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18 de fevereiro de 2011

SEM FURO

ALIMENTO - Informação é o prato preferido do jornalismo. Fofoca é a sobremesa... | imagem: Ralph Steadman

# Ele acredita ser competente. Acorda cedinho, ouve o noticiário policial pelo rádio do celular pra ir preparando os "ganchos jornalísticos" antes de pisar na redação e passa horas checando afirmações na esperança de achar a melhor de todas.

Euforicamente sai todas as manhãs para a Central de Polícia em busca de um belo furo de reportagem. Mas, às vezes, reflete sobre sua sistemática de trabalho. Se tudo é feito com tanta dedicação por que não dá certo ao ponto dele ser reconhecido pelos colegas?

- Oi, bom dia. Temos boas pautas hoje!
- É?! Pode falar...
- Teve um homicídio misterioso, um arrombamento de casa dramático e uma denúncia de pedofilia...
- Que mais? Quem foram as pessoas envolvidas nesses crimes? São públicas ou anônimas? É por aí, pra poder fazer ou não a matéria. Anônimo só vale se for uma história e tanto, mas como registro, pra tapar buraco, entende?
- hum hum...
- O caso da pedofilia é denúncia pesada mesmo?
- Não sei, ainda vou...
- Se for envolvimento de político ou empresário rico, talvez renda a manchete.
- É, acho que...
- Acha?! Jornalista tem que ter certeza das coisas, cara!
- Não, eu quis dizer...
- Ok, entendi. Vá lá, qualquer novidade da manchete, liga!

Tuuuuuuu...
Com a barriga roncando de fome por ter acordado tão cedo, sai procurando a desgraçada da manchete, engolindo cachorros-quentes, salgadinhos e afins. Horas rodando e nada. A editora da tarde chega. Mais maleável que a primeira, ela anima-o.

- Bom, a tua matéria está sem foco. Coloca um pouco de drama. Pega uma personagem... nossa! Essa matéria no jornal de hoje desse tamanho foi de quem?! (como se já tivesse recebido a resposta pelo MSN, a chefe volta a olhá-lo). E aí?! Vamos correr a trás?!
- É que a fonte não pode se identificar. Mas o que ela disse não foi revelador?! Pessoas conhecidas, drama policial... um escândalo...
- Sem nome?
- Hum?
- Um escândalo sem nome?! Sem dizer quem está desmascarando todos? Não vai ser assim tão repercussivo. Se ele se identificar, a gente dá a manchete principal, com foto e tudo... Vê se consegue. Não é nada demais... Amanhã você será a estrela da redação, rapaz, está esperando o que pra conseguir esse furo?!

Aquela pergunta ficou ecoando na cabeça quase vazia do 'foca'. Moveu as pedras do caminho, já detectadas pelo colega das letras, Carlos Drummond, e conseguiu uma manchete cheia de reclamações da fonte, que recorreu ao superintendente do jornal, que mandou por e-mail o corte previsto de sua cabeça caso o repórter não se retratasse em público imediatamente.

- A fonte da tua matéria quer que cite-o dizendo que você, "Fulano de Tal, errou GROSSEIRAMENTE ao confundir as informações e publicar uma inverdade".
- Mas isso é um absurdo! Vocês me incentivaram a agir assim!
- Estás doido?! Eu nem falei com você direito ontem!
- Você incentivou que eu tirasse a informação a todo custo!
- Tem testemunha dessa afirmação? Cuidado pra não ser processado duas vezes por calúnia! Pela fonte prejudicada e por mim, duas vítimas da sua displicência ao falar as coisas!

Engoliu o nó. Sentou na cadeira, ajeitou o computador, baforou umas três vezes e escreveu uma errata copidescada do Google.

Assim termina mais um dia sem furo de um jornalista que entra para imprensa brasileira. Com uma dor frontal na cabeça, muita raiva amarrada no peito e uma vontade muda de matar um editor...
#valdívia costa

2 comentários:

Anderson Ribeiro disse...

É de arrepiar, mas não é distante disso. Todos tiram o seu da reta quando o bicho pega. É F!@#$%¨&A mesmo, viu?

De acordo com disse...

É, Anderson, a vida pra nós jornalistas iniciantes (pq eu sempre estou aprendendo uma nova função) nunca foi mamão com açúcar. Aproveitando, explico que textos sobre comunicação e jornalismo são baseados em fatos reais, vividos por mim nas redações. Nada pra desmerecer ou denunciar alguém. Tem texto que misturo as ocorrências... enfim, desabafos. ;)