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28 de julho de 2011

DESCONSOLO

O céu é o playground preferido dos órfãos... | imagem: Kukowski

# Iran chegou à casa da avó Fafá há alguns meses. No meio da noite, um pesadelo o belisca num sobressalto. Entre um soluço e outro, com o nariz constipado de uma angústia que ele começa a conhecer, o menino cochila. Seus quatro anos de vida são insuficientes para que ele absorva completamente uma grande perda.

Chorar, dizem, é uma forma de lavar a mancha da mágoa... Talvez nem a lágrima limpe uma dor como a desse encurtado guerreiro. Talvez ele se torne, ainda que um pouquinho só, meio esquivo. Pois, de noite, Iran fecha os olhos e “pei-pei-pei”... a morte o perturba.

A mão da sua mãe o acorda caindo pesadamente e sem vida por cima do seu rosto. Assim, ele dorme duas horas, acorda, dorme... Mesmo quando sente o sono, ele vê o sangue crescendo, formando flores gigantes vermelhas no lençol bege que enrolava o corpo jovem da mãe Nete.

Noites antes, estavam ele, ela e seis irmãos deitados no chão da minúscula sala, assistindo TV até tarde. Todos se estendiam, todos se entendiam e dormiam, se aquecendo de um serrano frio abraçados, enroscados ou simplesmente colados uns nos outros. 

“Pei-pei-pei”... o chão se abriu na cabeça de Iran, que foi acordado pela morte e resfriado aos gritos pelos outros desesperados irmãos. Iran sentiu, sob efeito do sono, os empurrões o expulsando para fora de sua casinha... Mas eram reais as balas, o ódio e a solidão.

Ainda bem que a fala quente e fofa da Fafá acaricia Iran... Sua voz, mesmo fúnebre, o acalenta. Fafá improvisa cantigas murmuradas entre suspiros que faltam... porque, assim como ele, tem uma escada de irmãos esperando por ela, único afago de um novo e mal planejado orfanato.

E o mal-estar ainda ronda as várias redes e colchonetes espalhados e pendurados nos poucos cômodos da nova provisória morada. Entre um soluço e outro, uma prece, um sinal da cruz... e Fafá. Desconsolada no silêncio raro que, depois de dias, ela conseguiu achar no escuro, quando todos os netos dormiram, ela enfim pode chorar e sentir saudade da filha. 
#valdíviaCosta

SOCIAL - A cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil. A pesquisa foi realizada pela Fundação Perseu Abramo com o Sesc Pesquisa, em 25 Estados, ouviu em agosto do ano passado 2.365 mulheres e 1.181 homens, sendo que 8% dos homens admitem já ter agredido a companheira. O estudo revela ainda, que "Os dados mostram que a violência contra a mulher não é um problema privado, de casal. É social e exige políticas públicas", diz Gustavo Venturi, professor da Universidade de São Paulo (USP). (Fonte: Ensopados da História)

2 comentários:

Anderson Ribeiro disse...

Linda figura, lindo texto. Sensibilidade de mulher e poetisa na crueza do dia-a-dia de jornalista. Quantas Fafás e quantas Netes sofrem por dia nesse país.... quantas?

Toninho Borbo disse...

É verdade... é um traço bábaro dentro que a gente chama de sociedade da modernidade tardia ou pós-modernidade. O texto tá muito bom mesmo. Valeu Nega!