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17 de junho de 2010

"MORO NO MEU SAPATO"


INQUILINO: De tanto circular e ainda ter sede de mais história, o artista é múltiplo e mora onde a música está. Ou seja, em todo canto. | imagens: divulgação

VALDÍVIA COSTA

A música brasileira já chegou a um padrão planetário de consumo. Bem absorvido, o som nosso de cada dia é tendência na chamada word music, ecoando nos aparelhos eletrônicos de terras distantes. Vez em quando, músicos nordestinos circulantes chegam por lá. Um deles, o multinstrumentista pernambucano Jam da Silva, usou a expressão "moro no meu sapato" pra dizer que cria sonoridades no mundo para o mundo.

Além da habilidade com percussões criativas e orgânicas, Jam tocou com o DJ Dolores na Orchestra Santa Massa, que lançou o álbum Contraditório? e foi o melhor disco de Word Music da BBC Awards (2002). No cinema participou (tocando e compondo) nos filmes Os Narradores de Jave, O Rap do Pequeno Principe, entre outros. Recentemente teve suas músicas gravadas por Roberta Sá (O Pedido), Elba Ramalho (Gaiola da Saudade), Marisa Monte e Marcelo Yuka (Desterro).

Mesmo com a respeitada trajetória e a agenda cheia, o artista não dispensou essa conversa, iniciada pelo facebook. Ele expôs sua visão de mercado e falou da composição do primeiro CD solo, o Dia Santo. Jam não quer ser apenas a estrela, mas um céu de possibilidades "num mercado em crescimento, novo e que ainda não está consolidado".

DE ACORDO COM "- O seu trabalho Dia Santo mostra uma pegada cautelosa na produção musical. Com arranjos bem arrumados, sonoridades diversas que se combinam bem. Quanto tempo você levou pra chegar nesse ponto e qual a realização mais importante da sua carreira?

JAM DA SILVA - Foi ao longo de um ano e meio que eu e o produtor Chico Neves (O Rappa, Lenine, Los Hermanos) produzimos o album Dia Santo, que foi amadurecendo aos poucos, sem pressa... Foi uma grande alegria arregimentar os músicos e entender de perto todos os processos que fazem parte do trabalho que é fazer um disco. Os amigos estavam sempre do lado. É incrível como as pessoas se chegam naturalmente e se entregam de maneira muito especial. Na minha opinião, o processo criativo é tão importante ou mais que o resultado final, além de ser uma grande realização estar fazendo um primeiro disco, depois de anos de estrada, colocando em prática essa vivência e aprendizado que tive em coletivos anteriormente.

" - Você é múltiplo, faz percussão, compõe e canta. Essa facilidade em arranjar as sonoridades, de maneira diversificada e marcante, ajuda ou atrapalha na hora de selecionar as composições de um novo CD? Por que executar tantas "tarefas"?

Na música você precisa se doar muito e eu amo música. Gosto de estar envolvido com ela intensamente. Isso é muito natural em mim, tenho muito prazer, pois é um grande laboratório. Usamos o estúdio como um instrumento extra. Na hora de selecionar as músicas acho que só ajuda, pois você vai achando um fio condutor pra contar uma história, juntando tudo num só lugar.

" - Percebe-se pelo seus perfis virtuais que você é músico do mercado indie. Em quais Estados (ou países) você mais atua, como músico instrumentista? Você trabalha em outras atividades artísticas como a produção cultural, teatro etc. e incentiva essa dinâmica do artista "faz tudo"?

JS - Nesse momento, nessa geração, temos mais é que fazer muitas coisas mesmo. Antigamente tinha o empresário, o produtor, o artista. Hoje em dia tem o empresário fazendo as vezes de produtor e o próprio artista também fazendo algo relativo à produção. O bom é justamente estar envolvido em várias tarefas e não é por acaso. Você hoje só tem essa opção, que é fazer tudo para conseguir seus shows, suas compilações, suas turnês, sua mídia. Não temos mais o suporte que as gravadoras davam antigamente. É um grande aprendizado e desafio. Meu trabalho pode ser indie na dimensão da distribuição do disco, mas não no comportamento. Sou um músico popular que está dentro de um mercado em crescimento, novo e que ainda não está consolidado. Vou, em média, duas vezes por ano à Europa desde os 17 anos de idade, com mais frequência à França e à Londres. Também passei uns meses na África, estou começando a adentrar nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, naturalmente, entre outros locais. Moro no meu sapato. Acho ótimo diversificar o leque, fazer música pra teatro e cinema, shows, produções, gravações etc... Eu gosto de todas as mídias e a forma como elas se comunicam entre si. Pra mim, música é movimento de corpo, é imagem, é conversa, é ouvir, é observar... Eu sou muito proativo, vivo viajando fisicamente e também viajando pela internet. Me envolvo com muita vontade em tudo que faço.

" - DJ Dolores o descreveu como ex-tímido. André Midani citou sua força de vontade e perseverança como definidoras de um profissional qualificado. Você acha que os músicos nordestinos estão com propostas diferenciadas numa região de folclore popular como a nossa? Por exemplo, você fusionaria ritmos regionais no seu som para entrar num nicho de mercado?

JS - Mercado é a última coisa que penso em um trabalho de criação. Toda música é regional. O artista cria a partir do contexto geográfico que ele está inserido. Isso está no meu inconsciente, mas que não necessariamente irei misturar maracatu com drum bass (que fazem parte de toda minha vida como referência e inspiração) para entrar em algum nicho de mercado. Os músicos nordestinos têm uma conexão direta com o mundo, com ligações que vêm de dentro pra fora e de fora pra dentro a todo instante. Recife, por exemplo, uma cidade com zona portuária super ativa, isso desde sempre. O Nordeste é muito rico musicalmente e avant garde.

" - Como foi o trabalho de concepção ritmica do Dia Santo, que não é linear, mas liga tudo num som equilibrado e de bom gosto?

JS - O ritmo em Dia Santo nao é algo racional nem cirúrgico. Fui gravando e tocando e deixando a música fluir como tem que ser. Eu partia dos beats inicialmente, gravando percussões e baterias acústicas e depois os outros instrumentos. Fui pensando em cenas e não em compassos. A bateria virou um batuque e as percussões cobriam os espaços dela e/ou criava texturas de percussões e colocava a bateria por cima. Elas se completam em timbres, levadas, texturas, grooves etc...

" - Quais os seus projetos futuros?

JS - Divulgar mais e mais meu álbum Dia Santo nesse país gigante e belo chamado Brasil e também aumentar as idas fora dele. Compor pra outras pessoas e com outros parceiros, produzir pra outros artistas, gravar outro disco, mas não agora... :) No momento estou compondo com artistas como o Momo, Kátia B, Paula Toller e sairá em breve também uma música no disco de estreia da cantora Bárbara Eugenia. Ah! Tocar na Paraíba antes. :) Quero muito!


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CONTATO: contatojamdasilva@gmail.com
JAM DA SILVA | DIA SANTO

Um comentário:

Toninho disse...

Este cabra é bom!!