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10 de setembro de 2010

O COLETIVO DO BAILE MUDERNO

DESEMBARQUE - Quatro amigos contam histórias nordestinas modernas musicadas pelo genuino eletrônico paraibano num coletivo fusionado em novos sons | imagens: divulgação

VALDÍVIA COSTA

Quando ouvi Cátia de França cantando Baile Muderno, delirei. Acho que foi também porque tinha um arrastado eletrônico Chicorreano. Quase um ano depois conheci o autor da letra, que é mistura fina de uma poesia moderna e nordestina concatenada com um som suspense, autointitulado de coco selvagem. Jonathas Falcão, que criou o Baile, também compôs e faz letras como quem escreve bilhetes. Ele é o Seu Pereira no Coletivo 401.

Peguei um desses papeizinhos ("Lelê") e encontrei um clip na net. "Os compositores modernos são totalmente virtuais", pensei. Num contexto de transformações significativas surgiu, há dois anos, o grupo Seu Pereira e o Coletivo 401, capitaneado por Falcão, a "nova safra de artistas paraibanos". Com um trabalho original, autoral e inédito, que mostra a cultura nordestina e retrata o cotidiano das pessoas no trabalho e no amor, a banda toca em busca do primeiro CD, que sairá ainda este ano.

Formado por quatro amigos que trampam juntos há quase 10 anos, Thiago Sombra, Esmeraldo Marques e Victor Ramalho com Seu Pereira, o coletivo atua na cena de João Pessoa, mas já deu altas voltas por outros Estados. Eles tocam a música contemporânea com sotaque nordestino. Sambafunk e rock com a cantoria de viola e coco de embolada. Jonathas Falcão é cantor e compositor desde 1996. "Lelê", música do videoclipe abaixo, gravada por Chico Correa & Electronic Band, ganhou prêmios e rolou na MTV.

DE ACORDO COM " - Diante da variedade de mídias na atualidade e com o tráfego intenso de informações, parece que aumentou a quantidade de compositores brasileiros, visto uma negociação mais rápida entre as pessoas com as novas tecnologias. Como você observa essa proliferação de "novos compositores"?

JONATHAS FALCÃO - Eu creio que a proporção de novos compositores em relação a 20, 30 anos atrás, é equivalente ao número de novos brasileiros profissionais em várias áreas. Na copa de 70, que nem é tão distante assim, cantávamos: “70 milhões em ação, pra frente Brasil...” Quarenta anos depois somos cerca de 190 milhões, bem mais que o dobro. Esse é um ponto. Outro lance é que hoje, artista, e principalmente ‘tocador de violão’ não é mais visto como vagabundo. Existe um deslumbre muito grande. Quem não quer ser cantor? Ganhar a vida num palco? Recentemente eu baixei na Internet o CD ‘Tudo que respira quer comer’ de um compositor brasileiro já calejado, chamado Carlos Careca. Talvez apenas 2% dessa população de 190 milhões de brasileiros o conheça, o que é uma pena. Mas voltando ao assunto. Tem um trecho de uma canção nesse CD que diz: “Porque você quer ser artista? Porque você quer ser cantor? O campo precisa de gente, não tem mais agricultor.” E é isso, depois que dois agricultores bonitinhos deixaram de colher tomates e se tornaram milionários através da música, as novas gerações de jovens caipiras se espelharam nisso, compraram suas violinhas e hoje tem uma enxurrada de duplas sertanejas batendo cabeça pra conseguir cantar no Faustão ou no Raul Gil. E isso podemos transferir também pra os roqueiros e suas guitarras, os forrozeiros e suas sanfonas, sambistas e seus pandeiros e etc. Mas o que eu acho mais importante é ser honesto com a música, ou melhor, ser sincero consigo mesmo. Tem quem suba no palco por status, pra pegar menininhas ou menininhos e entrar na onda. Outros sobem por necessidade, por encontrar na música a melhor forma de se expressar. Quando o artista não tem escolha, quando percebe que não será feliz sobrevivendo de outra profissão, não tem o que fazer, é colocar o violão debaixo do braço e ir à luta. É aí que me encaixo. E é essa sobrevivência que eu busco.

" - Atualmente também existe uma facilidade em produzir novos e diferentes sons, a exemplo da união entre você e o Chico Correa, encontro entre os bits e as histórias interioranas nordestinas, o tradicional e o moderno. Como se deu essa união e que tipo de aprendizado se tira ao se unir duas pontas tão extremas como estas?

JF - Na verdade a minha união com Chico Correa é consequência das conexões que ele vem fazendo já há 10 anos. Conexões entre a música tradicional nordestina, que é uma das minhas paixões, com a música eletrônica, e conexões entre músicos de todo canto. Chico Correa é um dos poucos caras aqui na Paraíba que procura ao máximo agregar outros artistas ao seu trabalho. Ele, pra mim, é um dos mais inventivos da cena musical paraibana. As canções tradicionais de domínio público, que geralmente viram arquivos e mimos de pesquisador nas estantes de CDs, foram pra pista de dança aqui graças a ele. A molecada passou a dançar o verdadeiro coco moderno de Odete de Pilar ligago em 220 watts. É natural que isso aconteça. O Nordeste não tem mais a mesma cara de antes. O chapéu de couro e o vestido de chita é coisa de grupos folclóricos. As histórias interioranas não estão muito distantes das histórias da Capital. Eu amo tudo que vem do interior da Paraíba, principalmente a cantoria de viola e os cocos, mas esses estilos já não circulam com frequência por lá. As feiras e praças estão cheias de carrinhos de CD pirata vendendo Aviões do Forró e outros similares. Eu trago recortes autorais dessa cultura um tanto esquecida pra agregar aos samples de viola e tambores eletrônicos do trabalho de Chico Correa. No primeiro CD do grupo foram gravadas duas canções minhas baseadas justamente nessas cantigas de coco. E isso é só o começo de nossa parceria. Hoje, eu canto no palco do Chico Correa: “Mandei buscar, na China meu laptop, pra tocar um coco pop, pro povo daqui dançar. Mandei ligar, o fio na eletricidade, no fim só fica saudade, quando a tela se apagar.”

" - Na música Baile Muderno, você descreve uma festa pela visão de um interiorano que já esteve no evento e tenta convencer uma gata triste a ir com ele se divertir. Que baile moderno é esse? Você se inspirou em alguma situação do cotidiano?

JF - Essa canção tem uma história bem interessante. Comecei a fazê-la inspirado no próprio trabalho de Chico Correa, daí o título Baile Muderno. Mas tem alguns trechos dela, a exemplo de: "há de se ouvir distante, a radiola encantada", que me remete à infância, quando a minha avó falava sobre meu tataravô, que certa noite saiu por dentro do mato seguindo um som de batuque que vinha de longe e, por mais que ele andasse, não conseguia alcançar a festa. Quando ele se viu perdido no meio do mato foi que lembrou que tinha dito naquele dia: "Hoje eu vou pra um forró nem que seja no inferno". Eu fico imaginando se ele chegasse num Baile Muderno hoje, ele realmente ia pensar que tava no inferno. hehe Mas essa canção tem vários outros trechos que remetem ao cotidiano. Quem nunca tentou convencer um colega na fossa a sair pra curtir a noite? O mais interessante é que essa canção acabou sendo uma continuidade de "Lelê", a outra música minha do disco, que diz: "Lelê, por que tu foi embora? Lelê, por que tu foi embora? Por que me deixasse aqui, Lelê, ai! Eu penso em tu toda hora". Aí, o pessoal que fez o clipe de Lelê percebeu que Nãna, de Baile Muderno, é a garota triste que chora por Lelê: "Ô Nãna vem mais eu, dançar num Baile Muderno. Ô Nãna vem mais eu, a noite tá me chamando. Ô Nãna vem mais eu, teu amor se foi no mundo. Ô Nãna vem mais eu, não fique em casa chorando”. Um dia eu faço o desfecho e fecho a trilogia. hehe

" - Para você, o que é o mercado de música independente?

JF - Engraçado, tem um trecho em Baile Muderno que diz: "Bota um trocado na cuia, pra eu interar a passagem." Eu vejo o mercado da música independente bem assim mesmo. Antes, todo artista sonhava em fechar contrato com gravadora. Hoje, o sonho de todo artista independente é conseguir ser o centro das atenções na Internet. Assim, o cara vai garantir um bom público nos shows. E se neguinho conseguir ganhar um cachê de R$ 1.500,00, tá lindo. O problema é que artista independente, ainda depende de leis de incentivo a cultura pra divulgar e manter sua arte. Eu larguei o meu emprego na publicidade pra dedicar mais tempo à música. Mas só tô conseguindo gravar o primeiro CD da minha banda graças ao FMC – Fundo Municipal de Cultura de João Pessoa. O desejo é que esse CD abra o caminho pra verdadeira independência e que o nosso público encha bem a nossa cuia de trocados pra interar as passagens pros shows por esse país a fora.

" - "No coletivo 401 viajam referências, ideias, passageiros anônimos ou não, que, entre uma parada e outra, deixam no interior do coletivo matéria-prima pra uma nova música, uma nova poesia, que conte o cotidiano da cidade e do mundo". Quem viaja atualmente no coletivo e quais são os caminhos a serem percorrido daqui por diante?

JF - Como eu falei, a banda tá gravando o primeiro CD, estamos no processo de finalização. Também tô produzindo o site da banda já pra disponibilizar as canções na Internet. A ideia é divulgar bem o trabalho e depois dar uma circulada com o Coletivo 401 por São Paulo, Rio, sentir o clima da estrada, vê se no meio do congestionamento a gente tem perspectiva de chegar numa boa ao destino desejado. Quem viaja comigo no Coletivo 401 é Thiago Sombra, baixista arretado do bairro da Torre, Victor Ramalho, que faz da bateria a sua religião e Esmeraldo Marques, guitarrista também conhecido como Chico Correa. Além desse pessoal, segue no coletivo uma infinidade de gente, gente que curte e acredita no nosso som e que sempre vai ter um lugarzinho reservado nessa nossa viagem.

BAILE MUDERNO - "...Eu vou ligar na tomada 34 auto-falantes, ah de se ouvir distante a radiola encantada. Hoje ao entrar madrugada, pode anotar no caderno, no giro do eixo interno, retine a voz do coquista! Se aprochegue pra pista que isso é um baile muderno. (...) No rodopio do dia, a agulha não sai do risco, traz a sacola de disco, não esquece o CD de Lia. Hoje ao fim da tardezinha, em meio a mudernagem, vai rolar coco selvagem domesticado na unha, bote um trocado na cúia, pra eu inteirar a passagem..."

LELÊ - "Lelê, por que tu foi embora? Lelê, por que tu foi embora? Por que me deixasses aqui? Ah Lelê, eu penso em tu toda hora... De noite faz tanto frio, no peito espinho de palma, não me peça pra ter calma, não me peça pra ter calma... Vou assanhar meus cabelos, vou borrar o meu batom, vou batucar no terreiro, te xingar fora do tom..."

4 comentários:

Moema Vilar disse...

Vida longa ao SEU PEREIRA E COLETIVO 401! Esta banda me trouxe à vida!!!!
A D O R O
SUAS LETRAS
...

Franz Lima disse...

Mer irmão, que letras são essas?! Muuito bom!

Genilson disse...

Falcão meu "Brother"... Sempre acreditei quando você dizia "Meu Negócio é música, isso aqui (publicidade) é pra pagar as contas". Viva a Música, viva de música brother.

Um Abraço.

Poliana disse...

Falcão,
Sou sua fã e torço muito pelo seu sucesso!!!!
Beijos,
Poli